sexta-feira, 10 de junho de 2011

CIDADÃO ORSON WELLES



Francisco Miguel de Moura - Membro da Academia Piauiense de Letras e da IWA-International Writers and Artists Association, Toledo, OH, USA.  


          Acabo de ler um dos melhores romances portugueses da atualidade, “Cidadão Orson Welles”, de Maria Helena Ventura, poeta e romancista portuguesa que eu não conhecia e só vim a saber dela, por acaso, através da Internet. A primeira coisa que me salta à vista é seu estilo. De uma delicadeza e doçura até então nunca visto, por mim, na literatura contemporânea, inclusive em autores famosos como Fernando Namora e José Saramago, dos quais sou um aficcionado leitor. Ferreira de Castro seria um bom exemplo de comparação, porém sua literatura realista estaria muito afastada do poético e do romântico, restaria o estilo doce, sereno e digamos até que confortante. Assim, Maria Helena Ventura, nesse livro, me parece realmente singular. E seria inútil destacar um pedacinho de texto, uma frase aqui, pela vaidade de mostrar ao leitor que o li, pois o livro é compacto, todo ele escrito na melhor forma e linguagem, fácil e simples, por isto mesmo profundo, denunciando a poetisa que está por trás da estória. Sendo assim, o jeito melhor é remeter meus leitores à minha página na internet, registrada no final desta matéria, onde me sentirei mais à vontade para transcrever um texto do romance, a título de antologia. Evidentemente a autora trata da história do grande cineasta americano Orson Welles, mas não é bem um romance histórico, eu diria que é uma estória de amor, envolvendo um personagem histórico famoso, do cinema, daí nele encontrar verdades históricas apensadas à estória, referente à vida e obra de Orson Welles, o que acaba muita coisa factual passando um pouco despercebido, tendo em vista que o pretexto inicial vai ficando na sombra da história envolvente e fabulosa do amor de Iasmina, digamos que a verdadeira mulher da vida desse inquieto e perseguido criador de grandes obras do cinema, como por exemplo, “Citzen Kane” e “D. Quixote”.  Essa mulher, uma quase menina tunisiana – aqui, sim, ficção - seqüestrada para a prostituição, na luta para libertar-se da má sorte ou do destino, reconstruindo sua vida noutro pais, formando-se depois em História da Arte, apaixonando-se pelo cinema e pelo artista e mito Orson Welles, - vai com muita garra em busca de sua paixão, de seu verdadeiro amor. É um idílio realmente reconfortante para os que sofrem e lutam pelo que querem, conseguindo a felicidade entre mudanças, viagens, separações, morte, sofrimento e crianças pequenas separadas dos pais: Theo e Geórgia, ou simplesmente Gia. A estória é tão apaixonante que, mal a gente termina, quer voltar à primeira página e reler com o mesmo gosto ou até maior força. A personagem Iasmina se torna tão envolvente, tão carismática, que o leitor, chega a desejar conhecê-la, por que também a ama. Eis a grandeza da criação de Maria Helena Ventura. A personagem se estabelece em nós como uma verdadeira pessoa, carne viva, digna da nossa admiração e de uma simpatia que encarnam as pessoas vivas quando lutam por um ideal de vida e de amor, de fé. De grandeza de coração. Por fim, refiro a outra particularidade que me chamou a atenção. Maria Helena Ventura, sendo mulher e criando uma das mais fortes personagens do romance contemporânea, essa valente e doce Iasmina, não se torna uma feminista, não depõe contra ou a favor deste ou daquele sexo, nem se denota em sua linguagem nenhum outro preconceito. Isto demonstra a contemporaneidade da escritora, sabedora de que todos somos iguais e desiguais, homens e mulheres, cada um com seus defeitos e qualidades, não se devendo apurar este ou aquele defeito. Ao contrário, conviver com eles é o que de melhor aprendemos. A vida é a arte em forma de compreensão e sensibilidade. A arte é uma xerox bem tirada da vida, de forma que ninguém depois vai saber qual é o original. Artista e amante, apurada escritora na prosa e no verso, louvo seu estilo e a estrutura do seu romance, contemporâneo demais, belo demais para os nossos tempos de “best-sellers” americanos, ingleses e sei mais de que país, que circulam às carradas pelo mundo, muitas vezes fazendo tanto mal. 

                                          Antologia
"Deixamos de nos ver durante um bom tempo, o intervalo em que o mundo real adquiria outra coloração. Orson partia de novo, uma partida quase fuga como da primeira vez. Levava os olhos matizados de tristeza e muita cumplicidade, quando se despedia de mim, de Geogia, embrulhado numa cortina de silêncio... Depois monocromáticos, rotineiros dias. Eu tentava desvalorizar, dava graças às obrigações por me absorverem cada gota de energia, sem tempo para me deter nas teias emocionais a minudear saudades.
          No primeiro telefonema que me fez de Los Angeles ousei perguntar se precisava afastar-se das mulheres para conseguir trabalhar... Fazia sempre retiradas estratégicas... Deu uma risada, calou-se. Depois arranjou forma de compor uma resposta agradável, que no entanto não me convenceu.
           Oh meu amor... mas se damos o melhor de nós só para vos impressionar... Se não fossem vocês a inspirar-nos, ainda hoje seríamos troglodias a roer carne crua à entrada das cavernas.
             Nesse período passaram-se coisas estranhas namansarda de madame Joséphine, onde o marido era peça de decoração obsoleta. De meia-idade como ela, Monsieur Roger Roncard desafiava a paciência da enérgica mulher, afundado na cadeira de baloiço numa rotina de tédio. De manhã fazia o passeio diário pouco mais que trinta passos até ao quiosque próximo, para comprar Le Monde. A seguir almoçava, adormecia na cadeira a cofiar  o bigode, acordava para uma merenda farta.  E voltava a castigar o assento de couro a um ritmo catatónico, até a noite chegar"
(Exerto das págs.73/74, do romance "Cidadão Orson Welles", de autoria de Maria Helena Ventura, editor Luís Corte Real, Edições Saída de Emergência, 2011 - Rua Adelino Mendes,nº 152, Quinta do Choupal 2765 - 082 São Pedro do Estoril, Portugal)

2 comentários:

Gisa disse...

Teu apurado olhar crítico desperta uma enorme vontade de ter mais contato com a obra.
Excelente texto.
Um grande beijo querido amigo

CHIICO MIGUEL disse...

Gisa,
Tenho a satisfação de comunicar-lhe que recebi um espetacular comentário a meu livro O MENINO QUASE PERDIDO, pela escritora Maria Helena Ventura. Ela me mandara antes o endereço e eu o enviei (o livro, qua ainda não foi lançado). Foi uma grata satisfação, antes de a obra ser lançada já estar sendo comentada elogiosamente. Não acha?
Você gostaria de o ler?
Abraço caloroso
Chico Miguel

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...