O projeto da Barragem de Bocaina arrastou-se por muito tempo, obedecendo aos caminhos e descaminhos da política e da burocracia governamental, como quase sempre acontece com as grandes obras chamadas de infra-estrutura, no Brasil. No jornal “Voz de Picos”, dezembro de 1983, escrevi que, nos idos de 1950, referido projeto foi embargado por causa de um abaixo assinado da população do local e adjacências. Os habitantes, agricultores e pecuaristas solicitavam que não se efetivasse sua construção, pois que iria causar enormes prejuízos à lavoura da região. O documento fora preparado e encabeçado pelo Pe. José Ignácio de Jesus Madeira e pelo deputado da região, José Batista de Carvalho. Tudo parou por cerca de 30 anos.
Naquele momento do artigo, tomara conhecimento, através do escritor e jornalista Ozildo Batista de Barros – aliás, o editor do jornal – que o 3º BEC, sediado em Picos, estava a cargo da construção do açude, iria dar início à obra. A ideia era acabar com “a indústria da seca”, em Bocaina, Sussuapara, Picos e mais lugares a que as águas do rio Guaribas chegassem, falava-se muito em irrigação. Respondendo à esperança de todos, finalmente o açude foi concluído. Mas o tempo correu e os órgãos competentes não cuidaram de preparar o uso do curso das águas soltas rio-abaixo, de forma racional e científica. Plantaram-se algumas árvores e arbustos frutíferos como goiabeiras, bananeiras, e só. Não se teve notícia de produção de peixes, outra finalidade a que destinava. Ao contrário, tornou-se, em pouco tempo, um lugar de veraneio, de turismo de fim-de-semana das famílias abastadas de Picos. Depois, as associações e clubes o descobririam para os alegres domingos. Turismo sem nenhum planejamento. Isto contribuiu para poluir parte do enorme lençol de água, onde, conforme nota do “Jornal de Picos”, de 20-5-2005, já morreu até um banhista afogado. Eis um trecho da notícia: “O servente de pedreiro Adonilton de Sousa Rodrigues, solteiro, 20 anos, morreu afogado, na tarde do último domingo, 15 de maio, quando tomava banho no açude. Ele participava de um banho no Açude, organizado pela quadrilha junina Balão e Foguete, do Bairro Morada do Sol – Picos”.
Com espanto, recentemente, li no jornal “O Dia”, na edição de 11-7-2015, a notícia que nunca pensei de ler: “A Barragem de Bocaina terá vazão aumentada. Atendendo ordem da Agência Nacional de Águas (ANA), a Comissão Gestora da Barragem aprovou, na última quinta-feira (9-7-2015), o aumento da vazão de água na barragem que atende a região do semi-árido piauiense. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMAR) reuniu, na cidade de Picos, os representantes municipais com participação no comitê para discutir a questão do baixo nível da Barragem que beneficia a população das cidades de Sussuapara, Picos e Bocaina. Os agricultores que usam a água do açude se manifestaram preocupados e queixaram-se das perdas que estão sofrendo. As autoridades mencionadas resolveram que, em caráter de urgência, seriam liberados 150 mil litros/segundo para amenizar a situação dos irrigantes”. Para amenizar, vejam só, a situação das pequenas irrigações que conseguiram obter, só.
Mas outra finalidade da Barragem era também conseguir a perenidade do rio Guaribas.
É claro que o rio Guaribas começou a morrer antes, em virtude da própria exploração do plantio de alho e cebola, em época não muito recente, quando os produtos estavam em alto prestígio e rendiam bem. Depois da Barragem, a água não chega, como antes, pelo menos até a cidade, para dar ao rio aquele líquido que lhe fora roubado. É claro que, com o crescimento de Picos, o rio já estava um pouco atacado por esgotos e lixos como soe acontecer com as cidades ribeirinhas, no nosso Brasil. Mas a morte veio a se aproximar ainda mais depois da Barragem, que, por outro lado, ficou improdutiva, indiferente ao previsto no projeto: Isto afirmava um artigo de José Maria Barros, publicado no “Jornal de Picos”, já em 16-9-2005.
Presenciando, como bom picoense, a vida dos arredores da cidade e do rio, o poeta e dramaturgo Vilebaldo Nogueira Rocha clama e reclama sobre a morte tão rápida do rio de sua vida e de suas lembranças. É interessante, mas doloroso, ler-se o poema “RIO GUARIBAS – CADÊ”? Mesmo assim vamos... É uma forma de prestigiar o poeta e a beleza passada da cidade dos Picos, às margens do saudoso Guaribas:
“Rio Guaribas, ô!!! /
Líquida faca cortando meu torrão natal
Matou minha sede
Barcos meus de papel.
Embalou meus sonhos,
Brincou com as estrelas do céu.
Arrastou meus navios para a beira do mar.
Rio Guaribas, ô!!!
O progresso é veloz demais,
Deixa manchas sujas no lençol.
E ninguém tem tempo pra te proteger.
Tanto sobejo à luz do sol!
O poeta faz um verso inútil.
Cadê braços, pernas e bocas pra te proteger?”
Termina com um refrão doído, gemido, gritado e repetido:
“Rio Guaribas, ô!!!/ Cadê braços, pernas, bocas pra te proteger!!!...”
Como se o poema fosse infinito, para sempre. E é isto mesmo, as vozes do poeta falam aquilo que ninguém viu nem quis ver.
José Maria Barros não deixa por menos, lembra o “Poço dos homens”, na Trizidela, onde os garotos e adolescentes disputavam quem nadava melhor. “Quem não lembra do leito do Guaribas, com suas águas claras? A Barragem foi inaugurada em 1985. E em pouco tempo transformou-se nisto: Um vasto lençol d’água desaproveitado, lá e cá. O que era um projeto de redenção da região tornou-se uma tragédia”.
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*-Francisco Miguel de Moura, escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, da UBE-São Paulo e da Associação Internacional de Escritores e Artista (IWA - Sigla em inglês), sediada nos Estados Unidos.
Um comentário:
Estimado poeta Chico Miguel, segue artigo referente ao pertinente assunto:
http://www.ana.gov.br/AcoesAdministrativas/CDOC/ProducaoAcademica/Marcos%20Airton%20de%20S.%20Freitas/UsosMultiplos_Guaribas.pdf
Abraços,
Marcos Freitas.
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