quinta-feira, 9 de outubro de 2014

RUBEM ALVES, O CRONISTA E A LIÇÃO DO GATO

Francisco Miguel de Moura*

        Fui convidado pelo jovem Teilor, dinâmico gerente da Livraria Anchieta, Zona Leste, sito à Av. Dom Severino, bairro de Fátima, para um “Café Literário”, a acontecer no dia 14-8-2014. E aconteceu. Lá estávamos eu e o poeta Salgado Maranhão, outros poetas e uma bela platéia. A condução dos trabalhos foi confiada ao Prof. Wellington Soares. Era um recital de poesia, leitura de crônicas, música e mais o que possa acompanhar esses saraus culturais. Mas, por que estou escrevendo isto agora?  O escritor Rubem Alves falecera no sábado, dia 19-7-2014, em Campinas (SP), e o jornal “O Dia”, Teresina, publicou matéria sobre o fato, com direito a manchete e foto, no dia 22-7-2014: “EM CARTA, RUBEM ALVES PEDIU PARA TER SUAS CINZAS JOGADAS EM IPÊ: Rubem Alves entregou uma carta de 10 páginas aos filhos para descrever como gostaria que fosse a cerimônia de morte dele, revelou Raquel, filha do escritor. No texto ele pediu para ser cremado e ter as cinzas jogadas embaixo de um ipê amarelo, enquanto seriam lidos textos de seus poetas preferidos: Cecília Meireles e Fernando Pessoa”. Mas deixemos o texto, que aqui já sai repetido. O recorte era apenas pra lembrar que deveria, como faço com os outros escritores, escrever uma matéria. E não sei por que “cargas d’água” meu texto foi adiado até hoje. Agora volto a ele, peço perdão a sua alma, onde estiver, que pratiquei um esquecimento imperdoável. Havia lido recentemente um livro de crônicas de sua autoria: “Pimentas”, editora Planeta, São Paulo, 2012. Que crônicas fabulosas, ora ria, refletia, chorava, mais ria do que chorava. Seu sarcasmo, seu lírico humor aliviaram-me de muitas preocupações, caindo em mim que o que a gente deve fazer mesmo é viver – para não preocupar-se com o não-viver. Não li o livro todo, este é o feitiço. Quando a gente lê um livro que merece o primeiro lugar na estante, normalmente se deixa uma beiradinha para ler depois, para fazer uma nova leitura. Permitam me mostrar pequeno trecho da segunda crônica, de nome “Filosofia do gato”:

     “Olho para o meu gato e medito. Medito teologias. Diziam os teólogos de séculos atrás que a harmonia da natureza deve ser o espelho em que os seres humanos devem buscar suas perfeições. O gato é um ser da natureza. Olho para um gato como num espelho. Não percebo nele nenhuma desarmonia. Sinto que devo imitá-lo. Camus observou que o que caracteriza os seres humanos é a recusa a serem o que são. Eles não estão felizes com o que são. Querem ser outros, diferentes. Por isto somos neuróticos, revolucionários e artistas. Do sentimento de revolta surgem as criações que nos fazem grandes. Mas nesse momento eu não quero ser grande. Quero simplesmente ter a saúde de corpo e alma que tem o meu gato”. Este trecho já é suficiente para sentir o gosto do seu estilo. No ar aquela habitual pergunta: “que bicho você gostaria de ser se fosse nascer bicho?” Eu responderia com Rubem Alves: “Gostaria de ser um gato, uai!”. 

Justamente quando eu estava lendo Rubem Alves fui ao meu psiquiatra, o amigo escritor e acadêmico, Dr. Humberto Guimarães, e fiz o elogio da obra. E eu, generosamente, quis emprestá-lo, mas ele recusou: “Deixe, que eu compro um, pois eu também risco todo livro que eu leio. Nós não somos gatos”. 

No “Café Literário” mencionado no início foi distribuído um livrinho mimeografado com minha biografia, alguns poemas, e a biografia dele, Rubem Alves, com algumas crônicas: Éramos os escritores homenageados daquela noite. Senti-me emocionado. E agora é que faço um balanço de como é bom ser homenageado ao lado de Rubem Alves. Nascemos no mesmo ano de 1933, ele em setembro (15), eu em junho (16). Talvez o medo de morrer logo me tenha afastado dele e esquecido a homenagem que costumo fazer quando morre um escritor. Bem, eu sou velho e de agora em diante quero ser um gato, não tenho idade. Aprendi sua lição e, como gosto dos ipês e de suas flores, principalmente os amarelos, diria que colocassem minha cinza ao pé de meu ipê, que me enche a vista todos os dias manhã, especialmente quando é primavera (setembro/outubro, aqui para nós).

Rubem Alves nasceu em Boa Esperança, sul de Minas (naquele tempo era chamada de Dores da Boa Esperança). Mudou-se para o Rio, em 1945, onde, nos seus estudos, sofreu “bulling” por causa do seu sotaque de mineiro. Buscou refúgio na religião, pois vivia solitário, sem amigos. De 1953 a 1957, estudou Teologia, chegando a ser pastor em Lavras (MG). Depois foi estudar em Nova York, retornando ao Brasil em 1964, e aqui foi perseguido pelo regime militar. Mas finalmente, indicado pelo famoso economista Paul Singer, foi lecionar Filosofia na Faculdade de filosofia de Rio Claro (SP). Em 1969, é professor livre-docente no IFCH, na UNICAMP.  Obras: “Perguntam-me se acredito em Deus”, “O sapo que queria ser príncipe”, “O velho que acordou menino”, “Ostra feliz não faz pérola”, “Do universo à jabuticaba” e “Variações sobre o prazer”, entre outros. Pedagogo, poeta, cronista, contador de estórias, ensaísta, teólogo, acadêmico (Academia Campinense de Letras), psicanalista, Cidadão Honorário de Campinas, “A ostra feliz não faz pérola, também publicado pela Ed. Planeta, conquistou o 2° lugar na categoria de contos e crônicas, no Jabuti, 2009. Filósofo do atual, sem teoria nem escolas, frases como esta são exemplares: “Enquanto a sociedade feliz não chega,que haja pelo menos fragmentos de futuro em que a alegria é servida como sacramento, para que as crianças aprendam que o mundo pode ser diferente. Que a escola, ela mesma, seja um fragmento do futuro...” a) Rubem Alves.

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* Francisco Miguel de Moura, poeta, romancista, contista e crítico brasileiro, mora em Teresina, PI, one publicou a maioria de sua obra. E-mail: franciscomigueldemoura@gmail.com

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