quarta-feira, 14 de outubro de 2009

SOBRE PROSOPAGNOSIA


Entrevista:
FRANCISCO MIGUEL DE MOURA
Entrevistadoras: Alunas do Curso de Psicologia - Unicastelo - Centro de Formação de Psicólogos.

Questionário:


1- Discorra um pouco sobre o período de sua gestação, como se deu o parto, se teve algum tipo de intercorrência, se ficou internado.

É difícil dizer muita coisa sobre minha gestação e o parto de minha mãe, porque as informações que chegaram a mim foram muito poucas e algumas naturalmente já foram esquecidas. Mas, para a pesquisa em questão, creio valioso informar que sou o primeiro filho do casal. Nasci no lugar “Curral Novo” do hoje município de Francisco Santos (região de Picos – Piauí), lugar muito seco, onde se bebia água de cacimba cavada no leito do rio seco. Durante a gravidez de minha mãe, que se alimentava de massa de macambira (não sei o nome científico) – uma planta espinhenta, que serve de comida para o gado, nas épocas secas. Obviamente meu pai se alimentava da mesma massa. Havia carne, mas cereais não. Por isto a apelação a uma massa muito amargosa, para comer com a carne de porco, galinha ou mesmo de vaca. Toda a literatura sabe da seca de 1932 e suas conseqüências: fui gerado nela. Nasci sem médico, fui assistido por uma parteira da família, acredito que tenha sido de um parto normal. Depois, sim, fui uma criança, magra, doentia, talvez por falta de leite – somente conheci o materno durante seis meses, pois minha mãe logo engravidou e a fonte secou.

2- Discorra sobre o seu desenvolvimento neuropsicomotor, (fala, marcha, etc).

Como diz o ditado popular aqui “nasci de tempo e mamei de jeito”. Tudo o que sei é que minha mãe notou que eu tinha pé meio torto e fez promessas com São Francisco, culminando na volta ao normal. De forma que caminhei no tempo certo e falei também no tempo certo. Nunca tive doença de olho. As doenças que me atacam eram comuns: gripe, disenteria, etc.

3- Durante a sua Infância e Adolescência, você teve algum tipo de dificuldade devido à prosopagnosia? (por favor, considere aspectos, emocionais, sociais, convívio familiar, desenvolvimento escolar e infantil, entre outros). Em caso afirmativo, como estas foram resolvidas ou enfrentadas?

Toda dificuldade em minha infância e adolescência é que eu era considerado um menino feio – e sou feio mesmo - mas naturalmente que, naquele tempo, eu não aceitava isto. E uma das formas que encontrava para evitar o problema “dizerem que eu era feio”, constantemente, principalmente uma tia rica, de nome Tia Rosa, era esquecê-la, esquecer tudo a respeito disto. Daí, penso que talvez isto tenha me causado trauma. Porém, já na adolescência, ouvia minha mãe queixar-se de que não lembrava das feições das pessoas e ficava meio atarantada e triste. Ela dizia assim: “Eu não tenho bom conhecimento”. Lembrava do nome, da família e de outros elementos, menos das feições (o rosto). Minha mãe, por outro lado, era órfã de pai e mãe e teve muitos traumas na sua infância. Daí porque penso que minha mãe tinha essa dificuldade mental que há pouco foi batizada de prosopagnosia. Não sei se outras pessoas de sua família tinham isto.

4- De uma forma geral como ocorreram suas relações familiares e afetivas?

De modo geral, posso dizer que foram boas. Meu pai viajava sempre, mas minha mãe nos dava toda a assistência possível. Meus tios e primos também me queriam muito. Do lado de meu pai me chamavam Chico de Miguel; do lado minha mãe, chamavam-me de Chico de Zefa. Carinhosamente, em casa, eu era Chiquinho. A exceção era tia Rosa, que me critica tanto pela feiúra como porque eu comia muito: era uma criança faminta e, sendo ela mais abastada, minha mãe freqüentava muito sua casa, onde se almoçava ou jantava e às vezes dormia.

5- Conte como e quando você descobriu que era portador de prosopagnosia? Qual foi sua reação? E se mudou algo na sua vida?

Minha vida não mudou muito, pois a consciência de tal problema veio durante a minha vida de bancário do Banco do Brasil, com cerca de 40 anos. Mas sempre trabalhei em setores que isto não era uma constante, e quando necessitava pedia ajuda a um colega. Que eu sou portador de prosopagnosia, vim a descobrir depois que a revista “Veja” lançou uma nota, depois uma reportagem sobre o assunto – cotejando os sintomas. Depois o “Jornal do Brasil” e a revista “Época” também escreveram sobre o assunto. A esta última dei uma entrevista, mas a repórter deturpou um pouco minhas palavras, aumentando que eu não conhecia nem meus próprios pais. Que eu tinha a deficiência de não gravar fisionomias, rostos humanos, eu sabia e declarei. Que era uma doença e se tinha tratamento, eu nunca soube. Mesmo porque a revista “Veja” falava apenas em deficiência localizada da memória, que não chegava a ser uma doença. E que cerca de 2% da população do mundo sofriam do problema e sequer sabiam. Eu não sabia se tinha nome, nem o que haviam descoberto a respeito. Tinha vergonha quando encontrava uma pessoa de minhas relações, depois de algum tempo que a tivesse visto, e não lembrava nada dela, olhando-a no rosto. Depois, vim a perceber que gravava muito bem a voz, a fala, e me tranquilizei porque isto diminuía o problema em 50%, segundo minha própria avaliação.

6- A prosopagnosia interferiu no seu convívio social? (considere aspectos interativos, emocionais, dificuldades, estratégias, etc.). Se positivo, comente tais dificuldades.

Claro, mas depois eu pensava comigo mesmo: “minha mãe era assim?...” Então, viverei normalmente, superarei essa dificuldade (e até hoje procuro superá-la). Nos lançamentos de meus livros – que já foram trinta (entre poesias, contos, crônicas, romances e crítica literária), no princípio ficava encabulado, mas não tinha o que fazer senão perguntar: “Como é seu nome completo?” Noutros ocasiões fazia perguntas deste tipo: “Onde foi que nos vimos à última vez?” Ou “já sei, você e de tal lugar, assim e assim.” Não sendo a pessoa que eu imaginava ser, ela responderia logo “não” e ia acrescentando dicas que me levavam finalmente a descobrir de quem se tratava. Hoje, eu já digo normalmente que tenho esta deficiência, peço desculpas, escuto melhor sua voz, lembro da roupa, dos gestos, de um sinal particular etc. Mas, um dia destes, encontrei uma mulher que vira a última vez há cerca de 20 anos, digamos, e era moça, solteira. Agora me aparecia casada, com filha e neto, em lugar inesperado e – por incrível, até para ela, que sabia da minha queixa de que não conhecia as pessoas depois de um longo tempo assim - conheci-a de imediato, e chamei-a pelo seu próprio nome. Ela me disse que eu não estava com falta de memória, era conversa fiada. Atribuo que casos positivos, assim, vêm acontecendo devido a minha persistência em tentar lembrar o rosto das pessoas, inclusive, no cinema, na tevê, nas novelas. Foi aí que passei a experimentar-me mais ainda. Uma coisa, porém, não é possível ao prosopagnósico como eu (não sei todos): – fechando os meus olhos não consigo visualizar nenhum rosto, por mais que a pessoa seja minha conhecida de muito e eu a veja constantemente.

7- Na sua família tem outros casos de prosopagnosia?

Não vou apontá-los, identifica-los, além de minha mãe, porque faleceu já há muito tempo. Sei que dos meus 5 filhos, dois se queixam do mesmo problema. Isto, para mim, já prova que há a prosopagnosia hereditária, como dizem as revistas e livros que já li e há a que é adquirida, principalmente por traumas: desastres de carro, avião e outros.

8- Em sua opinião, qual seria a contribuição da psicologia, aos portadores de prosopagnosia?

A contribuição da psicologia, aos portadores da “prosopo” seria grande. Mas é preciso, em primeiro lugar, a confissão e conhecimento da deficiência por parte do portador; segundo, querer melhorar, pois creio que se pode, com força de vontade, diminuí-la e/ou encontrar caminhos para conviver bem com ela, socialmente. Eu convivo. No meu entendimento, não é tão difícil. È praticamente nula a restrição de acesso às profissões. No meu julgamento, o prosopagnósico somente não exercerá bem a de policial, o que é óbvio. Recentemente, uma jornalista que me entrevistava para o canal 5, sobre o assunto, confessou-me ser também portadora de prosopagnose. Disse-me que sentia vergonha de ter que recorrer à ajuda de um colega ou de outra pessoa para apontar-lhe, entre tantas pessoas, o político ou a autoridade que a empresa escalou para uma entrevista.

9- O que em sua opinião poderia ser feito em termos de diagnóstico, tratamento e reabilitação, para melhoria da qualidade de vida do prosopagnósico?

Primeiro que tudo seria a universalização do conhecimento da deficiência, sem medo nem susto, principalmente os esclarecimentos médicos de psicólogos, psicanalistas, etc. Por outro lado, a ciência devia preocupar-se mais com essa deficiência, examinar e explicar se ela tem algo a ver com o mal de Alzheimer, a doença temível dos velhos e familiares.

______________
Entrevista concedida por Francisco Miguel de Moura, brasileiro, casado, mora em Teresina, Piauí, Brasil. Profissão: Funcionário do Branco do Brasil aposentado e escritor na ativa, com cerca de 30 livros publicados: poesia, contos, cônicas, crítica, romances e história literária.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...