sexta-feira, 17 de outubro de 2025

 

QUERENÇAS

               Francisco Miguel de Moura*

 

Quero ter a vaidade dos caminhos:

dão passagem, mas pouco dão abrigo.

Quero ter o orgulho do tufão,

Quero ter a tristeza do jazigo.

 

Quero sentir da tarde a lassidão

e a solidão da noite no deserto,

das pobrezinhas flores – o perfume,

como as nuvens – ficar no céu aberto.

 

Quero ter emoções de amor secreto,

sentir como se sente uma paixão,

pra cantar glórias e chorar amores.

 

Quero viver do ideal concreto,

quero arrancar de mim o coração,

incapaz de conter todas as dores.

 

_-----------------______________________                      

*Francisco Miguel de Moura, poeta do universo.

Este é meu primeiro soneto (“Areias”, 1966)

 

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

 

FILOSOFIA DO TRIVIAL

                    Francisco Miguel de Moura*

 

Acendido o cigarro, o fumo passa

a alongar-se pra o alto com desdém.

Outro cigarro acende-se: Fumaça

voa do peito. Vai procurar quem?

 

Por que tão logo em cinza se consome?

Voltamos a pensa outra desgraça,

outra tristeza que não sei o nome.

E nossa vida esvai-se e se adelgaça!

 

Por um momento cresce e se avoluma,

por um momento cria a dor das crenças

para depois se transformar em bruma.

 

Pensando bem (ou mal) a vida passa:

- Um punhado de crenças e descrenças,

um minuto, um cigarro, uma fumaça!...

 

____________

“Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiror.

(Este é um poema do meu livro "Areias" 1966)

domingo, 5 de outubro de 2025

 

SAUDADE OCEÂNICA

               

             Francisco Miguel de Moura*

 

Na partida, um oceano sem escolta

cala meu peito em descontentamento.

– Vais aonde – eu pergunto – onda revolta? 

E ela me corta o coração por dentro.

 

Sou areia, sou rocha e, em meu tormento,

choro e declamo, e o fogo me devora;

qual vulcão que nos mostra o epicentro,

outro vulcão me nasce aqui por fora.

 

Na partida, eu prometo consolar-me

do vácuo que me tolhe. E, sem alarme,

no amor a Deus apenas me concentro.

 

Meu mundo é solidão, é só saudade

de quem levou minha tranqüilidade,

de quem partiu meu coração por dentro.

 

_______

*Poeta brasileiro, mora em Teresina, Piauí

terça-feira, 23 de setembro de 2025

 

               PROF.  SANTANA - UM SÁBIO E SONHADOR

                                                              Francisco Miguel de Moura*

         Raimundo Nonato Monteiro de Santana, filho de Arão Ferreira de Santana e Maria Monteiro de Santana, nasceu em Campo Maior-PI aos 27-02 -1926 e faleceu em Teresina-PI, em 15-06-2018, aos 92 anos de idade. Casou-se com Magnólia Nogueira Paranaguá, de cujo consócio nasceram os filhos Aarão, Ângela, Guadalupe, José Francisco, Miriam e Sônia.  Inicialmente registramos o essencial de sua biografia física, acrescentando mais que durante toda sua vida ativa Raimundo Santana foi professor, cuja atividade se coadunava bem com a sua pessoa culta, sábia e sonhadora.  Formado em Direito pela Universidade Federal do Ceará, em 1949, depois também diplomado pelo Instituto Superior de Economia, em Economia Política,

         Teceremos, suscintamente, um pouco da sua biografia cultural e afetiva, visto que nenhum homem vale apenas pelos anos de vida e sim por suas obras e pela cultura que amealhou e transmitiu em favor de sua terra e dos seus contemporâneos. Pois cultura e saber sinonimizam libertação.  Não é fácil tecer uma biografia do Professor Santana, homem culto, sábio e sonhador, deixando seus rastros em tudo o que realizou. Antes de tudo, me proponho dizer um pouco da nossa vivência e da amizade que construímos, em pouco tempo, quer como membro da Academia Piauienses de Letras, quer como pessoas de cultura, de profundas leitura e de sábia construção do dia a dia. Lembro-me da primeira vez que ouvi o Prof. Santana, na Faculdade de Filosofia do Piauí, assistindo ouvindo uma palestra sua, não me lembro especificamente do assunto, mas certamente tratava de suas variadas formas de apresentar a economia brasileira, a cultura e o desenvolvimento cultural do Piauí e do Brasil. Ao meu lado, estava o colega Antônio José Medeiros, ambos atentos às as palavras que o Prof. Santana pronunciava naquela noite, ora aprovando com o silêncio, ora com palmas. Em dado momento, como questionador contumaz, eu quis interrompê-lo com uma pergunta. Porém meu colega sugeriu que eu não o fizesse, porque, com certeza, mais à frente o questionamento de agora iria ser explicitado pelo orador. Dito e feito. O Prof. Santana, consciente e sábio, ia desenvolvendo o seu raciocínio veloz e vibrante tanto quanto certeiro. Sua imagem de orador e sábio, ficou-me por algum tempo. Até uma segunda vez, quando me encontraria com ele, numa livraria de nossa Capital. É que ele já estava deixando Brasília, onde lecionava na Universidade Federal e deseja fixar residência no Piauí. Aí, sim, passei a conhecer o homem natural, desvestido dos seus argumentos científicos e lógicos e de sua bela oratória. Foi, então, que eu comecei a sentir a criatura sensível, humana e amigável. E com esta nova visão, passei a conviver no ambiente acadêmico, onde eu era Secretário Geral e ele ainda apenas um acadêmico como eu. Lembro-me que eu, o Hardi Filho e nossas esposas fomos visitá-lo numa casa simples e modesta da Zona Sul de nossa Capital. Fomos recebidos gentilmente por Dona Magnólia, sua amável esposa.
E esta amizade, ali iniciada, mereceria um capítulo à parte, mas registremos o essencial. Posso dizer que na Academia ou  onde quer que estivesse, ele lembrava Dona Magnólia com uma doçura de palavras que propriamente  sò saem da boca de quem  muito ama. Quando ela faleceu, ele quase chorava  ao citar o  nome dela. A partir desse episódio triste de sua vida, creio que ele começou a morrer, certamente uma das causas do abatimento de sua saúde. Registro que daí nossa amizade continuou mais próxima, especialmente na Academia Piauiense de Letras, onde ele, ocupante da cadeira n° 32, patroneada por Antonino Freire da Silva.  Algum tempo depois, o Professor Santana foi eleito Presidente da “Casa de Lucídio Freitas”.  Seu mandato foi nos anos 2020 e 2021, E, ao tempo, eu era o Secretário Geral. Lembro-me bem que, durante seu mandato, animado por sua dinâmica, desdobrei-me em zelo no exercício do que me cabia. No final, aberta a vaga da Presidência, na Academia Piauiense de Letras, ele me convidou, nestas palavras: “Chico Miguel, penso em apontar você para o cargo de Presidente da Academia. Concorra e eu me comprometo a apoiá-lo.”  Eu me desculpei e agradeci o seu belo gesto, dizendo que eu não tinha queda para dirigir. Na Presidência, embora alguns funcionários se queixassem depois de que ele era muito rigoroso, eu interpretava  seu estilo de trabalho seguro e zeloso de quem quer fazer o máximo possível.   Não posso esquecer de que o Prof. Santana sempre me ouvia antes de tomar decisões importantes. Lembro-me de quando eu havia preparado a Revista da Academia, especialmente na parte de revisão, e levei-a para ele assinar a página de apresentação.   E ele confiou-me a referida escrita e aprovou-a totalmente. Durante o seu mandato, ele sempre me levava, em companhia,  quando íamos visitar empresas e requer, junto a elas, auxílio para publicação de livros do interesse da Academia.  Algumas obras, não lembro todas, foram feitas com auxílio do Banco do Nordeste, entre as quais, a primeira edição de “Literatura do Piauí”, 2001, de minha autoria.  Também foi promovido, junto ao jornal  “Meio Norte”, o suporte econômico para edição de 16 “Revistas” sobre ilustres piauienses já falecidos, escritas especialmente por acadêmicos da APL, cuja edição total esgotou-se rapidamente. Lembro que o primeiro número focalizava Petrônio Portela e o último, Vidal de Freitas. Foi um empreendimento que deixou lembrança e o rasto editorial da Academia, sendo, cada uma delas, de per si, enviada por mim à Biblioteca Nacional.  Outro empreendimento editorial  importante, que também resultou em publicação do livro titulado de “O Brasil no Limiar do Novo Milênio”, 2021, editado pela Academia Piauiense de Letras, cm convênio com a Fundação Cultural Banco do Brasil. Neste trabalho constam  personalidades como Assis Brasil, Cassio Nunes, Clovis Moura, Cristovam Buarque, Everton dos Santos, Manuel Paulo Nunes, Paulo Bonavides, Teresinha Queiroz e Washington de Souza Bonfim, cada uma dessas matérias  foram base de conferências no palco da APL, pelos autores,  como resumo do que aconteceu no romance, na poesia e nas demais formas de arte, no Brasil, como história, filosofia e até economia.

          Para mim, o Prof. Raimundo Santana destacou-se, não só como escritor, mas também como editor. E foi por causa desta sua importante atividade, que,  na segunda edição de  meu livro “Literatura do Piauí”, editada pela Universidade Federal do Piauí, em  2013, ao concluir a parte referente à “Geração Meridiano”,  e antes de iniciar a “Geração do CLIP”, eu fiz  uma digressão para colocar o Prof. Raimundo Nonato Monteiro de Santana, o criador do Movimento de Renovação Cultura, em 1960. Ali, eu registrei embora que de modo sucinto, sua a atividade de influenciador cultural e editor que exerceu como Presidente da entidade, propondo e editando apontamentos e capítulos da História do Piauí, de autoria de Odilon Nunes e do Monsenhor Chaves, na “Revista Econômica”, além de obras literária dos escritores Pedro Celestino e A. Sampaio, respectivamente, denominadas de  “Sinas de Seca” e “O Velho Samuel”, entre outras, livros que eu gostei de ler quando eu chegue a Teresina.  E não esqueçamos que foi no período de 1950-1960,  que ele concebeu e publicou importantes obras como “Introdução  à Problemática  da Economia Piauiense” (1957), “O Desenvolvimento Econômico Nacional na Teoria Econômica Atual” (1959) e “Evolução Histórica da Economia Piauiense” (1964).

                               OBRAS CONSULTADAS:

   Moura, Francisco Miguel de – Literatura do Piauí, Editora da Universidade Federal do Piauí, 2013.

   Santana, Raimundo Nonato Monteiro de - Integração Nacional da Economia Brasileira,  Governo Estadual, Teresina-PI, 2019.                                              

     Santana, Raimundo Nonato Monteiro de – Apontamentos para a História Cultural do Piauí, Ed. FUNDAPI, Teresina, PI, 2003.  

                                        ANEXO:

           Por último, como poeta que sou, permiti-me fazer o soneto abaixo, em sua merecida homenagem:

 

         SONETO AO AMIGO RAIMUNDO SANTANA

 

Raimundo Nonato Monteiro de Santana,

Amigo dos amigos, com um senso abençoado,

Por isto, muito forte e mais do que amado,

Produziu muitas obras... Tanto a força humana!

 

 Seu saber foi de estudo e de esforço redobrado,

Com voz forte, voz clara a ninguém enganou,

Os bons livros do mundo muito o clareou,

Jamais se viu sem força e nem sequer cansado.

 

Aos governos mostrava como ver o povo,

Dono de um viés em busca do que é novo,

Derrotou às carrancas, sem fazer ruído.

 

Raimundo Nonato vai  muito além do além,

Com gestos varonis, vibrando em fazer bem,

Em tudo, mostrou o novo, um fruto já crescido.

_____________

*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro
.

 

                                                                                        

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

 AMO E ODEIO

 

              Francisco Miguel de Moura*

 

A manhã é meu espelho:

- Odeio as coisas feitas,

quero-as todas por fazer.

Odeio o que é eleito,

quero é constrangê-lo.

Odeio o preço de mercado,

quero a liberdade sem recado.

Perfeição, repetição, alienação...

Odeio o único e o todo,

amo apenas o singular

entre tantos e outros.

Quase morro de tédio                                

por ter criado objetos, abjetos

porque não tinham arte.

 

Amo ser pleno e livre,

com uma felicidade sem remédio.

 

Ou o dia que não se repete.

_______________

*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

 


SAUDADE OCEÂNICA

               

           Francisco Miguel de Moura*

 

Na partida, um oceano sem escolta

cala meu peito em descontentamento.

– Vais aonde – eu pergunto – onda revolta? 

E ela me corta o coração  por dentro.

 

Sou areia, sou rocha e, em meu tormento,

choro e declamo, e o fogo me devora;

qual vulcão que nos mostra o epicentro,

outro vulcão me nasce aqui por fora.

 

Na partida, eu prometo consolar-me

do vácuo que me tolhe. E, sem alarme,

no amor a Deus apenas me concentro.

 

Meu mundo é solidão, é só saudade

de quem levou minha tranqüilidade,

de quem partiu meu coração por dentro.

_______

*Francisco Miguel de Moura, Poeta, mora no Piauí

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

 

LEMBRANÇAS DE TERESINA

        (No seu aniversário)

             Francisco Miguel de Moura *                     

Quando cheguei à bela Teresina,

Encantei-me qual fosse uma donzela

Por ser acolhedora e ser tão bela

Amei a praça, a rio e a velha Usina.

 

Usina não há mais, a praça, tem,

Mais pobre e esquecida do seu brilho.

Quando a visito, fico feito um filho

Cuja mãe tudo sofre, sem ninguém.

 

És estrela brilhante, sei que brilhas

De horizonte a horizonte como as ilhas

De saudade e razão do que lembramos.

 

Neste dia de festa aniversária,

A minha saudação é santa e vária

E tão maior que o tanto que te amamos.

____________

*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro.

quarta-feira, 30 de julho de 2025

 

                                                                  Auror


                        A NECESSIDADE DO SILÊNCIO

                                        Francisco Miguel de Moura*

                                                            A vida não se compõe só de afeto, mas

                                                                    às vezes do silêncio, da angústia, da dor.

 

                                                                                                           Salomão Sousa

 

          Há algum tempo, eu escrevi que Deus é silencioso. Eis aqui mais uma crônica sobre o silêncio, sua falta ou seu excesso, na sociedade. Em boa parte do dia e na maior parte da noite, que ele, o silêncio, venha: Desejamos, pedimos, amamos.

          - É verdade cristalina que a palavra é prata, mas o silêncio é ouro. Se todos falássemos de uma só vez, por uma só língua, já imaginaram, quem ouviria? Que desperdício?

          Ninguém me venha tirar ilações maliciosas dessa ideia inicial. Deus é silêncio e, se o universo parece silencioso é que nele todas a vozes se unem para entrarem no silêncio divino, projetado por Deus. E mesmo quando estamos dormindo, nosso universo (nosso cérebro) passeia.

          Calculo eu, com muita simplicidade e humildemente, que os movimentos e a rolagem dos planetas, cometas, estrelas, constelações e suas órbitas, tudo isto e tudo quando existe obedece a uma entidade superior que jamais a entenderemos. Essa rolagem do Universo é feita em música, se o nosso pequeno ouvido prestar bem atenção. O meu, de poeta, consola-se com essa santa música universal. Não será de lá que tiramos nossas canções, nossas alegrias, nossas danças e nosso amor? O cérebro humano é uma célula infinitesimal do grande Universo. E jamais vamos conhecer o grande Universo. Jamais! Aliás, quem disse que nos conhecemos a nós mesmos pelo menos?  E nossa mente, nosso espírito, nossa alma?

          Depois deste introito, podemos sair da parte subjetiva desta crônica e entrar no fato, um caso que observei hoje, pela manhã.

          Uma senhora sem atavios – pareceu-me de classe média - entra na igreja de sua paróquia. Vinha muito aflita. Pela expressão do olhar, pelo apressado passo, levando um rosário na mão. Como de comum, ao entrar fez a genuflexão e o “pelo sinal.” A igreja estava vazia. Ela preferiu não ficar no corpo geral e procurou a sala do Santíssimo, reservada para guardar as hóstias consagradas que sobraram da missa.  Escolheu um lugar bem à frente. Ajoelha-se e começa a rezar. De repente entra um cachorro.

          - Ora, ora, eu não tenho cachorro”! 

          Olhou um pouco para trás e lá estava sentada uma jovem, de boa aparência...

          - “O animal deve ser dela” - pensa.

          Mas nada perguntou. Os movimentos do cachorro atrapalharam sua reza, de forma que demorou o dobro de tempo que tinha pra rezar todo o seu terço, pedir graças a Deus e a sua mãe, a Virgem Maria. Pedir-lhes perdão de suas culpas e solicitar uma grande graça. E paz.

          - Mas, e aquele cachorro, meu Deus!

          Ao fim das orações, a mulher levanta-se, já se persignando, olha e vê o sacerdote que entrava. Este falou com ela, deu-lhe as boas-vindas, desejando que voltasse sempre. A senhora teve vontade, durante toda a reza, de levantar-se e falar com a moça. Mas... A timidez, a dúvida... Deveria ou não?... Agora, a vontade era de falar com o padre sobre aquele animal tão buliçoso. Olhando e apontando o cachorro, o padre pergunta à senhora:

          - É seu!

          - Não, senhor!

          O padre era daqueles que não têm “papa” na língua. Voltou-se para a moça, apontou o bicho e perguntou:

          - É seu?

          - É – ela respondeu secamente.

          - Mas, diga-me uma coisa, menina, cachorro reza?

          - Não. Por quê?

          - Se ele não reza, por que o trouxe para a igreja, uma casa de oração?

          - Seu padre, ele é tão meu amigo que não me larga, a gente dorme junto, come junto e anda junto...

          - Sim, ele, ele é seu amigo. Mas será também amigo daquela senhora que se distraiu com seus movimentos e quase não se concentrou na reza?

          - Não sei.

          - Então, leve o seu cachorro pra casa e nunca mais deixe que ele entre aqui. Até ele aprender a rezar com você, pois, pelo que eu vi, você não rezou nada, apenas atrapalhou. Aqui não é lugar de cachorro, tá, minha filha.

          - Tá, seu padre!

          E saiu resmungando que ele era muito chato.

          A mulher, assistindo tudo aquilo, tentou não se intrometer e dizia consigo mesma que, se não fosse o bom padre que ele é, eu nunca mais voltaria a esta igreja. Não existe só uma paróquia, nesta cidade

          - Hei de encontrar outra.

          E ela tinha razão.

          A dificuldade de sua concentração foi aguçada pelo saracoteado do animal, juntamente com muitos latidos miúdos e desagradáveis.

          Os animais são nossos irmãos, precisam ser tratados como são: criaturas de Deus, mas diferente do ser humana. Animal doméstico fica em casa. Ou pode acompanhar o dono pelas ruas. Mas isto não chega a ser aconselhável. Cachorros costumam ir, por onde vão, deixando sujeiras como defecando no passeio – caminho dos cidadãos – e mijando nos postes e até nas pernas de cavalheiros. Atesto que isto eu já vi. Se for pecado, que Deus me perdoe e que os cachorros também me perdoem.

          Mas eu não gosto deles.

          Cachorros!  Considerados os melhores amigos do homem”, sabemos que eles, salvo os chamados “vira-latas”, não amam a liberdade, são uns incondicionais aduladores nossos.  E eu não gosto de aduladores.

          Osmundo Vergado, que permaneceu calado, ouvindo minha conversa, confirma:

          - Difícil é saber quando os cachorros são amigos. Por isto, o melhor que fazemos é nos afastarmos. Desconfiar é bom. Se o cachorro é amigo do seu dono, não significa que seja amigo dos estranhos, ou mesmos dos amigos do seu dono.

 ___________

 *Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro. Esta matéria faz parte do seu livro inédito

Conversas SIênciosas, a ser editado brevemente pela Academia Piauiense de Letras.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...