sexta-feira, 29 de junho de 2018

A CASA E O POETA + 9 OUTROS

A CASA E O POETA
                     Francisco Miguel de Moura*


A casa do poeta  tem por via
a fala dos irmãos com outro irmão;
de uma vida coberta de  paixão,
as confissões: tristeza ou alegria.


É um menino pequeno (como não?)
no que quis e jamais pôde alcançar,
que  sofre  tantas vezes  por amar,
quantas vezes num choro sem razão.


De medo, treme à vista do vizinho,
pois no quintal dos fundos grita e freme
um diabo nu, barrando o seu caminho.


Diante de Deus e de Nossa Senhora,
pede conformação para quem geme...
E não terá sua casa onde não mora.


AMOR, SEMPRE AMOR (1)
              
                         Para Maria Mécia Morais Moura


Eras tu a mais linda da cidade.
E eu cheguei, um matuto impertinente,
apelidado até de inteligente
por colegas, amigos na verdade.


Teus sorrisos me enchiam de vaidade
e àqueles que te tinham de inocente,
e a mim me enfeitiçaram de repente,
como ninguém calcula. Ninguém há de


saber o que lutei para ganhar-te,
para querer-me ali, e em qualquer parte,
e, enfim, nos enlaçarmos com ardor.


Fogo em que conservamos, te asseguro,
a minha felicidade e o teu futuro
para viver tão puro e santo amor.


AMOR, SEMPRE AMOR (2)


                         Para Maria Mécia Morais Moura


Mudam-se tempos, vidas e pesares,
mas, como outrora, a amar continuaremos.
Amo-te mais, não queiras nem saber,
amas-me mais agora e como sempre.


Se outrora caminhamos de mãos dadas,
era o medo do mundo e suas garras.
Já hoje nos soltamos pra andar juntos,
pra mais amar, que o nossa amor se aclara.


Teu corpo de menina e de mulher
Que tanto outrora já me deu ciúmes,
Hoje é prazer e graça como nunca.


Sendo eu feio, invulgar, e tu, tão bela
formamos lindo par por toda a vida
e abraçaremos outras se inda houver.


DEUSA


Era uma deusa humanamente bela,
de olhos molhados a deitarem luz,
sobre perdidos corações sem cores.
Desprendia paixões nos seus encantos.


Da carne, o cheiro, a tepidez, o orvalho
eram pingos da tarde... E a noite vinha.
Mas o brilho dos olhos tão intenso
iluminava  todos os caminhos.


E eu disse  - “tolo”! -  à blusa desdobrada
à brisa, que assanhava as mentes frias,
cheia da graça dos recantos da alma.


De repente,  nas asas dos seus braços
levado vi-me e, pelos céus abertos,
caírem penas pelos meus pecados.


   DESCIDA


Quantos anos que gente sobe a vida
pensando que subiu, cresceu, mudou,
a enganar-se na festa e na bebida,
pra ignorar o mundo – este robô!


Vive-se o tempo.  E as horas consumidas
em vãos gozos e gulas, sem fronteiras,
desconhecem as dores pressentidas,
e o fumo das batalhas derradeiras.


Ninguém espreita a onda dos mistérios,
da velhice, da doença e o conteúdo
de mascarados e sutis impérios.
A lei da morte apaga amor, carinhos,
porque o tempo de Deus ficou desnudo
na cruel desesperança dos caminhos.


A DEUSA NUA


Vi uma deusa solitária e nua,
a correr pelas praias. Seu segredo
era o silêncio. Eu quase senti medo
daquela cor de prata, cor de lua.


Corri para apanhá-la, ainda era cedo!
Com vergonha de mim, vindo da rua
tão faminto e cansado. E ela recua...
“Se deusa for”, gritei, “vou ficar quedo”.


E ela correu de novo... E, atrás, perdido,
desesperado, eu, louco e comovido,
queria o mel dos lábios cor de beijos.


Cego e surdo, ante aquela formosura,
seio pulsante, o’ estranha criatura!...  
Caí morrendo a morte dos desejos.


A PARTIDA


Na partida os adeuses, gume e corte
dos prazeres do  amor, quanto tormento!
Cada qual que demonstre quanto é forte,
lábios secos mordendo o sentimento.


Do ser brotam soluços a toda hora,
as faces no calor do perdimento,
olhos no chão, no ar, por dentro e fora,
pedem aos céus a força e o alimento.


Ninguém vai, ninguém fica... E se reparte
no transporte que  liga e que desliga!
Confusão de saber quem fica ou parte.
Não se explica tamanha intensidade
Amarga, e doce, e errante, que interliga
os corações perdidos de saudade.


EX-ANIMAL


Impossível falar à alma  de um
dos viventes de Deus sobre esta lida,
sobretudo o que vai na alma ferida,
ou na lembrança que não é comum.


Somos ilhas cercadas por nenhum
outro ser dito irmão.  Nada o convida
a um mínimo de esforço que dê vida
ou assunção de problemas, seja algum


conselho, bate-papo ou sofrimento
sobre ações, pensamentos e palavras,
salvo se se tratar  do testamento.


O desumano egoísmo é sem limite,
do prazer de si só faz suas lavras,
e o mundo inteiro que se dinamite.


AS COISAS QUE...


Passo a limpo os guardados, vejo a capa
de um livro de poemas que me  roeu
por ter nele o meu rosto!... Olho-o, à socapa,
tentando deslembrar quem era eu.


O mundo é diferente em cada etapa,
e a gente nem percebe que sofreu.
Já não quero  sequer buscar, no mapa,
a alma, o sonho onde ela se perdeu.


Como senti-me mal  naquele dia!
Mas me guardei daquela coisa fria
pra me esquecer, enfim, que fui um jovem.


Por que perder meu tempo em desmazelo?
Se o passado morreu já não é belo,
quero o presente e as coisas que nos movem.


CAMINHANTE


No início, para trás eram meus passos,
mesmo assim alcancei quem se atrasou
mais do que eu, quem nada me escutou.
Meus pés doíam presos a alguns laços...


De rosto, a olhar em volta do ocidente,
jamais ouvi um som de voz alheia,
sem ver minhas pegadas pela areia,
a curtir um passado inconseqüente.  


Fiz pecados tão poucos, rezei tudo.
Cansado de falar me tornei mudo,
de tanto acreditar fiquei descrente.


Atrasei-me de amor pelo vizinho,
mas descobri, agora, que sozinho
ainda posso dar passos para frente.


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FRANCISCO MIGUEL DE MOURA*
    Poeta e prosador
Nora em Teresina - PI - Brasil.






















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