sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

 

A CASA E O POETA E OUTROS SONETOS

 


                   Francisco Miguel de Moura*

 

A casa do poeta tem por via

a fala dos irmãos com outro irmão;

de uma vida coberta de paixão,

as confissões: tristeza ou alegria.

 

É um menino pequeno (como não?)

no que quis e jamais pôde alcançar,

que sofre tantas vezes por amar,

quantas vezes num choro sem razão.

 

De medo, treme à vista do vizinho,

pois no quintal dos fundos grita e freme

um diabo nu, barrando o seu caminho.

 

Diante de Deus e de Nossa Senhora,

pede conformação para quem geme...

E não terá sua casa onde não mora.

                     

AMOR, SEMPRE AMOR (1)

Eras tu a mais linda da cidade.

E eu cheguei, um matuto impertinente,

apelidado até de inteligente

por colegas, amigos na verdade.

 

Teus sorrisos me enchiam de vaidade

e àqueles que te tinham de inocente,

e a mim me enfeitiçaram de repente,

como ninguém calcula. Ninguém há de

 

saber o que lutei para ganhar-te,

para querer-me ali, e em qualquer parte,

e, enfim, nos enlaçarmos com ardor.

 

Fogo em que conservamos, te asseguro,

a minha felicidade e o teu futuro

para viver tão puro e santo amor.

 

AMOR, SEMPRE AMOR (2)

                   

Mudam-se tempos, vidas e pesares,

mas, como outrora, a amar continuaremos.

Amo-te mais, não queiras nem saber,

amas-me mais agora e como sempre.

 

Se outrora caminhamos de mãos dadas,

era o medo do mundo e suas garras.

Já hoje nos soltamos pra andar juntos,

pra mais amar, que o nossa amor se aclara.

 

Teu corpo de menina e de mulher

Que tanto outrora já me deu ciúmes,

Hoje é prazer e graça como nunca.

 

Sendo eu feio, invulgar, e tu, tão bela

formamos lindo par por toda a vida

e abraçaremos outras se inda houver.

 

DEUSA

 

 

Era uma deusa humanamente bela,

de olhos molhados a deitarem luz,

sobre perdidos corações sem cores.

Desprendia paixões nos seus encantos.

 

Da carne, o cheiro, a tepidez, o orvalho

eram pingos da tarde... E a noite vinha.

Mas o brilho dos olhos tão intenso

iluminava  todos os caminhos.

 

E eu disse  “tolo”!  à blusa que se abria

à brisa, que assanhava as mentes frias,

cheia da graça dos recantos da alma.

 

De repente,  nas asas dos seus braços

levado vi-me e, pelos céus abertos,

caírem penas pelos meus pecados.

 

A DESCIDA              

Quantos anos que gente sobe a vida

pensando que subiu, cresceu, mudou,

a enganar-se na festa e na bebida,

pra ignorar o mundo – este robô!

 

Vive-se o tempo.  E as horas consumidas

em vãos gozos e gulas, sem fronteiras,

desconhecem as dores e as mentiras,

e o fumo das batalhas derradeiras.

 

Ninguém espreita a onda dos mistérios,

da doença e da velhice, e o conteúdo

pra encarar  sem máscara seus impérios.

 

A lei da morte apaga amor, carinhos,

porque o tempo de Deus ficou desnudo

na cruel desesperança dos caminhos.

 

 

A DEUSA NUA


Vi uma deusa solitária e nua,

a correr pelas praias. Seu segredo

era o silêncio. Eu quase senti medo

daquela cor de prata, cor de lua.

 

Corri para apanhá-la, ainda era cedo!

Com vergonha de mim, vindo da rua

tão faminto e cansado. E ela recua...

“Se deusa for”, gritei, “vou ficar quedo”.

 

E ela correu de novo... E, atrás, perdido,

desesperado, eu, louco e comovido,

queria o mel dos lábios cor de beijos.

 

Cego e surdo, ante aquela formosura,

seio pulsante, o’ estranha criatura!... 

Caí morrendo a morte dos desejos.

 

A PARTIDA

Na partida os adeuses, gume e corte

dos prazeres do  amor, quanto tormento!

Cada qual que demonstre quanto é forte,

lábios secos mordendo o sentimento.

 

Do ser brotam soluços a toda hora,

as faces no calor do perdimento,

olhos no chão, no ar, por dentro e fora,

pedem aos céus a força e o alimento.

 

Ninguém vai, ninguém fica. Oh! se reparte

no transporte que  liga e que desliga!

Confusão de saber quem fica ou parte.


Não se explica tamanha intensidade

Amarga, e doce, e errante, que interliga

os corações perdidos de saudade.

_______________________________________

 * Francisco Miguel de Moura, autor destes sonetos, é poeta, contista, cronista, romancista e crítico literário. Mora em Teresina, Piauí, Brasil, um lugar muito, cheio de coisas interessantes para serem vistas, a primeira delas é  "Museu do homem americano".


      

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