terça-feira, 24 de maio de 2016

AS GERAÇÕES E A DIALÉTICA DA CULTURA LITERÁRIA


Francisco Miguel de Moura 
– Escritor -

 O pensamento padrão da dialética é de autoria do filósofo Heráclito de Éfeso: “Ninguém pode atravessar duas vezes o mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não encontra às mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”. Os gregos sabiam muito, mas não sabiam tudo. Entrementes, o que é filosofia e ciência, na nossa civilização, iniciou com eles. Começo com a dialética, porque as gerações culturais sugerem dialética, mudança. A gente acha que a literatura, a história, os grupos, a gerações mudam constantemente e rapidamente. Mas me parece que não é bem assim. Bastante acreditado é o pensador alemão, muito atual, de nome Arthur Shopenhauer. Em sua obra “A arte de escrever” ele diz: “A cada 30 anos, desponta no mundo uma nova geração, de pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios, de modo sumário e apressado, depois querem ser mais espertos do que todo o passado”.  Já estava assentado pelos franceses que as gerações teriam 15 anos. Depois outras surgiriam. Mas chegou o sábio alemão que diz que elas ocorrem mais ou menos a cada 30 anos.

Minha geração é de 1966, dos anos 1960, no Brasil e no Piauí. Imediatamente anterior à minha e dos companheiros do CLIP, veio a de Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Fernando Pessoa e outros, falando em poesia e citando os mais evidentes. Trinta anos depois já estávamos em 1996, finalzinho do século XX. E daí? Quem surgiu? O que surgiu? No Piauí, Brasil e no mundo?  Penso em Manoel de Barros, mas ele ficou sozinho. Mais ninguém apareceu. 
É difícil avaliar. Tomando-me como a primeira, a segunda geração começou em 1996 e a terceira geração só chegará em 2026. E o que será?  E como será? Herculano Morais sugeriu o nome de Geração do Milênio (séc. XXI), a partir do ano 2001. Não sei. Tratei disto muito pouco em minha “Literatura do Piauí”, 2ª edição, EDUFPI, 2013. Falei no assunto apenas em duas páginas e encerrei-o com muita cautela. Só sei que é difícil marcar gerações artísticas e culturais. Geração política é mais fácil. E penso que dentro de cada geração, não adianta falar em quem veio primeiro ou depois. A. Tito Filho, bastante conhecedor da cultura do Piauí, certa vez me disse que eu era “o Drummond do Piauí”. Tomei como um elogio, embora não sendo elogio nenhum, visto que as gerações não são apenas dialéticas, não se estabelecem apenas por pregar e fazer dialeticamente o que são diferentes das anteriores. Mesmo porque o conhecimento, a cultura é um todo. E cada artista é um artista único. Comecei o artigo buscando os gregos, depois passei para os alemães e, finalmente chegamos aos brasileiros: eu, tu, ele, nós, vós, eles. Somos um todo, apoiamo-nos em conhecimentos, ao fazer cultura e artes, nas potências anteriores. Ninguém pode, a cada ano, fundar um mundo novo. Não podemos criar mundos novos. Apenas criamos originalmente (ou quase), obras e pensamentos que se ligaram ao passado e se ligarão ao futuro, ou melhor, interligam-se à sociedade.

Dois fatos atuais que se chocam podem esclarecer essa dialética, senão vejamos:

1º) Em prova da verdade, o poeta e advogado Ozildo Batista de Barros mandou-me um e-mail, em 11-5-2016, instruído com documento probatório de que a I SEMANA CULTURAL DE PICOS aconteceu de 9 a 11 de novembro de 1979. O documento é também o programa assinado por Francisco Miguel de Moura, Rubervam du Nascimento e Herculano Moraes, com a ressalva de que logo abaixo cita os nomes de Hardi Filho, Ozildo B. Barros e José Maria Vasconcelos (mas sem assinaturas). Esse requerimento-programa não consta que haja respaldo de órgão público, mas a Secretaria da Cultura, como está dito, franqueava as passagens dos participantes, enquanto a Prefeitura de Picos custearia a estada dos mesmos na cidade.  Em suma solicitávamos palestras sobre autores incluídos no programa de vestibular da Universidade Federal do Piauí, lançamento dos livros “Universo das Águas” e “Vidas em Vitrina”, respectivamente de Francisco Miguel de Moura e Rosângela Santos. Não constava da programação uma palestra do Prof. A. Tito Filho e o lançamento William Palha Dias. Chegaram inesperadamente (pelo menos, para alguns) e só posterior a eles foram lançados os livros programados. Ozildo Batista de Barros conta ainda que ele tem fotos do jantar daquela primeira noite, oferecido pela Prefeitura de Picos, no Mercado (Feira de Picos), onde se consegue ver o poeta Hardi Filho comendo panelada. Depois, a comitiva foi para o pátio do Hotel Savoy, onde passaram noite, acompanhada pelo Prefeito Severo Eulálio e também pelo Prof. A. Tito Filho, Presidente da Academia de Letras do Piauí.

2º) O “Jornal” de Picos”, edição de 10-6-1987, publica matéria com o título I SEMANA CULTURAL DE PICOS (aqui está o erro: no título do jornal, na manchete), no período de 31 de maio a 06 de junho, com várias atividades, promovida totalmente pela Secretaria de Cultura do Piauí, Secretário o poeta Israel Corria. No programa consta palestra de Francisco Miguel de Moura, sobre seu conterrâneo Fontes Ibiapina, que de fato aconteceu, assim como o lançamento de Miguel de Moura (obra: “Eu e meu amigo Charles Brown”). Mas a programação era variada, inclusive em exposições que contaram com a participação de grandes pintores, alguns presentes, como Mundica Fontes, Albano, Naza, José Brito e Tácito Ibiapina, sobrinho do escritor maior da terra, Fontes Ibiapina. Houve visitas à Catedral de N. S. Remédios, apresentação de músicas clássicas, visita ao Museu de Ozildo Albano, palestras sobre o folclore num colégio da rede oficial e, no Cine Spack, apresentação da peça “Itararé, a República dos Desvalidos”, de José Afonso Lima.

Finalmente, consultando o tempo, através das datas, podemos afirmar que a verdade foi posta em letra, para os anais da história, graças ao documento que o poeta Ozildo Batista de Barros guardou e me entregou por cópia, na hora exata. 
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Francisco Miguel de Moura – Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras e da ALERP-Academia de Letras da Região de Picos-PI. E-mail: franciscomigueldemoura@gmail.com

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