Areias





AREIAS, POESIAS

Fontes Ibiapina
escreveu:
Tenho em mãos uma estréia. Entramos em contato com um neófito. Mas noviço que não traz em si um conteúdo monótono, insosso ou desenxabido, como sempre sói acontecer aos marinheiros de primeira viagem. Francisco Miguel de Moura (ou simplesmente Chico Miguel como o tratamos na intimidade), com AREIAS, vem de transpor o portão do Parnaso, de pé direito na frente.

AREIAS. Batismo aparentemente vago para o frontispício de um livro. Por isso mesmo sugestivo. Impressiona, sobretudo, pela simplicidade do termo, emprestando, numa comunicabilidade impressionante, muito de simpatia ao leitor bem avisado. Em todo o conteúdo da obra, encontra-se uma intimidade contagiante familiarizando e irmanando, na tela da padronagem do seu pano de fundo, – o poeta, o livro, a terra. É a lâmina de cristal da inteligência rara e lúcida de um moço refletindo a vida do homem deste chão de clima equatorial que às vezes nos martiriza com o seu chicote de fogo, mas também nos fornece calor, luz e energia para a luta na vida pela vida. Nasce da “areia branca” do Riachão que “bota banca no coração” do menino de Jenipapeiro de ontem que dormita em estado latente, embalando-se na rede da saudade, no peito do poeta de hoje, Jenipapeiro de ontem “entre dois chapadões”, “de alma mais pura do que a branca areia”, que hoje ostenta banca de cidade com outro nome.

E vem a adolescência. Há romances no muro.” Há amores. O medo domina, como sempre domina mesmo o medo em todo adolescente quando ensaia os primeiros passos na iniciação dos mistérios para a perpetuação da espécie.

Passa o adolescente. Passa o jovem sensato, caminhando para o amadurecimento. Passam amores. Idílios. Passam cânticos. Até que a realidade da vida, em suas facetas concretas, assoma numa curva da estrada da veracidade da vida. Vem o homem que sofre. O único animal do mundo que ri e chora. O animal que nasce sem pão, sem amparo, sem destino:

“Pelos caminhos, sem nada,
se nada,

se anda,

se voa,

pelos caminhos se vive,
se morre e se tem esperança.”


É no poema “Caminhos” onde Chico Miguel afina a lira do seu estro no diapasão da filantropia:

“Por eles vamos à guerra,
por eles voltam medalhas,
por eles cartas não vêm,
mas engano
s, desenganos..."

É o drama da seca. A tragédia da fome. A epopéia do retirante. O poema “Caminhos” é o pico culminante de AREIAS, onde o poeta, como um Ícaro, desprende as asas de sua imaginação dando azo ao seu sentimento humanitário. Sentimento humano também autenticado, além de, em diversas passagens outras, nesta chave de ouro de um dos seus sonetos:

“O bom Jesus de mesa à multidão
com sete pães. Bendito qualquer "ismo"
que multiplique e faça a divisão.” (1)

Mas estamos falando de um poeta. De um poeta postulante, é verdade. Mas postulante com caracteres de titular, capaz de sentar-se a um fauteuil de cenáculo e reger, com sua batuta de veterano na arte do verso, uma orquestra de musas. Estamos falando de um poeta, e nada temos de estro nas veias. Seria como um simples garimpeiro de nossos sertões bravios, lá nos confins de Minas ou Goiás, dando votos e discutindo acerca duma oficina de lapidação da Holanda. Mas é que sentimos, como outros leitores hão de sentir, que o vate de AREIAS, num vocabulário singelo e despretensioso, sem palavras rebuscadas ou quaisquer outros pernosticismo de intelectualidade doentia, firma-se como uma personalidade entre os nossos homens de letras. Se escreve poesias rimadas e metrificadas, com traços de belle époque, pisa firme, não resta dúvida. Mas quando escreve versos de pé quebrado, versos brancos, soltos, segundo a poesia moderna, é maior. Vamos abusar do pleonasmo, admitindo o qualificativo grande na primeira escola, é mais grande na segunda. É o caso dos poemas “Dedicatória”, “Areia”, “Caminhos”, “Contrastes”, “O Copo”, “Operário” e outros.

Teresina, 18 de dezembro de 1965.

(1) Esta é a versão mais nova do último terceto do soneto "Milagre da Divisão", feita recentemente pelo Autor.
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*Fontes Ibiapina é contista premiado várias vezes na imprensa do Sul, romancista, teatrólogo e folclorista, com vários livros publicados e elogiados. Pertence à Academia Piauiense de Letras.
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(Eis o prefácio de “AREIAS”, primeiro livro de poesias de Francisco Miguel de Moura. Foi publicado no jornal “Beira Baixa” – Portugal, dirigido por J. Santos Stockler, edição de 3-7-71).

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