Francisco Miguel de Moura*
Nós brasileiros merecemos das entidades ligadas à cultura e à literatura, com apoio do próprio governo, a divulgação da obra do grande mestre e fundador da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis, no ano de 2008. Mais do que necessárias e justas foram estas homenagens. Neste 2009, está acontecendo o mesmo com relação a Euclides da Cunha, o inolvidável autor de “Os Sertões”, livro que eu diria seminal dos estudos da sociedade brasileira nos momentos de suas manifestações mais agudas, mais cruciantes. Este é o ano de Euclides, como o ano passado foi de Machado de Assis.
Nossa Academia (APL), no dia 8 do corrente, antecipando um pouco a data (15 de agosto) do falecimento do escritor homenageado, também celebrou o ano do professor, sociólogo, repórter jornalista, engenheiro e escritor Euclides da Cunha, com uma conferência proferida pelo escritor e acadêmico Dagoberto Carvalho. A seguir houve um debate comandado pelo Prof. Paulo Nunes, sendo debatedores Celso Barros Coelho, Francisco Miguel de Moura e Oton Lustosa, todos acadêmicos e escritores, sob o comando do Presidente da APL, Des. Manfredi Cerqueira.
Por minha parte, durante cerca de 5 minutos, falei algumas coisas objetivas, uma das quais foi a questão de “Os Sertões” como romance, referida pelo conferencista do dia, o que, aliás, eu já havia manifestado quando compunha “Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho”, em 1972. A emoção que se sente ao ler o livro mor de Euclides é diferente da comum aos demais romances, visto que a tragédia foi real e se deu entre o Estado prepotente, enfrentando um pequeno grupo de matutos sem letras, místicos sem armas, maltrapilhos e famintos, no fundo dos sertões da Bahia. Foi uma guerra, a de Canudos, que não teve vencedor. A lógica diz que se não há vencidos, não há vencedores. E de Canudos não restou ninguém, salvo as caveiras insepultas dos que foram barbaramente mortos ali. Até então, uma tragédia inédita na história.
Na primeira parte do livro, quando Euclides descreve a terra, carregando nas tintas da crueza e do abandono, certamente o seu estilo parece um cipoal de vocábulos e frases desconhecidos ou desusados até então pelos homens da burguesia mandante e sanguinária. Daí ter o crítico Carlos de Laet classificado como “estilo de cipó” aquela maravilha de descrições e observações de Euclides. Aproveitando a ocasião, repeti, referindo-me às palavras do Prof. Paulo Nunes:
- Euclides nos pega primeiramente pelo estilo, assim como os cipós pegam os homens quando viajam pelo mato (como vaqueiros) ou mesmo pelas estradas mal abertas. Os cipós pegam-nos e nos levam ao chão. Só assim vamos conhecer onde pisamos. Estilo de cipó, para quem conhece a região descrita, foi um elogio. É um elogio a Euclides da Cunha.
“Os Sertões” foi o primeiro grande livro que li, aos vinte anos. E foi uma felicidade. A ele voltei para a segunda leitura e depois para as pesquisas. Quem não leu Euclides da Cunha não conhece o Brasil.
***
PS: Na homenagem que a Academia Piauiense de Letras prestou ao grande brasileiro Euclides da Cunha, depois de informar que Euclides também era poeta e que havia encontrado na internet pra mais de cem poemas de sua autoria, encerrei minhas palavras recitando seu poema mais conhecido, a seguir transcrito:
Se acaso uma alma se fotografasse
de sorte que, nos mesmos negativos,
a mesma luz pusesse em traços vivos
o nosso coração e a nossa face;
E os nossos ideais, e os mais cativos
de nossos sonhos... Se a emoção que nasce
em nós, também nas chapas se gravasse,
mesmo em ligeiros traços fugitivos:
Amigo, tu terias com certeza
a mais completa e insólita surpresa
notando - deste grupo bem no meio -
Que o mais belo, o mais forte, o mais ardente
destes sujeitos é precisamente
o mais triste, o mais pálido, o mais feio.
___________
(Da "Antologia dos Poetas Bissextos Contemporâneos", de Manuel Bandeira, Ed. Org. Simões, Rio, 1964 - 2ª edição, pg. 56).
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*Francisco Miguel de Moura – Escritor ficcionista e poeta brasileiro, membro da Academia Piauiense de Letras, imaile: franciscomigueldemoura@superig.com.brNós brasileiros merecemos das entidades ligadas à cultura e à literatura, com apoio do próprio governo, a divulgação da obra do grande mestre e fundador da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis, no ano de 2008. Mais do que necessárias e justas foram estas homenagens. Neste 2009, está acontecendo o mesmo com relação a Euclides da Cunha, o inolvidável autor de “Os Sertões”, livro que eu diria seminal dos estudos da sociedade brasileira nos momentos de suas manifestações mais agudas, mais cruciantes. Este é o ano de Euclides, como o ano passado foi de Machado de Assis.
Nossa Academia (APL), no dia 8 do corrente, antecipando um pouco a data (15 de agosto) do falecimento do escritor homenageado, também celebrou o ano do professor, sociólogo, repórter jornalista, engenheiro e escritor Euclides da Cunha, com uma conferência proferida pelo escritor e acadêmico Dagoberto Carvalho. A seguir houve um debate comandado pelo Prof. Paulo Nunes, sendo debatedores Celso Barros Coelho, Francisco Miguel de Moura e Oton Lustosa, todos acadêmicos e escritores, sob o comando do Presidente da APL, Des. Manfredi Cerqueira.
Por minha parte, durante cerca de 5 minutos, falei algumas coisas objetivas, uma das quais foi a questão de “Os Sertões” como romance, referida pelo conferencista do dia, o que, aliás, eu já havia manifestado quando compunha “Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho”, em 1972. A emoção que se sente ao ler o livro mor de Euclides é diferente da comum aos demais romances, visto que a tragédia foi real e se deu entre o Estado prepotente, enfrentando um pequeno grupo de matutos sem letras, místicos sem armas, maltrapilhos e famintos, no fundo dos sertões da Bahia. Foi uma guerra, a de Canudos, que não teve vencedor. A lógica diz que se não há vencidos, não há vencedores. E de Canudos não restou ninguém, salvo as caveiras insepultas dos que foram barbaramente mortos ali. Até então, uma tragédia inédita na história.
Na primeira parte do livro, quando Euclides descreve a terra, carregando nas tintas da crueza e do abandono, certamente o seu estilo parece um cipoal de vocábulos e frases desconhecidos ou desusados até então pelos homens da burguesia mandante e sanguinária. Daí ter o crítico Carlos de Laet classificado como “estilo de cipó” aquela maravilha de descrições e observações de Euclides. Aproveitando a ocasião, repeti, referindo-me às palavras do Prof. Paulo Nunes:
- Euclides nos pega primeiramente pelo estilo, assim como os cipós pegam os homens quando viajam pelo mato (como vaqueiros) ou mesmo pelas estradas mal abertas. Os cipós pegam-nos e nos levam ao chão. Só assim vamos conhecer onde pisamos. Estilo de cipó, para quem conhece a região descrita, foi um elogio. É um elogio a Euclides da Cunha.
“Os Sertões” foi o primeiro grande livro que li, aos vinte anos. E foi uma felicidade. A ele voltei para a segunda leitura e depois para as pesquisas. Quem não leu Euclides da Cunha não conhece o Brasil.
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PS: Na homenagem que a Academia Piauiense de Letras prestou ao grande brasileiro Euclides da Cunha, depois de informar que Euclides também era poeta e que havia encontrado na internet pra mais de cem poemas de sua autoria, encerrei minhas palavras recitando seu poema mais conhecido, a seguir transcrito:
Se acaso uma alma se fotografasse
de sorte que, nos mesmos negativos,
a mesma luz pusesse em traços vivos
o nosso coração e a nossa face;
E os nossos ideais, e os mais cativos
de nossos sonhos... Se a emoção que nasce
em nós, também nas chapas se gravasse,
mesmo em ligeiros traços fugitivos:
Amigo, tu terias com certeza
a mais completa e insólita surpresa
notando - deste grupo bem no meio -
Que o mais belo, o mais forte, o mais ardente
destes sujeitos é precisamente
o mais triste, o mais pálido, o mais feio.
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(Da "Antologia dos Poetas Bissextos Contemporâneos", de Manuel Bandeira, Ed. Org. Simões, Rio, 1964 - 2ª edição, pg. 56).
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