Faltam MEIOS
Paschoal Motta*
"Quando o povo perde a tradição, quer dizer que se quebrou o laço social.
E quando se quebra o laço entre a minoria e o povo, acabam a arte e a
verdadeira ciência, cessam as agências principais, de cuja existência a civilização deriva."
(Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Companhia das Letras, 2ª. ed. 2005, São Paulo)
Quando se divulgou no Brasil a palavra mídia, da expressão mass media (Inglês e Latim), igual a meios de comunicação de massa, ou simplesmente meios, quase todos os comunicadores profissionais aprenderam a novidade e proclamaram a pronúncia inglesada de media. Este é substantivo plural, de medium, gênero neutro, que resultou em nosso meio/meios, de largas usanças em nossa linguagem cotidiana. Até então entre nós, media aparecia na forma e pronúncia originais e em situações específicas, como, entre outras, a extinta publicação Ars Media, da Fundação Palácio das Artes
Mais recentemente, importamos e adotamos, com antiga afoiteza, as palavras diet (com pronúncia daíete), bike (baique), com apenas as deformações fonológicas. Fiquemos só nestas de uma lista crescente. São reduções de diaeteticus (Latim), e bicyclette (via Francês, por sua vez composta do prefixo latino bis, dois/duas, mais a palavra grega kyklos, roda, (grafia latinizada), mais eta. Importamos, também dos Estados Unidos da América do Norte, bicycle, já representada em bike, e com a apreciada dicção estrangeira. (Aliás, sempre demos ao produto importado valor acima do tupiniquim.) Nestas duas palavras, não conseguimos, ainda, destruir a grafia, como com mídia, arremedando apenas a pronúncia. Agindo assim, profissionais da Comunicação demonstram ignorar completamente esta questão que desencadeia prejuízos irreversíveis na área lingüística nacional e em nosso status de nação de idioma próprio. E, juntadas a outras tais, nos bestificamos num geral das manifestações.
Circulou, recentemente, pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos um selo "Design brasileiro" (ipsis litteris)... Design é de designare, desenhar, mantida a raiz, sign, apenas com a pronúncia estrangeirada, como sói acontecer em países de Língua Inglesa.) Acolhemos, dessa maneira, e divulgamos termos geneticamente latinos e da formação do Português, que aqui aportam com sons alienígenas, lá das plagas por onde viajaram, correndo, porém, na contramão de suas raízes etimológicas, porque captados de ouvido e assim grafados. Um horror! Até o Dicionário Aurélio registra esse mídia e anota sua formação e abrangência de significados históricos e atuais, na ignorância, porém, da sua descaracterização radical em nossa linguagem.
Nas longas e pedregosas vias da civilização romana, os itálicos se apropriaram de termos do Grego, do científico, do filosófico, do religioso e do artístico e de outros. Na passagem para o Latim, foram ajeitados na grafia do alfabeto da língua de Cícero. A causa eficiente e profunda desta breve argumentação sobre tais e mais desacertos poderá ser detectada em entradas no Português aqui praticado de meros sons e grafias estranhas que adulteram nossa genética lingüística e o resto.
Importações de palavras sempre serão saudáveis, mas dosá-las e adaptá-las, tal qual procedemos com football, foxtrot, corner, lead, penalty, team, copy desk, copyright, snooker... que aqui vestiram roupas de nossa linguagem e se converteram em futebol, foxtrote, córner, lide, pênalte, time, copidesque, copirraite, sinuca e outras muitas. Demos a elas, como não pode deixar de ser, um verniz latinizado, local, nos sons, na escrita. Aí, vá lá! Mas, cuidado! O roçado onde plantamos, adubamos e regamos esse mídia fica propício para semeadura e cultivo de expressões contaminadoras até da sintaxe nativa. Aí, nem Deus será mais brasileiro... Entre nós, a maioria das importações de palavras estrangeiras é desnecessária e algumas aviltantes. Sejamos, então, no mínimo, coerentes com esse apreciado mídia e vamos falar e escrever também: intermídio, intermidiário, midianeiro, midiatário, midiado, mídio ambiente, mídio-dia, mídio de campo, mídio-termo... aí afora. Temos já vaidade em grafar site e pronunciar saite, como se falássemos, aqui, o idioma de John Steinbek.
Ressalte-se que o Inglês que nos chega dos Estados Unidos, ora nosso árbiter cultural, abriga em seu vocabulário mais de cinqüenta por cento de termos gregos e latinos. Não demora, acolheremos daíete, baique como aconteceu com mídia, fazendo desaparecer os morfemas de seus significados radicais de origem. Que essa possibilidade ronda a Inculta e Bela, ah, não tenhamos dúvida. Aí, novos desarranjos intestinos serão irreversíveis, ainda mais com essa prática abusiva, insistente e demolidora por quem por ela devia zelar: redator (incluindo aqui escritor de ficção, poemas, textos científicos), revisor, jornalista, radialista, âncora de televisão, professor, advogado, reitor de universidade, religioso e outros cuja ferramenta básica de ganha-pão é a Língua Portuguesa, mas ainda desprovidos da consciência de possibilidades, modalidades e ocasiões de emprego da sua linguagem.
O Latim foi banido das escolas brasileiras! Pode ser estudado somente em Curso de Letras Neolatinas e escolas de línguas especiais. E como tem feito falta! No mínimo, seu estudo ajuda a pensar com mais discernimento, lógica. Conheçamos e admiremos línguas estrangeiras e respectivas culturas; aproveitemos delas o que nos complete e encante. Alguns poderão objetar que enfrentamos males maiores e precisamos da imediata solução deles, como o comércio e uso indiscriminado de drogas entorpecentes e seus efeitos perniciosíssimos para a mocidade e suas famílias; fome endêmica, guerrilhas urbanas, doenças idem, ladroeira em expansão, impunidade generalizada entre outras mazelas. Recebemos a ainda bela Língua Portuguesa de nossos maiores com o dever imprescindível de preservá-la para as gerações presentes e futuras. Sempre vale alertar: perdendo a estima da língua nacional, um povo esquece seu passado nas autênticas manifestações e, por fim, a dignidade pessoal e coletiva. Toda língua se aprimora ou se degrada na boca do povo. E, hoje, muito mais rápido e marcante, se por profissionais que a destroem ou empobrecem na transmissão de notícias, idéias, emoções por meio dela para milhões de pessoas e em tempo real.
E vamos cultivando cada vez mais uma linguagem estropiada, feiosa, até indecente. Contam-se nos dedos anúncios, dos mais simples aos mais sofisticados, que não agridem a Inculta e Bela com erros gravíssimos de regência, concordância, sons irregulares e mais. Meios de comunicação, governamentais ou particulares, espalham, com renitência, um linguajar bastardo, como gratuíto, um óculos, todo uma, processado a alteração, própio, propiedade, poblema, faz (Você) um, pô (por), pá (para) entre inúmeros, repetidos ad nauseam. E quem liga para as normas legais da ortografia vigente? Os meios impressos nem aí. Como nos levar a sério, se não nos levamos a nós mesmos, profissionais da comunicação?
Outra questão paralela: animais, árvores brasileiras, frutas, rios, pássaros, peixes, comidas, por exemplo, de denominações de denominações latinas, indígenas, africanas, se sonoras, não servem para nomear edifícios, ruas, cidades e o mais? Precisamos nomear prédios de luxo com nomes estapafúrdios buscados longe para valer mais? E os onomásticos de ruas, prédios e o mais, geralmente desconhecidos ou inexpressivos, para, apenas, massagear o ego fútil de uns poucos. O maldito princípio de todas as nossas mazelas, locais e planetárias, tem um nome: ignorância.
Português em Fim?
Oportuna a preocupação, com advertência, do Jornalista Otacílio Lage em artigo publicado no Estado de Minas, de Belo Horizonte: "Aqui, o Português está sendo negligenciado, e só os tolos acham que podem aprender o Inglês, Espanhol, Italiano, Russo, Mandarim ou qualquer outro idioma, ignorando o nosso. Não vão sair do lugar." E mais: recentes advertências da UNESCO / Organização das Nações Unidas Para a Ciência, Educação e Cultura, através de seu diretor-geral, Koichiro Matsuura, afirmou, na celebração do Dia Internacional da Língua Materna, em 21 de fevereiro do ano passado: "Quando uma língua morre, uma visão do mundo desaparece." E acrescentou que um registro idiomático desaparece a cada duas semanas. Por seu turno, Musa Bin Jaafar Bin Hassan, presidente da Conferência-Geral, da mesma Unesco, acrescentou: "As línguas não podem desaparecer sob o peso de outras. Têm que ser meios de expressão, que vivam e atuem junto às grandes línguas da Terra." E ele considera isso de difícil solução no enfrentamento da globalização que coloca o Inglês numa posição predominante.
Que fazem os professores de Português? Onde estão? E os cursos de Letras Neolatinas, de Jornalismo, de Direito, de Publicidade? A Academia Brasileira de Letras, as estaduais, as municipais? E o Ministério da Cultura? Da Educação? As Secretarias de Estado e municipais de Educação? Não se movimentam? Desconhecem essas agressões? Não sabem dessa ameaça em seu bojo? Dispomos de recursos de divulgação para desencadear campanhas e promover festivais, encontros, fóruns, concursos, celebrações regulares que avivam a atenção da juventude para o valor que representa a Língua Portuguesa na sua formação intelectual, cultural e emocional. As comemorações de nossas datas cívicas mais importantes, por exemplo, são duma frieza tumular. E podem muito bem representar o descaso generalizado para com nossas raízes...
O Português, patrimônio máximo do povo brasileiro, é o veículo nativo de que dispomos para representar nossos modos de ser, estar, agir, sentir e nos distingue no concerto das nações. Exige de quem o manifesta profissionalmente rigorosa e serena consciência crítica das variadas possibilidades de sua aplicação. O termo mídia viciou velhos e vicia novos no besteirol da comunicação nacional. Teremos ânimo ainda para recolocar o meio em nossos meios com competência e alegria? Há meios? Há. Uma sugestão primária: conhecer um mínimo da Língua Portuguesa, gostando ou não dela. Esse mídia e seus companheiros nos violentam e humilham.
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Paschoal Motta, escritor, jornalista, professor, mora
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