de Francisco Miguel de Moura
Prefácio de
Paulo Nunes Batista *
Com tantos nomes ilustres no cenário das letras nacionais, veio a lembrar-se de mim o poeta e escritor piauiense Francisco Miguel de Moura para prefaciar este volume dos seus melhores sonetos. Tenho medo de não estar à altura do encargo.
Chico Miguel de Moura é consagrado no Brasil e no exterior como poeta, contista, romancista, cronista, crítico literário, jornalista, tendo alcançado vários prêmios, com mais de duas dezenas de livros editados. De Teresina, onde pontifica, tem irradiado talento e cultura. Suas revistas Cirandinha e Cadernos de Teresina só o popularizaram ainda mais. Integra há anos a Academia Piauiense de Letras e o Conselho Estadual de Cultura do Piauí, sendo membro de entidades literárias como a UBE, da qual é fundador em seu Estado.
Sabe-se que o soneto e a trova não são fáceis de fazer. Pois ele é um trovador premiado. Não me lembro se foi o mestre Gilberto Mendonça Teles ou o mestre Anderson Braga Horta (dois grandes sonetistas) que disse que a sonetomania é vício quase impossível de curar... O hábito de sonetear é terrível. Francisco Miguel de Moura reúne neste seu livro nada menos de 168 sonetos, divididos em três subtítulos: A vida, não sei... (128), Sonetos da paixão (14) e Tempo contra tempo (26).
Um dos fortes da poesia de Miguel de Moura é a criação de imagens poéticas de grande sugestividade. Alguns exemplos tirados do conjunto A vida, não sei...: “que o sol se me apagou antes de ser” (Alma Tatuada); “mármore da dor e do seu pranto” (Amar/ante); “e dentro em mim um firmamento todo / e todo um abismo para conter mágoa” (Amor à Minuta); “de que o mundo morreu sem ter nascido” (Fim de Milênio); “A cor de uma tristeza?” (O que é a Saudade); “de que vale morrer pra ficar vivo” (O que Fazer); “renascendo da graça e da poesia” (Para Mecinha); “uma paixão mais enorme: / De voar pelo não-ser” (Pássaro); “o faro da distância” e “vexado de horizonte” (Pedra).
Ainda do mesmo conjunto: “Perdi o trem das minhas esperanças” e “E carreguei distâncias” (Perdida Esperança); “Diante da solidão que se demora” (Poesia e Bar); “quem tem orgulho de não ter orgulho” (Orgulho); “como nadar no seco, contra todos” (Símbolos); “Um é terrível santo e tão sem foz” (Sombra); “... a palavra que abre uma esperança” (Soneto da Purificação); “basta-me a leve aragem da bondade” (A mim mesmo); “que o pecado plantou na flor da carne” (Tema de Revolta).
De Tempo contra Tempo: “... mais de revestrés / do que olho vivo em moça mal-sentada” (Que é de?); “e aquele vestir pouco não tem preço / faz a curva da idade abençoada” (De novo, a Moça); “o tempo vai, o tempo vem sem nome” (Definição?); “-Infindo é o homem no seu seco nado,” / ...a salvação do impossível” (Paralelo 2).
Nestes sonetos Francisco Miguel de Moura se mostra de corpo e alma inteiros: um lírico que perdeu “o trem das suas esperanças”. Nada espera depois da morte. É um descrente, como João Cabral de Melo Neto e Bernardo Élis, que de vez em quando fala em Deus. No soneto “Milagre da Divisão”, de acento social-espiritual, um dos melhores deste volume, aparecem laivos de revolta contra o sistema vigente, esse capitalismo podre que ainda impera. Já em “Delírio” o sentido metafísico está patente, embora o poeta acentue que não tem “a fé no coração gravada”. É outra das melhores peças aqui reunidas, com este fecho magnífico: “tenho a angústia infinita de ser homem, / tenho o imortal desejo de ser Deus.”
No seu “Et pour Cause...” lembra alguns sonetos de Emílio de Menezes e Artur Azevedo. Em “A Casa do Poeta” recorda um jeito de B. Lopes, o mesmo se dando em “Cromo”, na maneira de sonetear. “Sensual Alice” é um soneto antológico, em que o lirismo de Francisco Miguel de Moura se patenteia. Ser sonetista na terra em que Da Costa e Silva nasceu não é sopa.
Nove séculos depois de surgido na Itália, o soneto está de pé. Sua forma de composição sintética e apropriada à memorização é um dos motivos da sua perenidade. Sei de cor e salteado sonetos que aprendi na infância – de autoria de Augusto dos Anjos, Auta de Souza, Bilac, Raimundo Correia, Padre Antônio Tomaz, Luiz Delfino, Jorge de Lima e outros da mesma estirpe – mas não consegui reter na memória nenhum dos muitos poemas modernistas que li. Sou um fã incondicional do bom soneto. E Chico Miguel de Moura passa a figurar na minha coleção de excelentes sonetistas.
Anápolis, 28 de setembro de 2002.
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* Paulo Nunes Batista, escritor brasileiro, nascido na Paraíba, radicado em Goiás (Anápolis), integra a Academia Goiana de Letras. Especialmente poeta de feição popular, é também ótimo na categoria clássica, destacando-se como um dos maiores sonetistas do Brasil.
ALGUNS SONETOS DO LIVRO
A BELA E A FERA
Minha santa de outrora era uma data
loura, de olhos azuis, dos meus anseios,
róseos os lábios, túmidos os seios,
boca cheirando a lua e serenata.
E em corpo e alma, a bela, a insensata,
de olho no sexo, em danças e rodeios,
iluminava os céus com seus meneios,
festa no coração, riso em cascata.
Hoje, minha alegria se destrata,
o calendário se transforma em fel,
não quero mais saber daquela ingrata.
Meu futuro é fumaça e tem venenos...
Sem mais tempo, esvazio o meu tonel,
que um dia a mais é sempre um dia a menos.
DELÍRIO
Peguei da minha Bíblia Sagrada
pensando nela achar todo o Universo.
Lida e relida, não encontrei nada,
tão contrafeito, em dúvidas imerso.
Não tendo a fé no coração gravada,
a virgem fé de remover montanha,
a palavra de Deus, viva, inspirada,
trouxe-me a dor em dúvida tamanha.
Assim, crendo e descrendo, já deliro.
Assim, dias e noites se consomem,
e eu filosofo as dores que transpiro.
Se, enfim, elevo os pensamentos meus,
tenho a angústia infinita de ser homem,
tenho o imortal desejo de ser Deus.
SENSUAL ALICE
Foi na queda da minha meninice,
desaguando na minha juventude,
que me veio à cabeça esta virtude
de te gravar no coração, Alice.
Tu brincavas na areia, ondas salgadas
vinham quebrar-se nos teus pés sem pejo.
Aproveitar meu prematuro ensejo
seria um céu. Perdi nossas pegadas.
Sonho as curvas da praia, as curvas tuas
como o seio nascente que guardavas...
De tantas coisas desejei só duas.
Na noite, as mãos levíssimas de sondas...
E entre séria e risonha te afastavas,
levada docemente pelas ondas.
SONETO DA PURIFICAÇÃO
Não deu aquelas coisas imprecisas
Nem certezas felizes de algibeira;
deu a camisa que cobria o peito:
– Uma clara bondade sem enganos.
Deu a palavra que abre uma esperança,
desfaz mistérios, medos e aflições;
e ficou triste sem saber porque
uns são malvados, outros são tiranos.
Deu aos bons e aos maus, a toda hora,
sem cansar-se da luta, desafiando
as queixas, os tropeços e murmúrios.
Deu, por fim, o seu próprio travesseiro,
sem esperar um gesto agradecido...
E enfrentou a dureza do chão puro.
ALMA TATUADA
Alma estranheza e voz do entardecer,
sem estrelas no céu, nem luz, nem gosto!
Meu olhar cinza - tanto é meu desgosto
que o sol se me apagou antes de ser.
Essa é minha alma, tenho-a sem saber
há quantas eras! Que princípio deve
voar assim e parecer tão leve,
como para “apanhar” e ensurdecer?
Alegria? Na vida, a desgraçada
nunca teve nem viu em rosto alheio,
por isto seu futuro é quase nada.
Alma inquieta que se quer parada,
finge a vida da carne mas, no seio,
– alma tão alma em dores trespassada.
O QUE É A SAUDADE
Impossível saber o que é a saudade...
Uma palavra? A cor de uma tristeza?
Ou uma felicidade sem certeza
que em nós se instala como eternidade?
O que passou, passou, não é verdade?
Ou nos ficou do tempo a chama acesa?
Saudade, um não-sei-quê que traz leveza?
Ou apenas enganos, leviandade?
Está no corpo inteiro ou está na alma?
E se está, por que não nos traz a calma?
Por que nos mata assim, tão devagar?
Saudade, o teu passado é tão presente,
és uma dor que chega de repente
e que parece nunca vai passar.
Minha santa de outrora era uma data
loura, de olhos azuis, dos meus anseios,
róseos os lábios, túmidos os seios,
boca cheirando a lua e serenata.
E em corpo e alma, a bela, a insensata,
de olho no sexo, em danças e rodeios,
iluminava os céus com seus meneios,
festa no coração, riso em cascata.
Hoje, minha alegria se destrata,
o calendário se transforma em fel,
não quero mais saber daquela ingrata.
Meu futuro é fumaça e tem venenos...
Sem mais tempo, esvazio o meu tonel,
que um dia a mais é sempre um dia a menos.
DELÍRIO
Peguei da minha Bíblia Sagrada
pensando nela achar todo o Universo.
Lida e relida, não encontrei nada,
tão contrafeito, em dúvidas imerso.
Não tendo a fé no coração gravada,
a virgem fé de remover montanha,
a palavra de Deus, viva, inspirada,
trouxe-me a dor em dúvida tamanha.
Assim, crendo e descrendo, já deliro.
Assim, dias e noites se consomem,
e eu filosofo as dores que transpiro.
Se, enfim, elevo os pensamentos meus,
tenho a angústia infinita de ser homem,
tenho o imortal desejo de ser Deus.
SENSUAL ALICE
Foi na queda da minha meninice,
desaguando na minha juventude,
que me veio à cabeça esta virtude
de te gravar no coração, Alice.
Tu brincavas na areia, ondas salgadas
vinham quebrar-se nos teus pés sem pejo.
Aproveitar meu prematuro ensejo
seria um céu. Perdi nossas pegadas.
Sonho as curvas da praia, as curvas tuas
como o seio nascente que guardavas...
De tantas coisas desejei só duas.
Na noite, as mãos levíssimas de sondas...
E entre séria e risonha te afastavas,
levada docemente pelas ondas.
SONETO DA PURIFICAÇÃO
Não deu aquelas coisas imprecisas
Nem certezas felizes de algibeira;
deu a camisa que cobria o peito:
– Uma clara bondade sem enganos.
Deu a palavra que abre uma esperança,
desfaz mistérios, medos e aflições;
e ficou triste sem saber porque
uns são malvados, outros são tiranos.
Deu aos bons e aos maus, a toda hora,
sem cansar-se da luta, desafiando
as queixas, os tropeços e murmúrios.
Deu, por fim, o seu próprio travesseiro,
sem esperar um gesto agradecido...
E enfrentou a dureza do chão puro.
ALMA TATUADA
Alma estranheza e voz do entardecer,
sem estrelas no céu, nem luz, nem gosto!
Meu olhar cinza - tanto é meu desgosto
que o sol se me apagou antes de ser.
Essa é minha alma, tenho-a sem saber
há quantas eras! Que princípio deve
voar assim e parecer tão leve,
como para “apanhar” e ensurdecer?
Alegria? Na vida, a desgraçada
nunca teve nem viu em rosto alheio,
por isto seu futuro é quase nada.
Alma inquieta que se quer parada,
finge a vida da carne mas, no seio,
– alma tão alma em dores trespassada.
O QUE É A SAUDADE
Impossível saber o que é a saudade...
Uma palavra? A cor de uma tristeza?
Ou uma felicidade sem certeza
que em nós se instala como eternidade?
O que passou, passou, não é verdade?
Ou nos ficou do tempo a chama acesa?
Saudade, um não-sei-quê que traz leveza?
Ou apenas enganos, leviandade?
Está no corpo inteiro ou está na alma?
E se está, por que não nos traz a calma?
Por que nos mata assim, tão devagar?
Saudade, o teu passado é tão presente,
és uma dor que chega de repente
e que parece nunca vai passar.
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Este soneto não está no livro "Sonetos Escolhidos" e é a biografia espiritual de Francisco Miguel de Moura, o autor de SONETOS ESCOLHIDOS. - Remeto o leitor para os blogs http://franciscomigueldemoura.blogspot.com
http://cirandinhapiaui.blogspot.com AUTORETRATO
Sou o que sou, por mais que o mundo queira
Minha igualdade a outro, ou bem melhor
No parecer, na essência ou no que for:
– Meu “eu” combina a vida verdadeira.
Não sei do que vai fora... Eu fico à beira
Dos que tentam me achar. Longe do amor
O que vem, volta – e volta já sem cor,
Por mostrar só vaidade, só cegueira.
Sonho e escuto o futuro com alegria,
Penso e leio e escrevo, a cada dia,
Canções, que à vida e à paixão dedico.
Poeta fui, por todo o meu passado,
Mas hoje sou melhor, não estou cansado...
Eis Francisco Miguel de Moura, o Chico.
2 comentários:
Uma magnifica asenção de palavras de metáforas que encantam a lama e ficase-se sem saber como parar de abrir el coração por tantas belezas.
Parabéns ao Poeta
Bom dia, Poeta!
Fiquei feliz e honrada com sua visita.
Teu blog é um misto de cultura e sensibilidade. Parabéns!
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