UMA CRÔNICA ANTIGA
Francisco Miguel de Moura*
De modo geral, as minhas crônicas se sobressaem pelo seu aspecto existencialista. Mesmo quando enveredo pelos caminhos do ensaio. E é como me sinto melhor.
Por isto digo, tenho 67 anos, dos quais 33 anos de poeta publicado em livro. Minha estréia foi em 1966, livro feito numa tipografia em Timon - MA, com prefácio de Fontes Ibiapina. "AREIAS", o título. Edição: 500 exemplares. Vendi metade, a outra metade mandei para bibliotecas, escritores, críticos, do Brasil inteiro.
Daí para cá foram quase 20 livros, alguns editados fora do Piauí. Mais centenas de artigos em jornais e revistas daqui e dalém mar, como diriam os portugueses. Minha última crônica de natal foi editada no "Diário dos Açores", 23 de dezembro de 2000. Deve ter sido publicada também pelo "Correio do Sul", de Varginha, Minhas Gerais. Não digo de certeza porque ainda não recebi meu exemplar. Sempre chega atrasado. E no fim do ano, fim do século, então...
No entanto, um dia destes estava numa livraria desta cidade de Teresina, em cuja cidade moro há quase quarenta anos, quando um cavalheiro me aborda e pergunta:
- O senhor é o poeta Hardi Filho?
Hesito um instante se respondo alguma coisa. Não porque me trocasse com o Hardi Filho, meu amigo mais íntimo e meu irmão, se bem que não de sangue. Quando me decido por dirigir-lhe três ou quatro palavras, digo-lhe simplesmente:
- Não. Sou o Chico Miguel.
Depois disto, baixo a vista e continuo folheando os livros da prateleira da livraria, indiferente à fama.
A fama? O que é isto? Será que assim acontece por que não apareço na televisão? Ou por que não sou bonito?
Quem é famoso, no mundo de hoje? A fama é para os jornalistas de tevê ou para as chamadas modelos ou dançarinas, tipo "Tiazinha", "Feiticeira", etc. aqueles mostrando a cara deitando filosofia barata, estas se desnudando e balançando o bumbum para delírio dos homens e inveja das mulheres - falo dos telespectadores.
O que é a fama? Repito. E não encontro resposta.
Porque amanhã seremos todos velhos, do século passado: ainda estávamos na última semana do 2º milênio da era cristã.
E quando morrermos, nada mais seremos, nada restará. No máximo, um poema, encerrado numa antologia. Alguns, poucos, se lembrarão de ler, recitar e analisar. Seguramente um professor. E no mínimo, seremos um nome. Talvez de uma praça ajardinada, por muita sorte. Ou de uma ruela. Ou de um beco.
Livros? O livro tem seus dias contados, é o que dizem. Vamos todos para a internet, os que vão. Quem tiver muita sorte, for escolhido, figurará num "saite" para pesquisa pelos interessados na espécie.
Falei no mínimo que ficará. Um poema, eu disse. Não seria um poema, na verdade um verso somente bastaria, a ser indicado como epígrafe de um conto, de um artigo, de uma crônica. E ainda seria lembrado.
Mas, em tratando de assunto tão profundo, não posso esquecer a beleza e a humildade franciscana, quase budista, do poema de Manuel Bandeira, bem denominado de "A morte absoluta", do livro "Lira dos Cinqüent'Anos" – acredito que endereçado aos poetas que não conseguiram nome nem fama:
"Morrer.// Morrer de corpo e de alma. // Completamente // Morrer sem deixar o triste despojo da carne, / A exangue máscara de cera, / Cercada de flores, / Que apodrecerão – felizes! – num dia, / Banhada de lágrimas / Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.// Morrer sem deixar porventura uma alma errante.../ A caminho do céu?// Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?// Morrer sem deixar um sulco, um risco uma sombra, / A lembrança de uma sombra / Em nenhum coração, em nenhum pensamento,/ Em nenhuma epiderme.// Morrer tão completamente / Que um dia ao lerem o teu nome num papel / Perguntem: Quem foi!..."
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Francisco Miguel de Moura, poeta e prosador brasileiro,colaborador em vários jornais e revistas do exterior e numa boa parte da imprensa brasileira, 32 livros publicados e mais alguns projetos a serem concluídos.Mora em Teresina, PI, Brasil. Contato: franciscomigueldemoura@superig.com.br
3 comentários:
Tenho um poema que dediquei a Chopin, pelos seus 200 anos e que está num documentário de Memória Cultural Polonesa, produção do StudioClio Instituto de Humanismo & Arte, que agora colo aqui, porque no estribilho está meu amor por teu nome, trabalho e poesia, e por isso digo: Há mortos que nunca morrem e tua poesia, querido Amigo, será eco desse meu verso.
Aos 200 anos de Chopin
Há mortos que nunca morrem,
voz
imagem
acordes
eles ressurgem feito marés
ou límpidos cristais a esculpir
as lágrimas que a curva do olho não apaga
Há mortos que nunca apagam,
nos revivem em fotos, momentos, palavras e músicas...
Há mortos vivos
transplantes d'alma
pontes de tempo
no Viver, empréstimos de humanidade.
Há mortos que nunca morrem,
Chopin
feito brazeiros, rios caudaloso tuas notas e passos seguem a refletir em nós vivas memórias...
Um abraço e a ti faço o coro: há mortos que nunca morrer..
Carmen Silvia Presotto
Querida Amiga
Carmen Silvia Presotto,
Surpreso e emocionado, recebo teus versos em homenagem a Chopin, compositor de quem também sou fã.
É um grande presente.
Gracias plena, como diz o povo de língua castelhana.
Bjs.
Chico Miguel de Moura
Sr. Miguel,
A fama é fugaz, já dizia Dante alighiere:
"A fama que se adquire no mundo não passa de um sopro de vento, que ora vem de uma parte, ora de outra, e assume um nome diferente segundo a direção de onde sopra. "
Sua vida e obra são eternas, isso é o que importa.
Com carinho,
Da nora que o ama.
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