Francisco Miguel de Moura*
É um fato que os velhos sofrem de falta de memória, mas nunca deixam de contar histórias de sua vida, relacionando com outras vidas; lembram sua infância, pessoas, fatos, frases, provérbios, sentenças, palavras que lhe influenciaram na construção da existência. Como tudo é matéria de memória, a gente consegue lembrar fatos marcantes, pessoas, coisas, aqui e acolá – lembrança descontínua como nos sonhos. Mas os doentes do mal de Alzheimer não lembram nada. Essa doença é conhecida popularmente por demência. Há outros que perdem a capacidade de memorizar coisas novas, mas não esquecem o passado. Radicalizando, memória é vida. Sem memória a vida perde o sentido.
Diante da presença ou ausência da memória na vida humana, os cientistas levantam questões sobre os tipos de memória e como melhorá-la, ou não deixar que se desgaste mais que o natural. A revista “Superinteressante” (Abril de 2009) mostra registra uma classificação da memória: processual, visual, episódica, topocinética e semântica, todas igualmente necessárias e úteis para uma vida saudável. Penso que há também uma memória sensitiva ou sentimental como lembrou Schopenhauer, o filósofo de “O mundo como vontade e representação”, que não se enquadraria em nenhuma delas. Vale lembrar que dois participantes de um mesmo episódio causador, igualmente, de emoções, contarão o fato de forma muito diferente, o que quer dizer que toda memória é individual. A consciência coletiva é difícil ou impossível, diferentemente do “inconsciente coletivo”.
Além do mal de Alzheimer, outras doenças podem afetar de modo irrecuperável a memória, não apenas dos velhos: – as depressões, escleroses, esquizofrenias, entre outras. E, provavelmente, todas as doenças do sistema nervoso afetam a memória. Não obstante os 100 bilhões de neurônios sejam suficientes para guardar todas as informações que existem, ou bem mais, toda pessoa esquece, não é possível lembrar tudo ao mesmo tempo. A memória funciona por associação como a linguagem: esta, através de palavras e sons; aquela, por intermédio de idéias e imagens. Não obstante os esforços desenvolvidos, não há remédio para a memória. Há formas de vida que favorecem a sua permanência: exercícios físicos, contemplar a natureza, ler e escrever. A leitura é um dos melhores fortificantes para a memória, assim se expressa o neurologista Ivan Izquierdo. Alimentar-se bem e evitar grande carga de estresse são outros tantos expedientes, tal como conservar-se o mais que possível de bom humor. Para tanto, quando se quer lembrar algo (um nome, um número, etc.) e a memória não acode, o melhor é relaxar. Ela precisa de descanso. Quando você esquecer as coisas que está tentando lembrar – ela, a memória, vem. Era o espaço que ela pedia. Isto acontece com o computador: quando você abre muitas janelas, pede muitos dados ao mesmo tempo, ele trava.
Por último nos referimos aos escritores. Eles têm como matéria viva a memória. Mas, neles, a memória é uma pálida lembrança de fatos atualizados pela mente, na hora do escrever. Essa atualização é criatividade na riqueza dos detalhes, nos requintes do estilo, na coerência dos fatos, quando não acréscimos, por derivação. Fernando Pessoa tinha razão quando disse: “O poeta é um fingidor, finge tão completamente...” Contadores de histórias, sejam da oralidade ou da escrita, são mentirosos no bom sentido. Não, racionalmente, como os psicopatas. Aliás, o homem é um eterno mentiroso. Mente na vida comum e mente muito mais no amor que é aquilo que mais caracteriza a humanidade do homem.
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*Francisco Miguel de Moura - Poeta brasileiro, membro da Academia Piauiense de Letras e de outras instituições culturais e literárias do Brasil. Web - http://cirandinhapiaui.blogspot.com
E-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br
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