PEDRA E POESIA
Modesto de Abreu*
A pedra aparece como fonte de inspiração poética na moderna poesia brasileira. Isso acontece, pelo menos, na obra de dois dos seus expoentes máximos: o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, diplomata e membro da Academia Brasileira de Letras, e o seu êmulo mineiro Carlos Drummond de Andrade, que bem poderia ter-se integrado na carreira diplomática, mas que não sente nenhuma vocação para o amável convívio acadêmico.
A Drummond dediquei, nas Cem Trovas sem Travo, uma quadrinha glosando tanto quanto talvez gozando o pequeno poema que lhe deu fama como praticante da poesia pétrea. Quadrinha que aqui reproduzo, em sua homenagem:
“Tinha uma pedra no meio
Do caminho, bem no centro:
Era itabirito – e veio
Dos veios de Mato Dentro.”
Leio agora os poemas de um terceiro vate inspirado na pedra. Francisco Miguel de Moura, que já nos brindou com um livro do mesmo gênero, “Areias”, e um substancioso ensaio em torno da obra do romancista O. G. Rego de Carvalho, oferece-nos agora nova coletânea poética a que pôs por título “Pedra em Sobressalto”, em edição Pongetti, de 1974.
Nascido na cidade piauiense de Picos, o poeta sente-se como que petrificado, imune a toda e qualquer forma de expressão exteriorizadora dos sentimentos que lhe vão n’alma, conforme se depreende destes versos:
ANTI-SAUDADE
“E me fizeram deste jeito:
- Duro (duro como pedra.)
Nenhum musgo me medra,
nenhuma ave decanta
outra desgraça
e consumo.
Lágrima?
- Só muito apressada.
Sem expressão do tempo,
feito nuvem,
feito nada.
Duro (duro como pedra)
repercuto
do princípio
ao
fim.”
Toda essa dureza pétrea, no entanto, é puramente formal, ou formalística. O poeta revela-se profundamente sensível aos sofrimentos humanos e, em particular, às milenares tragédias que afligem esta nossa conturbada e sofrida humanidade.
Eis aqui uma esplêndida amostra, com a qual o bardo da poética terra de Da Costa e Silva nos prova que por baixo dessa camada magmática monolítica há sangue, nervos, cérebro, consciência em estuante profusão:
VI-VENDO
“Mundo em que estamos vivendo:
coisas?
soluções?
palavras.
Este que estamos fazendo,
consentindo:
- Uns choram, outros riem,
uns levantando, outros caindo.
Racismo: África do Sul, América do Norte.
Fome: Terceiro mundo.
Guerras: Israel, Egito, Indochina.
Muros na Alemanha, muralhas na China.
Cortinas e mais cortinas.
Problemas do homem civilizado
(ou civil-isento).
E o Papa na encruzilhada do destino
combate diferente,
sem arma na mão:
- Tome séculos de cristianismo.
Mais: mulheres de mini (saia)
vão às partes,
têm filhos,
engolem pílula, pílula...
Assim: amor morrendo,
nós continuando menos:
- Cantamos só o que se renova:
minuto,
vida,
pensamento
e a impotência e o desespero.
Algum dia ficaremos mudos.”
Outro do mesmo teor: Opções, que por igual transcreveríamos, não fosse a angústia do espaço. E ainda: Mangalheiro, Subvivência, Confabulário, Esperança, Cânceres.
O livro é dividido em quatro partes: Pré-poema, Lírica, Antilírica e Integrativos. Pertencem à penúltima: Existencial e Consolo, em que podemos rastrear influências concretistas.
Francisco Miguel de Moura, que entra este ano na risonha casa dos 42, teve-os bem vividos, afirmando-se um desses verdadeiros heróis pelo poder da vontade: tendo começado como simples lavrador, galgou um a um os sucessivos graus de instrução, tendo sido mestre-escola, comerciário, escrivão de polícia e, finalmente, bancário, atividade que exerce no Banco do Brasil.
Dominando com perfeita mestria o verso e o idioma, o poeta de Pedra em Sobressalto confirma e amplia os méritos literários postos à prova com a publicação dos livros anteriores, recebidos com significativos encômios pela crítica mais autorizada.
(Publicado no ‘JORNAL DE POESIA”, Recife, março-abril de 1975).
_______________________
* Modesto de Abreu é poeta, contista, teatrólogo, biógrafo, crítico literário e jornalista fluminense.
Modesto de Abreu*
A pedra aparece como fonte de inspiração poética na moderna poesia brasileira. Isso acontece, pelo menos, na obra de dois dos seus expoentes máximos: o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, diplomata e membro da Academia Brasileira de Letras, e o seu êmulo mineiro Carlos Drummond de Andrade, que bem poderia ter-se integrado na carreira diplomática, mas que não sente nenhuma vocação para o amável convívio acadêmico.
A Drummond dediquei, nas Cem Trovas sem Travo, uma quadrinha glosando tanto quanto talvez gozando o pequeno poema que lhe deu fama como praticante da poesia pétrea. Quadrinha que aqui reproduzo, em sua homenagem:
“Tinha uma pedra no meio
Do caminho, bem no centro:
Era itabirito – e veio
Dos veios de Mato Dentro.”
Leio agora os poemas de um terceiro vate inspirado na pedra. Francisco Miguel de Moura, que já nos brindou com um livro do mesmo gênero, “Areias”, e um substancioso ensaio em torno da obra do romancista O. G. Rego de Carvalho, oferece-nos agora nova coletânea poética a que pôs por título “Pedra em Sobressalto”, em edição Pongetti, de 1974.
Nascido na cidade piauiense de Picos, o poeta sente-se como que petrificado, imune a toda e qualquer forma de expressão exteriorizadora dos sentimentos que lhe vão n’alma, conforme se depreende destes versos:
ANTI-SAUDADE
“E me fizeram deste jeito:
- Duro (duro como pedra.)
Nenhum musgo me medra,
nenhuma ave decanta
outra desgraça
e consumo.
Lágrima?
- Só muito apressada.
Sem expressão do tempo,
feito nuvem,
feito nada.
Duro (duro como pedra)
repercuto
do princípio
ao
fim.”
Toda essa dureza pétrea, no entanto, é puramente formal, ou formalística. O poeta revela-se profundamente sensível aos sofrimentos humanos e, em particular, às milenares tragédias que afligem esta nossa conturbada e sofrida humanidade.
Eis aqui uma esplêndida amostra, com a qual o bardo da poética terra de Da Costa e Silva nos prova que por baixo dessa camada magmática monolítica há sangue, nervos, cérebro, consciência em estuante profusão:
VI-VENDO
“Mundo em que estamos vivendo:
coisas?
soluções?
palavras.
Este que estamos fazendo,
consentindo:
- Uns choram, outros riem,
uns levantando, outros caindo.
Racismo: África do Sul, América do Norte.
Fome: Terceiro mundo.
Guerras: Israel, Egito, Indochina.
Muros na Alemanha, muralhas na China.
Cortinas e mais cortinas.
Problemas do homem civilizado
(ou civil-isento).
E o Papa na encruzilhada do destino
combate diferente,
sem arma na mão:
- Tome séculos de cristianismo.
Mais: mulheres de mini (saia)
vão às partes,
têm filhos,
engolem pílula, pílula...
Assim: amor morrendo,
nós continuando menos:
- Cantamos só o que se renova:
minuto,
vida,
pensamento
e a impotência e o desespero.
Algum dia ficaremos mudos.”
Outro do mesmo teor: Opções, que por igual transcreveríamos, não fosse a angústia do espaço. E ainda: Mangalheiro, Subvivência, Confabulário, Esperança, Cânceres.
O livro é dividido em quatro partes: Pré-poema, Lírica, Antilírica e Integrativos. Pertencem à penúltima: Existencial e Consolo, em que podemos rastrear influências concretistas.
Francisco Miguel de Moura, que entra este ano na risonha casa dos 42, teve-os bem vividos, afirmando-se um desses verdadeiros heróis pelo poder da vontade: tendo começado como simples lavrador, galgou um a um os sucessivos graus de instrução, tendo sido mestre-escola, comerciário, escrivão de polícia e, finalmente, bancário, atividade que exerce no Banco do Brasil.
Dominando com perfeita mestria o verso e o idioma, o poeta de Pedra em Sobressalto confirma e amplia os méritos literários postos à prova com a publicação dos livros anteriores, recebidos com significativos encômios pela crítica mais autorizada.
(Publicado no ‘JORNAL DE POESIA”, Recife, março-abril de 1975).
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* Modesto de Abreu é poeta, contista, teatrólogo, biógrafo, crítico literário e jornalista fluminense.
4 comentários:
É adorável ler seu texto. Dá vontade de continuar lendo e lendo.Inteligente, claro e bem escrito, atinge seu objetivo.
Quanto ao livro, vou lê-lo. Obrigada. Parabéns pelo blog.
Beijos.
Caro blogueiro,
A campanha de vacinação contra Influenza H1N1 foi prorrogada até 2 de junho. Gestantes, doentes crônicos, adultos de 20 a 39 anos e agora crianças de 6 meses a 5 anos devem se imunizar. A vacina contra o vírus que já matou mais de 2 mil brasileiros, está disponível nos postos de saúde pública de todo o Brasil. Ela foi testada, é segura e mais de 300 milhões de pessoas já foram imunizadas com esta vacina no Hemisfério Norte.
Por isso, é muito importante contar com a sua colaboração! Você pode ajudar por meio de materiais que disponibilizamos especialmente para blogs.
Para mais informações sobre como se tornar um parceiro, escreva para fernanda.scavacini@saude.gov.br
Atenciosamente,
Ministério da Saúde
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