Francisco Miguel de Moura*
1. Introdução:
“Mestre não é aquele que só ensina, e sim aquele que de repente... aprende”, disse o sábio psiquiatra Carl Gustav Jung (1875-1961), médico suíço, discípulo de Freud e fundador da psicologia analítica.
Pois bem, ouvindo, lendo e estudando, eu aprendi que pessoa (ou persona) é o ser humano socializado, consciente, embora carregando no fundo de si o indivíduo. Indivíduo – de onde se deriva o individualismo – seria o homem fora da sociedade ou sem a devida sociabilidade. A criatura é por natureza e essência incomunicável, embora sinta o desejo de troca, de comunicação. O homem, no mínimo, é duplo. Daí ser muito difícil, senão impossível, existir uma sociedade composta por indivíduos.
É necessário que o homem se associe a outros homens, através de alguma coisa em comum, pois é aí onde eles se encontram. A natureza é excelência, mas os desejos também são. Daí vêm a organização e a lei para que “não faças aos outros aquilo que não gostaríamos que nos fizessem.”
Depois dessas pequenas explicações, estamos mais ou menos concordes em que o indivíduo não terá vinculo sustentável antes de transformar-se em persona. Estamos falando filosoficamente, porém numa filosofia de base lingüística, o que vem a dar na prática.
A sociedade é muito complexa porque composta de muitas cabeças, muitos indivíduos, e com a complexidade dos meios de comunicação (artificiais) mais difícil ficou. Não há sociedade sem o poder, mesmo que simbolicamente. E enquanto o poder ou o sistema lhe dita regras, como às vezes impõe, ele se encarrega de dar-lhe o correspondente sedativo para que ninguém perceba. É a sociedade moderna, o mundo globalizado, neoliberal de mentirinha. Enquanto você é despersonalizado, vai substituindo seu poder de decisão por prazeres fúteis e enganosos: velocidade, fuga do tempo e de si. E com isto o indivíduo sofre por dois lados: por um, vê, perdidos, os seus traços pessoais de desejos e criatividade; por outro, o poder lhe tira seu individualismo, a fim de que você se entregue à multidão, à massa. Uma espécie de atomização. Foi nisto que se tornou o homem ocidental: atomizado, dividido, despersonalizado. Por quê? No cipoal de coisas e solicitações no fundo iguais, mas com cara de diferenças, o homem nada sabe e volta-se para a religião, buscando o que há de ilusório: um paraíso na terra ou no outro mundo (depois da morte). Vive essa dualidade indivíduo x pessoa, porém de modo artificial: Deus, do que vem a ser a semelhança.
2. Academias, o que são?
Precisei de muitas palavras para definir indivíduo e pessoa, essa dualidade que carregamos durante toda a nossa vida. Entretanto, poucas palavras definiriam o que vem a ser uma Academia e qual o seu papel na sociedade: – As academias são as ONGs das letras e sua função específica é defender o patrimônio lingüístico nacional (no caso nosso, a língua portuguesa e a literatura que essa língua produziu e produz primeiramente no Brasil). Uma Academia é também um clube, um lugar onde nos reunimos para debater, estudar assuntos do interesse comum dos sócios e, assim sendo, um lugar de respeito e sabedoria, onde quem tem presença constante pode mais, visto que tudo é resolvido pela maioria. Não devemos guardar ressentimentos por dissentir alguém de nossa opinião, não devemos nos considerar os “donos da verdade”.
Mas não é só uma definição de poucas palavras que nos levará ao espaço e tempo de seu começo, sua história, sua bonita e longa tradição. Começou na Grécia com o filósofo Platão. A primeira academia, na verdade uma escola de filósofos e cientistas, foi assim chamada por funcionar no Jardim de Academus, pertencente um herói grego do mesmo nome, no tempo de Platão. Não pensem que aqueles sábios ficavam o tempo todo discutindo “o sexo dos anjos”. Faziam altos discursos; estudavam a palavra, a língua, o pensamento; aplicavam-se ao estudo da ciência e da mitologia, em que acreditavam. E tinha que ser assim, pois naquele tempo tão recuado, no ano 385 antes de Cristo, quando Platão instituiu a primeira academia, a filosofia e a ciência, a arte e a religião eram saberes ainda muito ligados.
Também não é por causa da história, cujos fragmentos são encontrados em quase todas as enciclopédias. Há mais dificuldade em fazer com que o povo entenda o papel das Academias, no passado e hoje. Perguntam sempre o que é que as Academias fazem. Ora, elas se reúnem, falam e fazer discursos, conferências e palestras, às vezes recitais de poemas, outras vezes publicam livros (com subsídios vindos de outras entidades, especialmente dos Governos). Os acadêmicos fazem o que os políticos fazem, só que, na maioria das vezes, sem jetons, sem salários ou outras vantagens monetárias e sem pensar no poder político. Ao contrário, nas Academias tudo deve ser em favor da literatura e da língua: a ABL, APL, as dos demais Estados e as regionais, em favor também da língua portuguesa e da literatura mas sempre levando em conta a sua regionalidade, suas pequenas diferenças locais, tendo em vista que é também do seu dever dar atenção a suas manifestações culturais, folclóricas, etc. que naturalmente se estende pela linguagem. No fundo, no fundo, quem pertence a uma academia tem o dever de escrever certo e não permitir o erro lingüístico, não apenas ortográfico. Toda a gramática, todas as boas normas da língua devem ser cultivadas. Falamos em regionalidade, sim, pois como seria possível estudar a literatura piauiense, sem Fontes Ibiapina, seu teatro folclórico, suas cantigas de roda, seu adágios, provérbios, etc. apanhados na cultura popular? Fontes Ibiapina é o maior romancista e contista picoense, seu nome se estendeu ao nacional, recebeu prêmios por entidades de São Paulo e teve livros publicados lá. A ALERP tem que reservar um lugar de honra em sua memória e promover o estudo de suas obras.
Que seria do estudo da literatura brasileira sem Machado de Assis? E é ele o maior conhecedor da cidade do Rio de Janeiro do Segundo Império, descreve as ruas, as cenas, as famílias e os escravos de modo todo especial. A ABL é a “Casa de Machado de Assis”, a APL é a “Casa de Lucídio Freitas”. Lucídio Freitas era, no seu tempo, o maior poeta de Teresina, depois vieram H. Dobal, Torquato Neto, e hoje uma carrada de poetas novos cantam o Piauí e sua Capital, nenhum destes superando o poeta Da Costa e Silva, o príncipe dos Poetas Piauienses.
Partindo, agora, para coisas mais objetivas, nós nos perguntamos: O que faz com que o acadêmico seja tão distinguido, tão valorizado na sociedade, não obstante os novos atiraram pedras na instituição acadêmica? Primeiramente, à semelhança da Academia Francesa, todas elas constam nos estatutos as principais finalidades já apontadas acima: a) cultuar a língua respectiva; b) propagar a literatura respectiva, da mesma forma. São instituições de elite, não mais do que 40 lugares, sócios vitalícios, mas não hereditários; somente com a morte do acadêmico, sua vaga será preenchida, por eleição dos pares, com toda aquela solenidade conhecida e vestes distintas. Isto aí é a tradição. As academias só se renovam pelas administrações da diretoria e pela entrada dos sócios recentes. Mas não costumamos festejar a morte, preferimos o centenário de nascimento, o centenário da obra mais importante de cada um, ou outras datas marcantes. Porque só existem, em determinado momento, 40 acadêmicos. A seleção para entrar para instituição, deve ser e é rigorosa, só entram escritores (poetas, contistas, romancistas, historiadores, etc.), cientistas e personalidades. Nesta última classe, que deve ser bem reduzida no quadro de cada Academia, contam-se aqueles que trabalharam pela cultura do país, estado ou município; algum político aí entrará inevitavelmente; e, ainda podem ser classificados como tal um ou outro artista de grande destaque: pintor, teatrólogo, músico, arquiteto, etc.
Assim, para as Academias entram as pessoas mais importantes, na sua especialidade. Por exemplo, qual o político mais importante do Piauí, que trabalhou enormemente pela cultura, criando o chamado Plano Editorial do Estado, a Secretaria de Educação, cuja entidade foi sepultada algum tempo depois por políticos sem nenhuma sensibilidade para a cultura, as letras e as artes? Alberto Silva. Foi eleito para a APL. Com sua morte recente, a vaga está aberta.
Mas, um pouco mais de história seria importante. Voltamos à França. A Academia Francesa, padrão para as demais entidades acadêmicas do classicismo e da modernidade, foi fundada em 1626 pelo Cardeal de Richilieu, o homem forte do rei Luis XIII. Durante a Revolução Francesa, em 1793, ela foi fechada, só reaberta por Napoleão, em 1803. É a mais antiga das 5 instituições que compõem o Instituto de França.
3. O que outros disseram
Neste ponto, passo a palavra ao escritor e membro da Academia Mineira de Letras, José Afrânio Moreira Duarte, falecido recentemente, para mais informações sobre as academias, em cujo assunto tinha bastante conhecimento:
“Há numerosas academias, em muitos países, principalmente na Itália e nos Estados Unidos da América do Norte. Neste último, quase todas são Academias de Ciências, Letras e Artes, não cuidando apenas de literatura. Como na França, a principal entidade do gênero não se chama Academia Francesa de Letras, mas apenas Academia Francesa, e podem integrá-la intelectuais não escritores, embora os literatos predominem.
Uma outra particularidade da Academia Francesa é que não se exige a nacionalidade francesa para o ingresso de um acadêmico, basta que ele escreva suas obras em francês. Marguerite Youcenar, a célebre autora das obras primas “Memórias de Adriano” e “A Obra em Negro”, entre diversos outros livros era belga naturalizada norte-americana. Foi a primeira e até hoje a única mulher a ingressar na Academia Francesa.
Outra academia de grande repercussão internacional é a Academia Sueca, pois ela é que concede, entre outros, o Prêmio Nobel de Literatura, o mais importante do mundo no gênero.
No Brasil, a entidade mais notável, literariamente falando, é a Academia Brasileira de Letras, fundada por um grupo de escritores liderado por Lúcio de Mendonça, em 15/12/1896. Machado de Assis, o maior escritor brasileiro de todos os tempos, foi unanimemente aclamado presidente. Embora fundada em 1896, a sessão inaugural da ABL só ocorreu em 20/7/1897”.
Voltando ao principal objetivo desta minha fala, transcrevo a parte final de um artigo (publicado no “Jornal da ANE”, Brasília, Jun/2009) assinado pelo poeta e crítico literário Anderson Braga Horta, um dos 4 ou 5 melhores escritores do Brasil atualmente, quando fala no significado das Academias de Letras no Século XXI:
“A academia não é, por definição, nem deve ser mesmo, sistematicamente contrária ao novo. Nem é atribuição sua defender indiscriminadamente, isto é, sem critérios valorativos, tudo o que se abrigue sob o rótulo de tradição. Compete-lhe, isto sim, preservar das razias de vândalos e, já hoje, de pseudo-vanguardas irresponsáveis a integridade lingüística e o patrimônio literário nacionais”.
Sem querer me considerar mestre, pois de repente somos todos nós também discípulos, torno minhas as palavras iniciais de Jung e acrescento as de Arthur Schopenhauer, a seguir:
“A primeira regra do bom estilo, uma regra que praticamente se basta sozinha, é que se tenha algo a dizer. Ah, sim, com isto se chega longe!
Mas a negligência com relação a essa regra é um traço característico e fundamental dos filósofos e, em geral, de todos os escritores teóricos na Alemanha. (...) Em tudo o que eles escrevem, percebe-se que pretendem parecer que têm algo a dizer, quando não têm coisa alguma.
E concluo o pensamento contundente do filósofo Arthur Schopenhauer (1788-1860) sobre os maus escritores de sua época, na Alemanha, depoimento que é valido para os inteletuais de todas as épocas e assim para os escritores e acadêmicos de ontem e de hoje.
Essa maneira de escrever, introduzida pelos pseudos-filósofos das universidades (...) é a mãe tanto do estilo forçado, vago, ambíguo e mesmo plurívoco, quanto do estilo prolixo, pesado e da torrente inútil de palavras.
4. O que digo, para terminar
A literatura, as artes, as letras, a língua são objetivos comuns aos acadêmicos, onde podemos ser persona (pessoa) e indivíduo ao mesmo tempo, com aquele respeito e educação que todo intelectual deve ter. Nosso encontro de seres duais como falei na introdução. Quem não observa esses princípios não será nunca um bom acadêmico. Pode-se fazer muito sendo correto, ético e educado. Academia é lugar de encontro, estudo, realização de palestras e conferências, votação do que é importante para entidde e também socialmente. Não é lugar próprio para discutir-se “o sexo dos anjos”, como nos acusam “os não-acadêmicos”. Os acadêmicos da APL visitam colégios e recebem turmas de universidades e de cidades do interior para falar sobre literatura e, naturalmente, sobre o que é a Academia.
Temos certeza que, para os piauienses, a Academia Piauiense de Letras é entidade necessária, significativa, a mais antiga instituição de cultura do Estado em funcionamento (90 anos, sem interrupção) desde que foi criada, e padrão para as regionais. Foi fundada, em 30 de dezembro de 1917, por um grupo de intelectuais liderado por Clodoaldo Freitas, a exemplo de outros Estados como Pará, Maranhão, Ceará, São Paulo e Minas Gerais (esta em 1909). Mas somente em 24 de janeiro de 1918, assumiu a primeira Diretoria composta pelos escritores Clodoaldo Freitas – Presidente; João Pinheiro – Secretário Geral; Fenelon Castelo Branco – 1º Secretário; Jônathas Batista – 2° Secretário; Antônio Chaves – Tesoureiro; e Edison Cunha - Bibliotecário.
Nunca defendi academias municipais. Porém as regionais como a ALERP – Academia de Letras da Região de Picos, são outra coisa. Reconheço que as cidades pólo como Picos têm essa função de agrupar, reunir e estudar também a cultura intelectual da região. Se voltarmos à Grécia, veremos que as cidades pólos é que conduziam a cultura, basta lembrar Esparta e Atenas. Por outro lado, a entidade pública mais antiga no Brasil não é o Estado nem a Província, mas o município. Daí não sei por que não respeitar e ajudar o soerguimento daqueles que lideram dentro do Estado. A região de Picos já deu tantos escritores e homens de espírito intelectual que seria um desperdício nomeá-los visto que há sempre o perigo de esquecer um ou outro. Mas, entre os falecidos que me vêem a lembrança, estão Fontes Ibiapina, Lourenço Campos e Miguel Borges de Moura. Picos também é um celeiro de músicos, cantores, pintores, teatrólogos, poetas, cronistas e contistas, residentes aqui ou noutras partes do Brasil.
A Academia da Região de Picos foi fundada em 22 de outubro de 1989, com o apoio e orientação dos escritores Francisco Miguel de Moura, Hardi Filho, Rubervam du Nascimento, vindos de Teresina, e Mundica Fontes, Heraldo Santos, Ozildo Barros e outros escritores da região, liderados por Rosa Luz, que foi aclamada presidente da entidade até que houvesse a primeira eleição. Tem sede própria, faz reuniões mensais, publica livros, revistas e jornais, apóia grupos jovens de teatro e poesia, faz seminários de literatura anualmente, sendo portando a entidade que representa a cultura da região, incontestavelmente, assim como a Academia Piauiense de Letras representa o Estado. Atualmente dirigida por Francisco das Chagas Sousa – Presidente; José Evilásio de Moura – Vice-presidente; Francelina Macedo de Holanda Ribeiro e Antônio Gomes de Sousa – 1º e 2º Secretários; Inácio Baldoíno de Barros e Fátima Soares Miranda – 1º e 2º Tesoureiros.
Eu me orgulho de pertencer ao quadro de sócios da Casa de Lucídio Freitas. Também me orgulha ser membro da ALERP, principalmente por ter como patrono Miguel Borges de Moura (Guarani), meu pai. E não me assusta nada que os novos (ou que assim se consideram) falem mal das Academias. O saudoso A. Tito Filho, inteligência brilhante, que presidiu a APL por cerca de 20 anos, com sabedoria e amor, dizia e proclamava que até os 30/40 anos, os jovens (ou que assim se julgam) são os mais ferozes críticos da entidade, alguns até debocham. Mas esses mesmos jovens, quando chegam aos 50 e daí por diante namoram a Academia e se decepcionam se não conseguem entrar.
De minha parte, com experiência que temos da APL, acho que nossa Academia é bem representativa da cultura do Piauí, devendo-se o fato a que há bastante critério e seriedade no preenchimento das vagas. Disse noutro lugar e repito agora: os melhores escritores vivos do Piauí estão na APL embora que nem todos consigam entrar. Não é possível, são apenas 40 vagas. E essas vagas são muito desejadas por isto, por sua raridade, haja vista a ebulição do que ocorre quando da morte de um de nós.
Como não posso nem devo dizer tudo sobre Academias de Letras, aqui encerro com o meu muito obrigado pela paciência de me ouvirem.
Auditório da Academia de Letras da Região
de Picos - ALERP, em 24 -10- 2009 - às 14 horas.
___________
Observações: A palestrou foi encerrada com um vídeo mostrando as principais tomadas fotográficas (e parte dos discursos) da posse de Francisco Miguel de Moura, na Academia Piauiense de Letras, em 30 de outubro de 1990.
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*Francisco Miguel de Moura, escritor, membro da APL
e da ALERP, mora em Teresina – PI.
Mail: franciscomigueldemoura@gmail.com.br
“Mestre não é aquele que só ensina, e sim aquele que de repente... aprende”, disse o sábio psiquiatra Carl Gustav Jung (1875-1961), médico suíço, discípulo de Freud e fundador da psicologia analítica.
Pois bem, ouvindo, lendo e estudando, eu aprendi que pessoa (ou persona) é o ser humano socializado, consciente, embora carregando no fundo de si o indivíduo. Indivíduo – de onde se deriva o individualismo – seria o homem fora da sociedade ou sem a devida sociabilidade. A criatura é por natureza e essência incomunicável, embora sinta o desejo de troca, de comunicação. O homem, no mínimo, é duplo. Daí ser muito difícil, senão impossível, existir uma sociedade composta por indivíduos.
É necessário que o homem se associe a outros homens, através de alguma coisa em comum, pois é aí onde eles se encontram. A natureza é excelência, mas os desejos também são. Daí vêm a organização e a lei para que “não faças aos outros aquilo que não gostaríamos que nos fizessem.”
Depois dessas pequenas explicações, estamos mais ou menos concordes em que o indivíduo não terá vinculo sustentável antes de transformar-se em persona. Estamos falando filosoficamente, porém numa filosofia de base lingüística, o que vem a dar na prática.
A sociedade é muito complexa porque composta de muitas cabeças, muitos indivíduos, e com a complexidade dos meios de comunicação (artificiais) mais difícil ficou. Não há sociedade sem o poder, mesmo que simbolicamente. E enquanto o poder ou o sistema lhe dita regras, como às vezes impõe, ele se encarrega de dar-lhe o correspondente sedativo para que ninguém perceba. É a sociedade moderna, o mundo globalizado, neoliberal de mentirinha. Enquanto você é despersonalizado, vai substituindo seu poder de decisão por prazeres fúteis e enganosos: velocidade, fuga do tempo e de si. E com isto o indivíduo sofre por dois lados: por um, vê, perdidos, os seus traços pessoais de desejos e criatividade; por outro, o poder lhe tira seu individualismo, a fim de que você se entregue à multidão, à massa. Uma espécie de atomização. Foi nisto que se tornou o homem ocidental: atomizado, dividido, despersonalizado. Por quê? No cipoal de coisas e solicitações no fundo iguais, mas com cara de diferenças, o homem nada sabe e volta-se para a religião, buscando o que há de ilusório: um paraíso na terra ou no outro mundo (depois da morte). Vive essa dualidade indivíduo x pessoa, porém de modo artificial: Deus, do que vem a ser a semelhança.
2. Academias, o que são?
Precisei de muitas palavras para definir indivíduo e pessoa, essa dualidade que carregamos durante toda a nossa vida. Entretanto, poucas palavras definiriam o que vem a ser uma Academia e qual o seu papel na sociedade: – As academias são as ONGs das letras e sua função específica é defender o patrimônio lingüístico nacional (no caso nosso, a língua portuguesa e a literatura que essa língua produziu e produz primeiramente no Brasil). Uma Academia é também um clube, um lugar onde nos reunimos para debater, estudar assuntos do interesse comum dos sócios e, assim sendo, um lugar de respeito e sabedoria, onde quem tem presença constante pode mais, visto que tudo é resolvido pela maioria. Não devemos guardar ressentimentos por dissentir alguém de nossa opinião, não devemos nos considerar os “donos da verdade”.
Mas não é só uma definição de poucas palavras que nos levará ao espaço e tempo de seu começo, sua história, sua bonita e longa tradição. Começou na Grécia com o filósofo Platão. A primeira academia, na verdade uma escola de filósofos e cientistas, foi assim chamada por funcionar no Jardim de Academus, pertencente um herói grego do mesmo nome, no tempo de Platão. Não pensem que aqueles sábios ficavam o tempo todo discutindo “o sexo dos anjos”. Faziam altos discursos; estudavam a palavra, a língua, o pensamento; aplicavam-se ao estudo da ciência e da mitologia, em que acreditavam. E tinha que ser assim, pois naquele tempo tão recuado, no ano 385 antes de Cristo, quando Platão instituiu a primeira academia, a filosofia e a ciência, a arte e a religião eram saberes ainda muito ligados.
Também não é por causa da história, cujos fragmentos são encontrados em quase todas as enciclopédias. Há mais dificuldade em fazer com que o povo entenda o papel das Academias, no passado e hoje. Perguntam sempre o que é que as Academias fazem. Ora, elas se reúnem, falam e fazer discursos, conferências e palestras, às vezes recitais de poemas, outras vezes publicam livros (com subsídios vindos de outras entidades, especialmente dos Governos). Os acadêmicos fazem o que os políticos fazem, só que, na maioria das vezes, sem jetons, sem salários ou outras vantagens monetárias e sem pensar no poder político. Ao contrário, nas Academias tudo deve ser em favor da literatura e da língua: a ABL, APL, as dos demais Estados e as regionais, em favor também da língua portuguesa e da literatura mas sempre levando em conta a sua regionalidade, suas pequenas diferenças locais, tendo em vista que é também do seu dever dar atenção a suas manifestações culturais, folclóricas, etc. que naturalmente se estende pela linguagem. No fundo, no fundo, quem pertence a uma academia tem o dever de escrever certo e não permitir o erro lingüístico, não apenas ortográfico. Toda a gramática, todas as boas normas da língua devem ser cultivadas. Falamos em regionalidade, sim, pois como seria possível estudar a literatura piauiense, sem Fontes Ibiapina, seu teatro folclórico, suas cantigas de roda, seu adágios, provérbios, etc. apanhados na cultura popular? Fontes Ibiapina é o maior romancista e contista picoense, seu nome se estendeu ao nacional, recebeu prêmios por entidades de São Paulo e teve livros publicados lá. A ALERP tem que reservar um lugar de honra em sua memória e promover o estudo de suas obras.
Que seria do estudo da literatura brasileira sem Machado de Assis? E é ele o maior conhecedor da cidade do Rio de Janeiro do Segundo Império, descreve as ruas, as cenas, as famílias e os escravos de modo todo especial. A ABL é a “Casa de Machado de Assis”, a APL é a “Casa de Lucídio Freitas”. Lucídio Freitas era, no seu tempo, o maior poeta de Teresina, depois vieram H. Dobal, Torquato Neto, e hoje uma carrada de poetas novos cantam o Piauí e sua Capital, nenhum destes superando o poeta Da Costa e Silva, o príncipe dos Poetas Piauienses.
Partindo, agora, para coisas mais objetivas, nós nos perguntamos: O que faz com que o acadêmico seja tão distinguido, tão valorizado na sociedade, não obstante os novos atiraram pedras na instituição acadêmica? Primeiramente, à semelhança da Academia Francesa, todas elas constam nos estatutos as principais finalidades já apontadas acima: a) cultuar a língua respectiva; b) propagar a literatura respectiva, da mesma forma. São instituições de elite, não mais do que 40 lugares, sócios vitalícios, mas não hereditários; somente com a morte do acadêmico, sua vaga será preenchida, por eleição dos pares, com toda aquela solenidade conhecida e vestes distintas. Isto aí é a tradição. As academias só se renovam pelas administrações da diretoria e pela entrada dos sócios recentes. Mas não costumamos festejar a morte, preferimos o centenário de nascimento, o centenário da obra mais importante de cada um, ou outras datas marcantes. Porque só existem, em determinado momento, 40 acadêmicos. A seleção para entrar para instituição, deve ser e é rigorosa, só entram escritores (poetas, contistas, romancistas, historiadores, etc.), cientistas e personalidades. Nesta última classe, que deve ser bem reduzida no quadro de cada Academia, contam-se aqueles que trabalharam pela cultura do país, estado ou município; algum político aí entrará inevitavelmente; e, ainda podem ser classificados como tal um ou outro artista de grande destaque: pintor, teatrólogo, músico, arquiteto, etc.
Assim, para as Academias entram as pessoas mais importantes, na sua especialidade. Por exemplo, qual o político mais importante do Piauí, que trabalhou enormemente pela cultura, criando o chamado Plano Editorial do Estado, a Secretaria de Educação, cuja entidade foi sepultada algum tempo depois por políticos sem nenhuma sensibilidade para a cultura, as letras e as artes? Alberto Silva. Foi eleito para a APL. Com sua morte recente, a vaga está aberta.
Mas, um pouco mais de história seria importante. Voltamos à França. A Academia Francesa, padrão para as demais entidades acadêmicas do classicismo e da modernidade, foi fundada em 1626 pelo Cardeal de Richilieu, o homem forte do rei Luis XIII. Durante a Revolução Francesa, em 1793, ela foi fechada, só reaberta por Napoleão, em 1803. É a mais antiga das 5 instituições que compõem o Instituto de França.
3. O que outros disseram
Neste ponto, passo a palavra ao escritor e membro da Academia Mineira de Letras, José Afrânio Moreira Duarte, falecido recentemente, para mais informações sobre as academias, em cujo assunto tinha bastante conhecimento:
“Há numerosas academias, em muitos países, principalmente na Itália e nos Estados Unidos da América do Norte. Neste último, quase todas são Academias de Ciências, Letras e Artes, não cuidando apenas de literatura. Como na França, a principal entidade do gênero não se chama Academia Francesa de Letras, mas apenas Academia Francesa, e podem integrá-la intelectuais não escritores, embora os literatos predominem.
Uma outra particularidade da Academia Francesa é que não se exige a nacionalidade francesa para o ingresso de um acadêmico, basta que ele escreva suas obras em francês. Marguerite Youcenar, a célebre autora das obras primas “Memórias de Adriano” e “A Obra em Negro”, entre diversos outros livros era belga naturalizada norte-americana. Foi a primeira e até hoje a única mulher a ingressar na Academia Francesa.
Outra academia de grande repercussão internacional é a Academia Sueca, pois ela é que concede, entre outros, o Prêmio Nobel de Literatura, o mais importante do mundo no gênero.
No Brasil, a entidade mais notável, literariamente falando, é a Academia Brasileira de Letras, fundada por um grupo de escritores liderado por Lúcio de Mendonça, em 15/12/1896. Machado de Assis, o maior escritor brasileiro de todos os tempos, foi unanimemente aclamado presidente. Embora fundada em 1896, a sessão inaugural da ABL só ocorreu em 20/7/1897”.
Voltando ao principal objetivo desta minha fala, transcrevo a parte final de um artigo (publicado no “Jornal da ANE”, Brasília, Jun/2009) assinado pelo poeta e crítico literário Anderson Braga Horta, um dos 4 ou 5 melhores escritores do Brasil atualmente, quando fala no significado das Academias de Letras no Século XXI:
“A academia não é, por definição, nem deve ser mesmo, sistematicamente contrária ao novo. Nem é atribuição sua defender indiscriminadamente, isto é, sem critérios valorativos, tudo o que se abrigue sob o rótulo de tradição. Compete-lhe, isto sim, preservar das razias de vândalos e, já hoje, de pseudo-vanguardas irresponsáveis a integridade lingüística e o patrimônio literário nacionais”.
Sem querer me considerar mestre, pois de repente somos todos nós também discípulos, torno minhas as palavras iniciais de Jung e acrescento as de Arthur Schopenhauer, a seguir:
“A primeira regra do bom estilo, uma regra que praticamente se basta sozinha, é que se tenha algo a dizer. Ah, sim, com isto se chega longe!
Mas a negligência com relação a essa regra é um traço característico e fundamental dos filósofos e, em geral, de todos os escritores teóricos na Alemanha. (...) Em tudo o que eles escrevem, percebe-se que pretendem parecer que têm algo a dizer, quando não têm coisa alguma.
E concluo o pensamento contundente do filósofo Arthur Schopenhauer (1788-1860) sobre os maus escritores de sua época, na Alemanha, depoimento que é valido para os inteletuais de todas as épocas e assim para os escritores e acadêmicos de ontem e de hoje.
Essa maneira de escrever, introduzida pelos pseudos-filósofos das universidades (...) é a mãe tanto do estilo forçado, vago, ambíguo e mesmo plurívoco, quanto do estilo prolixo, pesado e da torrente inútil de palavras.
4. O que digo, para terminar
A literatura, as artes, as letras, a língua são objetivos comuns aos acadêmicos, onde podemos ser persona (pessoa) e indivíduo ao mesmo tempo, com aquele respeito e educação que todo intelectual deve ter. Nosso encontro de seres duais como falei na introdução. Quem não observa esses princípios não será nunca um bom acadêmico. Pode-se fazer muito sendo correto, ético e educado. Academia é lugar de encontro, estudo, realização de palestras e conferências, votação do que é importante para entidde e também socialmente. Não é lugar próprio para discutir-se “o sexo dos anjos”, como nos acusam “os não-acadêmicos”. Os acadêmicos da APL visitam colégios e recebem turmas de universidades e de cidades do interior para falar sobre literatura e, naturalmente, sobre o que é a Academia.
Temos certeza que, para os piauienses, a Academia Piauiense de Letras é entidade necessária, significativa, a mais antiga instituição de cultura do Estado em funcionamento (90 anos, sem interrupção) desde que foi criada, e padrão para as regionais. Foi fundada, em 30 de dezembro de 1917, por um grupo de intelectuais liderado por Clodoaldo Freitas, a exemplo de outros Estados como Pará, Maranhão, Ceará, São Paulo e Minas Gerais (esta em 1909). Mas somente em 24 de janeiro de 1918, assumiu a primeira Diretoria composta pelos escritores Clodoaldo Freitas – Presidente; João Pinheiro – Secretário Geral; Fenelon Castelo Branco – 1º Secretário; Jônathas Batista – 2° Secretário; Antônio Chaves – Tesoureiro; e Edison Cunha - Bibliotecário.
Nunca defendi academias municipais. Porém as regionais como a ALERP – Academia de Letras da Região de Picos, são outra coisa. Reconheço que as cidades pólo como Picos têm essa função de agrupar, reunir e estudar também a cultura intelectual da região. Se voltarmos à Grécia, veremos que as cidades pólos é que conduziam a cultura, basta lembrar Esparta e Atenas. Por outro lado, a entidade pública mais antiga no Brasil não é o Estado nem a Província, mas o município. Daí não sei por que não respeitar e ajudar o soerguimento daqueles que lideram dentro do Estado. A região de Picos já deu tantos escritores e homens de espírito intelectual que seria um desperdício nomeá-los visto que há sempre o perigo de esquecer um ou outro. Mas, entre os falecidos que me vêem a lembrança, estão Fontes Ibiapina, Lourenço Campos e Miguel Borges de Moura. Picos também é um celeiro de músicos, cantores, pintores, teatrólogos, poetas, cronistas e contistas, residentes aqui ou noutras partes do Brasil.
A Academia da Região de Picos foi fundada em 22 de outubro de 1989, com o apoio e orientação dos escritores Francisco Miguel de Moura, Hardi Filho, Rubervam du Nascimento, vindos de Teresina, e Mundica Fontes, Heraldo Santos, Ozildo Barros e outros escritores da região, liderados por Rosa Luz, que foi aclamada presidente da entidade até que houvesse a primeira eleição. Tem sede própria, faz reuniões mensais, publica livros, revistas e jornais, apóia grupos jovens de teatro e poesia, faz seminários de literatura anualmente, sendo portando a entidade que representa a cultura da região, incontestavelmente, assim como a Academia Piauiense de Letras representa o Estado. Atualmente dirigida por Francisco das Chagas Sousa – Presidente; José Evilásio de Moura – Vice-presidente; Francelina Macedo de Holanda Ribeiro e Antônio Gomes de Sousa – 1º e 2º Secretários; Inácio Baldoíno de Barros e Fátima Soares Miranda – 1º e 2º Tesoureiros.
Eu me orgulho de pertencer ao quadro de sócios da Casa de Lucídio Freitas. Também me orgulha ser membro da ALERP, principalmente por ter como patrono Miguel Borges de Moura (Guarani), meu pai. E não me assusta nada que os novos (ou que assim se consideram) falem mal das Academias. O saudoso A. Tito Filho, inteligência brilhante, que presidiu a APL por cerca de 20 anos, com sabedoria e amor, dizia e proclamava que até os 30/40 anos, os jovens (ou que assim se julgam) são os mais ferozes críticos da entidade, alguns até debocham. Mas esses mesmos jovens, quando chegam aos 50 e daí por diante namoram a Academia e se decepcionam se não conseguem entrar.
De minha parte, com experiência que temos da APL, acho que nossa Academia é bem representativa da cultura do Piauí, devendo-se o fato a que há bastante critério e seriedade no preenchimento das vagas. Disse noutro lugar e repito agora: os melhores escritores vivos do Piauí estão na APL embora que nem todos consigam entrar. Não é possível, são apenas 40 vagas. E essas vagas são muito desejadas por isto, por sua raridade, haja vista a ebulição do que ocorre quando da morte de um de nós.
Como não posso nem devo dizer tudo sobre Academias de Letras, aqui encerro com o meu muito obrigado pela paciência de me ouvirem.
Auditório da Academia de Letras da Região
de Picos - ALERP, em 24 -10- 2009 - às 14 horas.
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Observações: A palestrou foi encerrada com um vídeo mostrando as principais tomadas fotográficas (e parte dos discursos) da posse de Francisco Miguel de Moura, na Academia Piauiense de Letras, em 30 de outubro de 1990.
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*Francisco Miguel de Moura, escritor, membro da APL
e da ALERP, mora em Teresina – PI.
Mail: franciscomigueldemoura@gmail.com.br
Um comentário:
Li o discurso, gostei e vou recomendar a outros acadêmicos sua leitura.
Lúcio Albuquerque
Presidente da Academia de Letras de Rondônia
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