segunda-feira, 28 de julho de 2014

SUASSUNA – O ESCRITOR E O MOVIMENTO ARMORIAL



Francisco Miguel de Moura
Escritor 
Membro da Academia Piauiense de Letras.
         Ariano Suassuna
                           

         Damos, nesta hora, o nosso triste adeus a Ariano Suassuna. Mas, quem morreu foi o homem comum. O inegável gênio das letras e da cultura brasileira permanece e permanecerá na história. Ele não somente escreveu livros: Criou o “MOVIMENTO ARMORIAL”, que se propôs renovar nossa cultura, já um pouco esmorecida com o desvanecido do Modernismo. Por estas e muitas outras razões estava sendo proposto para o Prêmio Nobel de Literatura deste ano.
Romancista, dramaturgo, filósofo, poeta, Ariano Suassuna é, em tudo, um virtuose, através da sensibilidade ímpar e comovente. “De seu reino, partem raridades líricas, substâncias predestinadas ao esvaziamento encantatório, à ascese descritiva, à grandeza onírica de suas perfeitas colocações ao eterno, ao divino e à espera da sorte sobre o destino humano” – esta é a opinião abalizada do jovem poeta Diego Mendes Sousa, com cujas palavras todos nós concordamos. 

             E ele, o jovem poeta de Parnaíba, aproveita para citar e recitar alguns poemas do renomado escritor paraibano, nascido a 16 de junho de 1927 e falecido, nesta semana, dia 23 de julho de 2014. Leiamos um dos seus poemas, no caso um soneto, onde a nota de maestria está patente:
          
           “Aqui morava um rei quando eu, menino,
             Vestia ouro e castanho no gibão
             Pedra da Sorte sobre meu Destino,
             Pulsava junto ao meu, seu coração.

 Para mim, seu cantar era Divino,
 Quando ao som da viola e do bordão,
 Cantava com voz rouca, o Desatino,
 O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.

 Mas mataram meu pai. Desde esse dia
 Eu me vi como cego sem meu guia
 Que se foi para o Sol, transfigurado.

 Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
 Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
 Espada de Ouro em pasto ensangüentado”.

             O drama aqui cantado faz parte de episódios da vida de Ariano Suassuna, da sua biografia, tal como nos demais poemas mostrados pelos críticos e antologistas noutras partes. Assim como os dramas evocados por Shakespeare perpassam, naturalmente, pela obra de Ariano Suassuna, que é o mais notável dramaturgo brasileiro, com aproximações nítidas à genialidade do autor britânico. “Os temas variam em universalidade, em amor e morte, nas palavras calejadas de quem conhece a outra margem da realidade existencial. Ariano Suassuna assume o trono de seu próprio discurso, cantante e sofrido, em busca de um elo perdido na infância. A poesia de Ariano Suassuna é incomum, distante de qualquer paralelo poético entre nós”. Estas opiniões foram coligidas em diversas fontes e leituras, pelo poeta Diego Mendes Sousa, um dos seus fervorosos admiradores na nova geração de intelectuais e artistas.
             Seguindo um pouco o raciocínio da crítica e da crônica cultural brasileira, digo, sem medo de errar, que Ariano Suassuna é realmente um escritor original, uma pessoa incomum. Inimitável é tudo quanto ele fez como intelectual e artista. Foi professor durante toda sua vida, por isto, ao falar perante qualquer o auditório, ele tinha uma forma de expressão singularíssima, aliada a um humor incomparável, humor não corrosivo, humor humano. Natural e sincero, parecia falar com seus amigos, conhecidos e parentes de casa, da família. Foi assim que o ouvi em Pernambuco, no auditório da SUDENE, numa destas festas culturais que as entidades criam para a troca de idéias e de práticas, aquela então batizada de I ENCONTRO NORDESTINO DE POLÍTICA CULTURAL, em Recife, 1987. 
            Quem morreu foi o homem, mas nem este mesmo morreu totalmente: ficou e ficará na memória do seu povo principalmente: Da Paraíba a Pernambuco (Recife), em cuja capital passou a morar após os quinze anos de idade, aonde fora estudar. Seu pai, João Suassuna, era Governador da Paraíba, quando foi assassinado – crime político – Ariano Suassuna tinha apenas um ano de nascido. A família passou a morar no Sertão, “Fazenda Acauã”, não muito longe da Capital paraibana.
É de justiça que digamos isto, com todas as letras, se possível em maiúsculas: O INTELECTUAL, O ESCRITOR, O CRIADOR NÃO MORREU, POIS DEIXOU UMA OBRA IMORREDOURA, INIMITÁVEL, CRIADA DE SUA ALMA QUE SE CASOU BEM COM O SERTÃO, O POVO E A PAISAGEM NORDESTINA. Tinha uma memória fabulosa e uma performance singularmente agradável. Foi um mestre.
            De suas obras deveríamos destacar “O Romance da Pedra do Reino” onde ele gravou todas as linhas do MOVIMENTO ARMORIAL, que pretendia ficasse não apenas na literatura, mas se estendesse às demais artes, especialmente, à pintura, escultura e ao teatro. Na época foi até considerado reacionário por intelectuais marxista-leninistas. Pura ignorância. Outros livros que tiveram grande popularidade, graças à transposição para o palco, cinema e tevê, foram “O Auto da Compadecida”, “A pedra do Reino” e “O Santo e a Porca”. Sua primeira peça denominada de “A mulher vestida de sol”, 1948, ganhou o prêmio “Nicolau Carlos Magno”. Receberia outros prêmios significativos. Mas seria ocioso citar todas as suas obras e todos os seus prêmios, num simples artigo. Ele próprio crê que aos dez anos fizera o seu primeiro conto. Desde então começou a escrever e sempre à mão. Era essa a forma que mais lhe aprazia. E continuou o hábito até o fim da vida.
         Destaquemos agora um pequeno trecho de “O Romance da Pedra do Reino”:
        
“A sentença já foi proferida. Saia de casa e cruze o Tabuleiro pedregoso. Só lhe pertence o que por você for decifrado. Beba o Fogo na taça de pedra dos Lajedos. Registre as malhas e o pelo fulvo do Jaguar, o pelo vermelho da Sussuarana, o Cacto com seus frutos estrelados...”
        
         Ilustre Membro-Fundador do Conselho Nacional de Cultura, tendo sido depois eleito para a Academia Brasileira de Letras, Ariano Suassuna foi tema quase exclusivo da revista “Correio das Artes”, de abril deste ano, que se edita em João Pessoa - PB, com vários estudos em profundidade, escritos com muito carinho. Transcrevemos, por sua grande valia, um trecho da apresentação da revista:

          “A vida e a obra do escritor e dramaturgo paraibano são temas de inúmeros documentários, livros, teses e dissertações universitárias. Mas o assunto parece inesgotável e cada novo trabalho sempre acrescenta informações valiosas a esse precioso acervo (...) Entendemos que a dimensão amorosa e humanitária da alma de Ariano ainda é pouco conhecida, destacando-se mais as suas faces de escritor e pensador, em função da qualidade de sua arte e de suas posições em defesa do povo e da Cultura de seu país”, texto assinado pelo editor Waldir Galvão.

             Como vimos, o campo é vasto e instigante. Nosso Brasil só tem a ganhar com a leitura e o estudo do autor de “O Romance da Pedra do Reino”, obra que deu início ao MOVIMENTO ARMORIAL, o qual está aí, vivo, basta que se observe, a partir do Nordeste, o revigoramento das artes em geral: uma espécie de fusão entre o clássico e o popular, que estamos vendo acontecer.

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