sábado, 31 de outubro de 2015

OEIRAS, O TEMPO E OS TEMPORAIS

Francisco Miguel de Moura*


       
        No fim do século XX, precisamente no dia 25 de novembro de 1999, lancei meu livro “Por que Petrônio não Ganhou o Céu” em Oeiras, a convite da Profª Selma e das alunas do Colégio CEMOPI, e fiz uma palestra com o título de “Síntese da literatura piauiense”, abarcando-a desde 1870 aos nossos dias. Os corpos docente e discente daquele estabelecimento de ensino fariam uma sessão  lítero-cultural com exposição de poemas, documentos, cartas, fotos de escritores, material artístico, etc. e mais outras atividades, para finalizar o ano com chave de ouro. Mas essa última atividade não pôde acontecer porque o material foi danificado pelo temporal que caiu sobre a cidade, na tarde de 24 de novembro.
        Cheguei justamente no dia 24, quando seria a palestra, precisamente no fim da tarde. O temporal foi tão violento que derrubou casas, fios, postes, árvores, apagou completamente a luz e desligaram-se os telefones da cidade.  Choveu até pedras.  Foi muita água. Dormiu-se antes da hora. Oeiras anoiteceu à luz de candeias, como antigamente. Acordou-se muito cedo. E continuou chovendo até o meio-dia. Quem quiser comprovar, releia os jornais de 25 de novembro. Minha palestra foi remarcada para a noite seguinte, e aconteceu com o apoio em peso do Colégio CEMOPI e de outros, porém muitas pessoas não compareceram porque não houve tempo para que os convites fossem refeitos.
        Entretanto, as professoras Selma e Francisca se desdobraram,  especialmente a primeira. Foram incansáveis me ciceroneando pela cidade. No hotel, recebi visitas das jovens Arielma (esta, filha da Profª Selma), Cristiane, Maria Leonice, Maria da Guia, Érica Mendes (esta me havia mandado um foto ao lado dum colega), Jaqueline e de outras das quais não anotei os nomes, todas alunas do referido colégio e com as quais me correspondera durante o ano de 1999.  Também garotos como o Jadson Osório foram ao hotel justamente conhecer-me, falar comigo.
De fato, foi uma bela recepção a que recebi em Oeiras na minha última viagem, inclusive pelo seu jovem Prefeito José Nogueira Tapety Neto, mesmo  ocupado como estava com os problemas provocados pelo temporal.  Eu já estivera na cidade antes. Havia mesmo falado com o Possidônio Queiroz, parece que adivinhando o que diria o escritor José Expedito Rego, também oeirense, mas atualmente morando em Floriano: “Quem foi a Oeiras e não palestrou com Possidônio Queiroz não diga que conheceu a cidade.”  Só não fui ainda, como outros poetas piauienses, agraciado com o título de cidadania. Mesmo assim me sinto oeirense, uma vez que nasci em Picos, e o município de Picos saiu de Oeiras – foi o que disse à Profª Selma quando o  assunto veio  à tona.
Oeiras foi a primeira capital do Piauí, fundada pelos portugueses, em 1696, portanto há 304 anos. Na época representava o progresso, a urbanização do Brasil, e disto nos dá conta Darcy Ribeiro, em “O Povo Brasileiro”, seu último livro publicado.   No ano de 1996  os oeirenses comemoraram os 300 anos da cidade. Não é pouco.  A prova está na arquitetura, nos documentos, placas, monumentos, edição de jornais e numa revista que o Instituto Histórico de Oeiras publica todo ano, atualmente dirigido por Pedro Ferrer Mendes de Freitas. Organizado ainda pelo  presidente anterior do IHO – historiador Antônio Reinaldo Soares Filho  –  convidado que fui, participei do nº 14, no ano do tricentenário, escrevendo sobre  O. G. Rego de Carvalho e seu romance “Somos Todos Inocentes”, onde recria uma Oeiras dos anos 30 e apresenta símbolos como o Sobrado, ao lado do qual estive hospedado (Casa do Conde), olhando e refletindo sobre aqueles sinais de um tempo tão antigo, de um Piauí que iniciava.
Foi então que a Profª Selma e suas alunas me contaram, por alto, algumas lendas da cidade: 1 –  a do galo da torre da Igreja do Rosário,  cujo o principal conteúdo é que se ele cantar três vezes, o mundo se acaba; 2 – a do carneirinho de ouro que, pendurado por um fio, fica andando do Morro do Leme ao Morro da Cruz, e quem pegá-lo ficará rico para o resto da vida; 3 –  a da  Santa que foi enterrada na Rua do Fogo, cuja crença é de que se alguém pisar no lugar onde fica seu pescoço, naquele momento morre, afunda, desaparece.; 4 – a da baleia embaixo da Igreja da Conceição, que vive dormindo, mas se acordar o mundo se acaba em água.
- Então, professora, parece que a baleia da Igreja da Conceição acordou hoje – eu disse.
- É, parece que alguém pisou nela – as meninas responderam.
E, como ainda não soubessem de toda a destruição provocada por aquela chuva, elas riram  ao mesmo tempo, dentro do carro conduzido por D. Selma.
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*Francisco Miguel de Moura, poeta e escritor,escreve para o jornal "O DIA", aos sábados, mas esta crônica foi publicada ainda quando participava do jornal "Diário do Povo". Por estar incluída no futuro livro de crônicas denominado "Conversas silenciosas", resolvi reproduzi-la aqui.

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