A CASA E O POETA E OUTROS SONETOS
Francisco Miguel de Moura*
A casa do poeta tem por via
a fala dos irmãos com outro irmão;
de uma vida coberta de paixão,
as confissões: tristeza ou alegria.
É um menino pequeno (como não?)
no que quis e jamais pôde alcançar,
que sofre tantas vezes por amar,
quantas vezes num choro sem razão.
De medo, treme à vista do vizinho,
pois no quintal dos fundos grita e freme
um diabo nu, barrando o seu caminho.
Diante de Deus e de Nossa Senhora,
pede conformação para quem geme...
E não terá sua casa onde não mora.
AMOR, SEMPRE AMOR (1)
Eras tu a mais linda da cidade.
E eu cheguei, um matuto impertinente,
apelidado até de inteligente
por colegas, amigos na verdade.
Teus sorrisos me enchiam de vaidade
e àqueles que te tinham de inocente,
e a mim me enfeitiçaram de repente,
como ninguém calcula. Ninguém há de
saber o que lutei para ganhar-te,
para querer-me ali, e em qualquer parte,
e, enfim, nos enlaçarmos com ardor.
Fogo em que conservamos, te asseguro,
a minha felicidade e o teu futuro
para viver tão puro e santo amor.
AMOR, SEMPRE AMOR (2)
Mudam-se tempos, vidas e pesares,
mas, como outrora, a amar continuaremos.
Amo-te mais, não queiras nem saber,
amas-me mais agora e como sempre.
Se outrora caminhamos de mãos dadas,
era o medo do mundo e suas garras.
Já hoje nos soltamos pra andar juntos,
pra mais amar, que o nossa amor se
aclara.
Teu corpo de menina e de mulher
Que tanto outrora já me deu ciúmes,
Hoje é prazer e graça como nunca.
Sendo eu feio, invulgar, e tu, tão bela
formamos lindo par por toda a vida
e abraçaremos outras se inda houver.
DEUSA
Era uma deusa humanamente bela,
de olhos molhados a deitarem luz,
sobre perdidos corações sem cores.
Desprendia paixões nos seus encantos.
Da carne, o cheiro, a tepidez, o orvalho
eram pingos da tarde... E a noite vinha.
Mas o brilho dos olhos tão intenso
iluminava todos os caminhos.
E eu disse “tolo”!
à blusa que se abria
à brisa, que assanhava as mentes frias,
cheia da graça dos recantos da alma.
De repente, nas asas dos seus braços
levado vi-me e, pelos céus abertos,
caírem penas pelos meus pecados.
A DESCIDA
Quantos anos que gente sobe a vida
pensando que subiu, cresceu, mudou,
a enganar-se na festa e na bebida,
pra ignorar o mundo – este robô!
Vive-se o tempo.
E as horas consumidas
em vãos gozos e gulas, sem fronteiras,
desconhecem as dores e as mentiras,
e o fumo das batalhas derradeiras.
Ninguém espreita a onda dos mistérios,
da doença e da velhice, e o conteúdo
pra encarar sem
máscara seus impérios.
A lei da morte apaga amor, carinhos,
porque o tempo de Deus ficou desnudo
na cruel desesperança dos caminhos.
A DEUSA NUA
Vi uma deusa solitária e nua,
a correr pelas praias. Seu segredo
era o silêncio. Eu quase senti medo
daquela cor de prata, cor de lua.
Corri para apanhá-la, ainda era cedo!
Com vergonha de mim, vindo da rua
tão faminto e cansado. E ela recua...
“Se deusa for”, gritei, “vou ficar
quedo”.
E ela correu de novo... E, atrás,
perdido,
desesperado, eu, louco e comovido,
queria o mel dos lábios cor de beijos.
Cego e surdo, ante aquela formosura,
seio pulsante, o’ estranha criatura!...
Caí morrendo a morte dos desejos.
A PARTIDA
Na partida os adeuses, gume e corte
dos prazeres do amor, quanto tormento!
Cada qual que demonstre quanto
é forte,
lábios secos mordendo o
sentimento.
Do
ser brotam soluços a toda hora,
as faces no calor do
perdimento,
olhos no chão, no ar, por
dentro e fora,
pedem aos céus a força e o
alimento.
Ninguém vai, ninguém fica.
Oh! se reparte
no transporte que liga e que desliga!
Confusão de saber quem fica ou parte.
Não se explica tamanha
intensidade
Amarga, e doce, e errante,
que interliga
os corações perdidos de
saudade.
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