Faz algum tempo, cerca de cinco anos, li uma crônica muito bonita, deliciosa, em jornal ou revista, cujo título era “O Pedaço”. Não lembro o nome do autor nem da revista ou jornal, não guardei recorte. Mas hoje quero escrever, com ressonância ainda daquela leitura, esta matéria que, praticamente, muito me interessa. Fui à internete e nada encontrei sobre o assunto. Fui ao Dicionário, o meu Aurélio, 11ª edição, Ed. Civilização, Rio, 1968, e também não, a não ser aquelas velhas definições, inclusive com aquela frase popular engraçada “aquela mulher é um pedaço de mau caminho”, referindo-se alguma mulher bonita e provocante que passe diante de um grupo de homens. Na verdade, o autor da crônica fez uma separação, uma distinção entre “bairro” e “pedaço”, lógico que numa cidade grande, como Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador, ou mesmo Fortaleza. Eu tenho o meu pedaço em Teresina. O bairro de Fátima é onde está o meu endereço, mas o meu pedaço é diferente e só mesmo eu sei delimitar. Por exemplo, o entorno dos supermercados Carvalho (da Avenida Homero Castelo Branco) e o Pão de Açúcar (da Avenida Dom Severino). Aqui eu mando, conheço o nome das ruas e avenidas, as casas comerciais, os prédios e as residências.
Então, valendo-me desses fiapos de lembrança vou tentar registrar aqui “o meu pedaço”, em Picos dos anos 1950-1960. Antes, um postulado: Eu só posso dizer que conheço uma cidade se morei nela. As demais só conheço de vista. Em Picos, cheguei pelo meado de 1954, vinha preparar-me para o Exame de Admissão ao ginásio. Em 1955, fiz a primeira série do Ginásio Estadual Picoense (naquele tempo o nome era este), mas na verdade as mensalidades eram pagas pelos estudantes. Creio que havia algumas bolsas pela prefeitura ou pelo estado, mas não sei, não posso afirmar. Deixei meu emprego em Jenipapeiro, onde ganhava cerca de 1.000$00 reis (um conto de reis) por mês e fui morar em Picos, na casa de seu Abrahão Conrado Costa, na Trav. Abílio Coelho. Dali, seguindo para o Mercado, havia de passar-se ou ver a esquina do Banco do Brasil. O Ginásio Estadual Picoense ficava na Av. Mons. Hipólito, subindo para o leste. Como no Exame de Admissão alcancei o 1º lugar, fiquei estudando de graça, prêmio que a escola dava ao melhor aluno. Era 1956.
Antes de morar em Picos, quantas vezes eu tinha vindo à cidade? Muitas. De Jenipapeiro, já mandava matéria (poesia) para o jornal “A Flâmula”, dirigido por Dr. Ozildo Albano e outros membros do “Grêmio Estudantil Da Costa e Silva”. Havia outro jornal, “A Gazeta”, do Odonel Castro Gonçalves. E toda semana ele passava pela casa de seu Abrahão para solicitar matéria. Estudando à tarde, com a manhã livre, seu Abrahão Conrado arranjou-me um trabalho, no Cartório de Zé Rocha, na verdade já dirigido por sua mulher, Dona Socorro. Toda semana ela recebia a revista “O Cruzeiro”, onde eu me atualizava com as notícias e a literatura brasileira. Continuei estudando sem pagar porque fui o primeiro aluno no primeiro ano e no segundo. O serviço no Cartório era temporário. Quando acabou, já 1955, fui nomeado Escrivão de Polícia, na vaga deixada por Milton Portela Costa, que foi estudar no Rio de Janeiro, conforme seu desejo. Perdia o convívio de um amigo e irmão, em compensação ganhei um emprego, o de Escrivão da Polícia, até então exercido por Milton. Nas férias de dezembro de 1956, fiz o concurso para Auxiliar de Escriturário do Banco do Brasil, cujo emprego assumiria em 02.03.1957.
Daí então minha vida mudou, mas continuei morando na casa de seu Abrahão Conrado, primo de meu pai, onde todos me consideravam da família. Só depois de algum tempo me mudaria para o famoso “Picos Hotel”, o melhor da cidade, bem no canto oeste da Praça Félix Pacheco. A partir daí minha vida mudou, mas não mudou o meu pedaço. Sempre ia à casa de seu Abrahão, na nova “Vila” que havia construído recentemente na Av. Mons. Hipólito, abaixo do Cartório de Zé Rocha. A Agência dos Correios era só dobrar à esquerda rumo leste. Dali, subindo, chegava-se ao largo da Prefeitura e atravessando-o era só seguir a Rua 13 de Maio. Tudo muito perto: casa, trabalho, colégio e lazer – este na Praça Félix Pacheco. O que era à Praça? A juventude passeava ali, nos fins de semana à noite. Os homens, depois da 9 horas da noite, às vezes davam uma voltinha por lugares só freqüentados por homens, os chamados “cabarés”; as mulheres iam pra casa, recolhiam-se. Ao lado da praça tinha tudo: casa de jogos de azar, cinema, bares, sorveteria. Eu parava mais no Bar do Luis Santos, onde a conversa me era gostosa, pois os Santos eram todos meus parentes, descendência de Jenipapeiro. No Mercado eu passava pela bodega de seu Mirô, na loja onde trabalhava meu colega Luiz Pereira e na de seu João de Deus, onde era ponto do Prof. Antônio de Barros Araújo (Pé de Serra). Enfim, do Mercado à Praça Félix Pacheco. Com o fluir do tempo, esse espaço foi se estendendo pela Praça da Prefeitura, descia a Rua do Cantinho, aonde vim a alugar uma casa, depois que sai do hotel. Enfim, este era o meu pedaço. Quero esquadrinhá-lo juntamente com Mécia, que, com pouco tempo, seria minha namorada e depois esposa. Incorporava, portanto, a Rua 13 de Maio, até a Rua do Cantinho – onde já morava um primo casado com uma irmã de Mécia. Termina aqui a delimitação dos lugares principais e mais próximos. A partir daí o roteiro será maior, incluindo as pessoas que por ali moravam e as nossas relações com elas – ou apenas as nossas observações, porque era normal nos vermos todos os dias. Meu interesse é refazer meus oito anos de Picos (1954-1962), pegando assim, grande parte dos chamados “Anos Dourados”.
(Artigo-crônica publicado no jornal "O DIA", Teresina, Piauí, em 16-5-2015)
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* Francisco Miguel de Moura – Escritor, Membro da Academia Piauiense de Letras, Teresina-PI, a Academia de Letras da Região de Picos-PI, entre outras instituições culturais como a IVA (Estados Unidos) e a UBE (São Paulo).
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