Tenho a impressão de que se perguntássemos a Manoel de Barros “o que queria ser, se ele não fosse poeta”, teríamos a mesmo resposta que eu já enfiei na cabeça de muita gente: “Se eu não fosse poeta, queria ser poeta”. E ele foi e é um grande poeta: faleceu no dia 13-11-2014, com 97 anos, mas deixou muitos livros e muita poesia neste mundo.
Fazendeiro, advogado e poeta, mais poeta que qualquer outra coisa, porque observador minucioso da natureza e das coisas da natureza, nasceu em Cuiabá, às margens do rio do mesmo nome, aos 19 de dezembro de 1916. Filho de João Venceslau Barros, capataz da região. Porém, Barros ainda muito cedo se mudou para Corumbá, no Pantanal. Só nos últimos anos passou a viver uma vida reclusa em Campo Grande (MS). Reclusa, para os seus biógrafos apressados, pois costumava passar dois meses, todo ano, no Rio, em contato com a “civilização”. Manoel de Barros escrevia à mão e brincava: “Não uso computador, sou metido, escrevo à mão, acho que na ponta do lápis tem um nascimento” e “gosto de coisas que começam assim: antigamente o tatu era gente e namorou a mulher de outro homem”. O segundo pensamento está em “Vozes da Origem”, da antropóloga Betty Midlin.
Pronto, chegamos à antropologia, leituras mais apreciadas pelo mago da poesia que é Manoel de Barros. E sabem por quê? Bem, porque era um filósofo poeta e um poeta filósofo. Sim, fazia tudo aquilo que fazem os poetas originais, singulares, criadores. Era um filósofo porque perguntava pelas origens, era poeta porque inventava palavras, frases, pensamentos os mais ousados e menos usados. Podiam, a principio, significarem tolices isoladamente, mas no texto cresciam. Vamos a alguns exemplos: “Sou mais a palavra ao ponto de entulho. / Amo arrastar algumas no caco de vidro / envergá-las pro chão, corrompê-las, / até que padeçam de mim e me sujem de branco”. Ou então: “Por viver muitos anos dentro do mato / moda ave / o menino pegou um olhar de pássaro: - contraiu visão fontana. / Por forma que ele enxergava / as coisas / por igual / como os pássaros enxergam”.
Vejamos mais, não podemos perder a oportunidade: “Tentei descobrir na alma alguma coisa mais profunda do que não saber nada sobre as coisas profundas: Consegui não descobrir”.
Manoel de Barros era um homem que conhecia tanto sua aldeia que resolveu dar uns passeios pelo mundo e conheceu a Europa e os Estados Unidos. Daí que possui obras traduzidas na América do Norte, Espanha e França, ou seja, em inglês, francês e espanhol. E não obstante, ser portador de prêmios como o Prêmio Nacional de Literatura, do Ministério da Cultura, o Prêmio Jabuti, da União Brasileira de Escritores - SP, em dois anos (1990 e 2000), entre outros, nunca teve da crítica a divulgação merecida. Ninguém sabe que mistério preside a chamada “grande imprensa” para desconhecer os grandes valores intelectuais e poéticos do nosso país. Noutro qualquer país, até da América Latina, ele já teria ganho o Nobel. Mas como, se os jornais, as revistas, a tevê, os editores teimam em desconhecê-lo? Membro da Academia Brasileira de Letras, da qual recebeu prêmio por suas obras, em 2000. E os resenhistas de plantão não viram.
Têm-se, agora, vaga notícia de que a editora Leya lançou, em novembro do ano passado, sua obra completa, muito depois de o poeta completar 90 anos. Soa também, por aí, que uma outra editora - naturalmente deve ter comprado os direitos autorais da família - lançará sua obra completa em 2015.
A má distribuição de livros no Brasil, a má vontade das editoras com os bons escritores, tudo contribui, e muito, para a ignorância do brasileiro médio, aquele freqüenta escolas, inclusiva a universidade. Fazem com que sejamos uns pais de “ANALFABETIZADOS”: - como já apelidei aqueles que aprenderam o “B-A-BÁ”, mas não conseguem ir para frente, treinando os valores artísticos nas letras, das outras artes e das ciências. Nós não conseguimos “voar fora da asa”, como escreveu Manoel de Barros.
Para mim, a obra de Manoel de Barros supera a de todos os poetas até agora, incluindo Drummond. Não é por isto que não me reconheça influenciado por Drummond e filiado à sua forma de fazer poesia, embora muitas outras influências se tenham misturado em mim: de Castro Alves a Manuel Bandeira, todos bem aquinhoados com a divulgação e a editoração. Agora, eu pergunto, será que a literatura, no Brasil, está morrendo? Manoel de Barros supera a todos e lembra bem o menino poeta Mário Quintana: os dois são meninos e são meninos porque fazem perguntas, porque misturam a linguagem para ficar mais bonita, vigorosa, inteligente.
“A mãe reparou o menino / gostava mais do vazio / do que do cheio. / Falava que os vazios são maiores/ e até infinitos. // Afundo um pouco o rio com meus sapatos /desperto um som de raízes com isso. // Eu precisava ficar pregado nas coisas vegetalmente e achar o que não / procurava”. (...) Sou um caçador de achadouros da infância. / Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal / vestígios dos meninos que fomos”. Isto é um pouco da filosofia de Manoel de Barros, da poesia de Manoel de Barros que, aos desavisados soa como besteira, tolices, cousas mesmo de menino. Mas não, são cousas mesmo de poeta, poeta grande, de sua terra e do mundo, do chão e do ar, das trevas e da luz. E ele, para quem não haja lido, disse a maior verdade da história: - “Cristo foi um dos grandes poetas do mundo – tanto que já passaram 20 séculos por cima de suas palavras e elas são vivas e reviçadas todos os dias”.
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*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, nasceu em Jenipapeiro, do município de Picos - PI; já publicou perto de 40 livros, entre os quais metade de poesia Membro da Academia Piauiense de Letras, da União Brasileira de Escritores - SP e da Associação Internacional de Escritores e Artistas - Toledo (USA).
Um comentário:
Amo a poesia de Manoel de Barros.Amo!!!
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