Francisco Miguel de Moura*
O título do romance de Dílson Lages lembra a agradável obra clássica de Emily Brontë, “O morro dos ventos uivantes”. Aqui, a sugestão bem me atrai, mas não me parece fácil escrever crítica de romance. Ainda mais porque sabemos da cultura, sensibilidade e criterioso modo de ser e de fazer literatura do Prof. Dílson Lages. Poeta dos melhores da nova geração, e, como divulgador e crítico, um incansável.
A crítica de romance merece muito mais atenção, por ser uma obra superior, assim como uma sinfonia feita de muitas vozes, mas no fundo uma obra ou monumento para ser lido e apreciado pelo povo nela figurante: personagens, história, forma de ser, de agir e de reagir. Reúne o clássico ao popular. Como na epopéia. E também porque tratamos do poeta, porém estreando na ficção, com “O morro da Casa Grande”. Romance ou novela? Penso que hoje essas separações não são estanques, nem mesmo quando se referem à ficção menor: conto e crônica. No dia do lançamento, eu dizia que se tratava de um romance de espaço, e citei “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, para exemplificar. Ao encontrar o cachorro “Tubarão”, em companhia de Genésio, lembrei-me da cachorra “Baleia” e Fabiano. E nada mais seria de lembrar, mesmo porque o estilo do mestre Graça é muito seco e o do Dilson é bastante lírico.
Depois de uma segunda leitura, verifico que, de fato, “O morro da Casa Grande” é um obra ficcional de espaço, dentro da conhecida classificação do Prof. Massaud Moisés: romance de tempo, personagem e espaço. Os personagens mais importantes, aqui, são a cidade de Barras, a Igreja (mais do que a Casa Grande) e a fazenda (ou as fazendas). Mais que os coronéis, elevam-se Genésio (o empregado, o faz-de-um-tudo) e o menino Marciano (neto e bisneto de um dos coronéis). Por isto mesmo é um romance histórico, onde campeia a poesia e cai a ficção para o seu degrau estritamente necessário, como todo romance à clef. Mas é incrível como sua prosa levanta esse passado de Barras, da cidade que se desenvolve e das fazendas que decaem no patriarcalismo em extinção. Sente-se o gosto da terra e da gente fervilhando num passado que morre aos poucos e aos poucos se integra em novas formas de vida, trabalho e expectativas. A reconstituição saudosa, em vida e linguagem, desse passado recente – meado do século XX – é sem dúvida o grande mérito da obra, sem esquecer o estilo vazado com o esmero de mestre: - Claro, escorreito e poético do princípio ao fim, basta uma releitura do 1º capítulo tão elogiado, e com razão, pelo crítico Rogel Samuel, por seus movimentos: o rio Marataoã se deslocando, as ondas de vento e de luz, o leque da balconista Florisbela fazendo coreografias, a montaria em cadência, os cabelos das carnaúbas... Na verdade, um momento antológico da obra.
Cabe ressaltar que nossa literatura é rica em estilistas. Apesar das grandes diferenças, citamos José de Alencar, Machado de Assis, Graciliano Ramos e O.G. Rego de Carvalho, cujas leituras nos animam a sempre escrever com responsabilidade, paciência e paixão. Eles foram e são nossos mestres, e Dílson Lages deve ter bebido nessas e em muitas outras grandes fontes a prática do estilo e da criação que estimulam o seu talento. Muito mais teria a dizer, mas essas palavras bastam como testemunho: “O morro da Casa Grande” é uma obra valiosa e representativa da nova geração de escritores piauienses, filiando-se ao que seria uma epopéia moderna, onde sentimos que todos os acontecimentos estão sendo moldados como unidade estilística e poética, para relevo das tradições e estudo das grandes transformações que sofremos hoje, inclusive na literatura.
Parabéns, Dílson Lages, por sua estréia na ficção.
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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro
Um comentário:
A ficção é lugar para poucos, portanto que sejam bem vindos aqueles que se arriscam.
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