segunda-feira, 9 de agosto de 2021

 

                             


                                     DA ARTE DE LER E ESCREVER

 

                                   Francisco Miguel de Moura*

 

 

          A leitura, a crítica e a autocrítica são as duas melhores armas para a vida literária, seja escrevendo ou lendo poemas, crônicas, contos ou romances.  

          Não se é obrigado a aceitar a opinião de ninguém, mesmo que seja um Arthur Schopenhauer (1788 – 1860), autor de uma “A arte de escrever”, onde reuniu vários ensaios relacionados com a escrita e a leitura. Ele nos diz, a certa altura dos seus arrazoados, que “O meio mais seguro para não possuir nenhum pensamento próprio é pegar um livro nas mãos a cada minuto livre. Essa prática explica por que a erudição torna a maioria dos homens ainda mais pobres de espírito e simplórios do que são por natureza, privando também seus escritos de todo e qualquer êxito.”  

          Embora muito pessimista, com certeza é uma grande voz que chama a nossa atenção para a quantidade e variedade de nossas leituras, especialmente para a falta de projeto. Entenda-se que o bom projeto não dispensa a leitura dos clássicos, tanto da própria língua, quanto de outras, como noutra parte indica Schopenhauer em sua obra de leitura indispensável.

           Sem observância destes preceitos, jamais o crítico literário terá  um pensamento original, pois sempre trilhando o rastro de alienígenas (incluindo-se, pincipalmente, a televisão e a internet). A cultura literária é para ser reestudada, incorporada, reinventada, renovada sempre. É aceito que se selecionem as leituras, principalmente quando vivemos num grau muito intenso do consumismo exagerado.

          É preciso, antes de tudo, saber por que se lê.  Para divertir-se, leia um romance leve, onde o prazer do amor e de outros sentimentos saudáveis tenham peso. Ou escolha um livro de contos não muito longos, pois mesmo na nossa literatura existem muitos e bons autores, a começar por Machado, Alencar, Lobato, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Teles. Ou um volume de crônicas humorísticas, líricas ou realistas como as de Raquel de Queiroz (mas em matéria de crônica, nossa literatura é farta). Poesia é mais fácil citarmos alguns dos melhores: Álvares de Azevedo, Castro Alves, Bilac, Bandeira, Drummond, Quintana e Mário Faustino. Enfim, uma infinidade de outros que o mercado nem sempre mostra.  Não falamos em Camões, Fernando Pessoa e Eça de Queiroz, do outro lado do outro lado do Atlântico, incluindo verso e prosa, essências para uma ótima leitura.

          Em matéria de filosofia – também de indispensável leitura - nada melhor que ter um filósofo à mão: um Kant, um Hegel, o próprio Schopenhauer, entre tantos outros, pois a seara é enorme.  Especialment e com essa leitura, o cérebro despertará da letargia de um bom almoço, de uma tarde quente de verão ou de outras situações da vida.

          Enfim, viver é pensar grande, amar e construir seus sonhos. Ter sempre em mente que, para o pensador, quanto mais livre for mais criativo será, o que vale também para o poeta e o prosador. O poeta deve estar sempre em busca do seu próprio poema, de uma originalidade que a leitura, sem planejamento, atrapalhará. Como o arquiteto, não necessitará ver muitas construções para arquitetar a sua obra. Não são os milhares de leituras que servem de base aos seus sonhos, mas o planejamento dos seus projetos, tanto de leitura quanto de realizações.  

          Quanto ao ler para fazer crítica... Aí, sim, precisa-se de muitas leituras, primeiramente completas do que vai criticar, depois ordenadas e direcionadas, é claro. Muita leitura mesmo, tanto do objeto a criticar (poesia, romance, conto, novela), quanto da crítica a respeito, isto é, teorias  da arte; leitura da história, da estética, da psicologia, das obras de psiquiatria, da filosofia, enfim um nunca acabar de leituras. O que é dito em relação ao crítico vale também para o prosador, em maior ou menor grau.  Tudo isto só para que se tenha um público de leitores (e ouvintes). Não se vá procurar o que ler em prateleiras abarrotadas, muitas vezes sem nenhuma orientação, somente pela urgência do seu interesse. E hoje há livros para tudo. “Tudo que é importante no mundo, aconteça quando acontecer, acabará num livro”, disse um pensador moderno, cujo nome me foge à memória.

          Não significa que todos os livros que existem são importantes. Como não o são todos os filmes, todas as músicas... Ou têm importância igual. Importância para quê?  Para construir-se uma vida feliz.  E normalmente quem lê é feliz ou está feliz enquanto o faz. A arte de ler é uma arte na vida moderna. Passar por “esta vida em brancas nuvens” de leitura “é passar pela vida e não viver”, parodiando o poeta Francisco Otaviano.

          Outrora fiz uma relação de como deve ser um bom crítico. Como não me recordo integralmente, percorri alguns cadernos manuscritos, empoeirados e semidestruídos, aqui vão estes 10 (dez) princípios normativos, como sugestão:

1)    -  Não criticar sem ler a obra inteira.

2)    – Não se incomodar com o endereço do autor.

3)     - Não fazer citações desnecessárias.

4)     - Saber resumir uma obra lida, em uma página de papel.

5)    – Saber que o bom poema começa e termina com chave de ouro.

6)    – Não confundir ficção com realidade, embora duas se irmanem.

7)     - Extrair o máximo de filosofia dentre as filigranas da obra.

8)    – Ser simples, sério e educado na construção de sua crítica.

9)    – Só escrever sobre a obra, se estiver certo de que merece.  

10)          - Evite erudição para não cansar quem for ler a matéria.

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*Francisco Miguel de Moura é autor do livro "Linguagem e Comunicação em O.G. Rego de Carvalho", Ed. Artenova, Rio de Janeiro, 1972.

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