Crônica
Iram M.*
As duas primeiras pessoas que conheci na Alemanha foram as pessoas certas para aquilo que eu precisava. Uma veio para me tranquilizar e a outra para me encorajar. Cada uma à sua maneira. Suse e Ivoni foram fundamentais na minha vida de expatriada. Suse, uma alemã linda e loira, criada no Brasil conhecia muito bem os dois lados da moeda. É do tipo determinada, líder e que sabe o que quer... quem a conhece e a julga que atua com ar de superioridade, é porque inveja o seu sentido de encorajamento. Ela é assim e não tem intenção de impressionar ninguém. Afetuosa e esportista trás em seu currículo, uma extensa lista de amizades
lindas e sinceras. Inclusive a minha.
Com ela aprendi que o frio lá de fora, não congela as pessoas, que se eu não abrisse as janelas da casa todos os dias pelo menos meia hora, eu poderia me embriagar naquele ar viciado. Que se eu mesma não colocasse a bomba da gasolina no meu carro para abastecer, eu iria ficar sem andar, pois frentista era coisa de Brasil. Que se eu não levasse as minhas sacolas para o supermercado, iria pagar de novo e de novo e de novo, por cada uma que pegasse de novo. Pois, de graça, só no meu país. Que se eu deixasse lixos misturados na porta da minha casa e em dias errados, teria que voltar com ele pra dentro, pois os lixeiros ali respeitavam à natureza e tem mais... garrafas de vidros inteiras ou quebradas iriam para os "container". As brancas no "container" branco, as verdes no verde, as marrons no marrom, e se eu fizesse errado até a minha consciência iria me punir. Pensei: Essa mulher deve estar de sacanagem. Definitivamente não foi com a minha cara. Ela pode até não ter ido com a minha cara, mas foi com a minha pessoa pra cima e pra baixo... escolas, creches, mercados... mostrando e ensinando as regras do seu país, com um carinho e uma boa vontade, que me deixava sem graça. O seus exemplos, eu copiei e colei para seguir na minha vida toda. A Suse foi o meu melhor elo habitual e cultural daquela época. Sem ajuda dela teria sido muito mais difícil. Muito obrigada, amiga! Te adoro!
Ivoni. Lembro-me com doçura daquela mulher estilosa batendo na porta da mansão assombrada, com uma delicadeza de quem bate nas teclas de um piano. Brasileira, mas de traços europeus, estava na Alemanha também em Missão. Eu estava esperando a visita dela, mas quando a vi pelo vidro transparente da porta, me senti um tanto desarrumada para receber tão elegante dama. Trajava um casaco fino cinza escuro, um chapéu preto de lacinho discreto e botas de cano não muito alto não muito baixo, mas de uma qualidade vista de longe. Bastou entrar e me abraçar com aquele amparo de mãe para que eu me derretesse toda por ela.
Ela me ensinou a aproveitar as coisas boas que o inverno oferece: aconchegar e iluminar a casa com velas decorativas, ouvi músicas suaves tomando um chá e olhando a neve cair lá fora, comer e beber o que só existia na estação, ter um pinheiro de verdade no natal, visitar as feirinhas natalinas, encher a banheira de espuma e curtir um banho quentinho, fazer bonecos de neve com as crianças, tirar muitas fotos para ter de recordação, pois cinco anos passam muito rápido e com certeza, eu iria chorar no dia em que fosse embora dali. Ela me passou essa sensação nostálgica e positiva que o inverno nos proporciona, e que só ela com aqueles lindos pares de olhos azuis, para ver os dias cinza de dezembro, super colorido. Até me vestir para o frio, foi ela quem me ensinou. Disse-me para me comparar a uma cebola: "coloque essa camada, depois essa, depois essa e por último, essa. Pronto!" Meu Deus! Sinceramente, depois de todas essas camadas só foi possível me comparar a um barril de cerveja.
Que luxo ter conhecido essas duas pessoas. Elas fortaleceram a minha identidade. Eu tinha que deixá-las registradas aqui no meu cantinho já que o meu coração não é eterno. Depois de tudo que elas me passaram me sentir na obrigação de começar a reagir. E entre mímicas e faz de conta que entende tudo, fui dando minhas primeiras passadas. Eu havia apanhado em Ibicaraí, na Bahia, mas apanhei manso, na língua baiana. Dói muito mais apanhar na língua dos alemães. Ah, mais eu me vingo! Espere só pra ver.
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*Iram M., assim esta assinada a crônica acima, na web. Ela mesma diz: no "Quem sou": Iram M., Viena, Áustria. Sou apenas o que sei ser: Mãe, mulher e amiga. Sou o que gosto de ser, porque possuo apenas uma vida e nela às vezes tenho até duas ou mais chances de fazer o que quero".
3 comentários:
Querido,
Muito obrigada pela homenagem!
Realmente você me deixou muito envaidecida com seu gesto. Logo você, dono de textos tão ricos e sensíveis. Te ler é como andar nas núvens: a gente fica livre, leve e solto.
Muito prazer! Com carinho:
Iram
Cheguei ao seu blog Francisco, atavés de uma imagem. Gostei muito, gosto da maneira como brinca, poeticamente, com as palavras. Parabéns, obrigada por partilhar na blogosfera o seu sentir. Boas Festas, também.
Olá Francisco!
Muito legal seu texto "A Elas com Carinho"...
Entao "elas" foram boas professoras e voce bom aluno, pelas terras da batatolândia!?!
Se o "frio aqui matasse" de nós já nao restaria nem mesmos as cinzas...
É com prazer, que passo por aqui, para deixar-lhe meu abraco.
Ana Pitangueira IWA
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