terça-feira, 4 de outubro de 2022

 

        DOIS FRANCISCO: CARVALHO e MOURA

 

                                      Francisco M. Moura (Não conseguia foto de F. Carvalho)

Fortaleza, 07/05/2011

Caro Poeta

Francisco Miguel de Moura:

 

Obrigado pelo seu novo endereço residencial; já o coloquei nas minhas anotações. Obrigado, ainda, por me informar ser leitor de minha poesia, o que me honra bastante. De há muito leio sua poesia em jornais de todo o Brasil. Você é um poeta de grande popularidade, lido por apreciadores de literatura. Não lhe faço elogios gratuitos, apenas digo o que se comenta entre apreciadores da arte literária. Nenhum elogio gratuito, apenas me curvo à sua competência. Seu soneto ETERNA PAISAGEM, no verso da carta, corresponde à minha admiração e, com certeza, à de muitos outros leitores de poesia. Mando-lhe alguns sonetos inéditos guardados, à espera de publicação. No mais, um grande abraço do seu menor admirador,

                                                                   as)  Francisco Carvalho

POESIA E SONETOS

No verso da carta de 07/05/2011, acima transcrita, o poeta Carvalho, me manda o poema “Borboleta”, de seu livro “Corvos de Alumínio”, 2007, agora aqui transcrito, tal como os 5 sonetos inéditos, anexados à correspondência

BORBOLETA

   Francisco Carvalho      

Qual mensageiro da chuva,

a borboleta amarela

ou chega pelo telhado

ou entra pela janela.

Como se fosse uma nuvem

que anuncia as tempestades,

traz os aromas do inverno

dentro das asas molhadas.

Nas paredes, nos retratos

pousa o corpo de veludo.

Ali permanece imóvel

à espera dos ventos frios.

Só regressa quando chove

nas cabeceiras dos rios.

PEIXE AZUL

                    Francisco Carvalho

as estrelas te invejam. As estrelas

mais altas, mais brilhantes e mais puras.

Essas que nos contemplam das alturas

com seus raios de pontas amarelas.

 

Meus olhos te procuram nas janelas

das estrelas mais altas e mais puras.

Mas te encontro às portas das clausuras

onde os anjos te guardam das procelas.

 

Meu sonho te persegue a noite inteira,

entre lençóis que exalam teu perfume

de vinhos sazonados e gorjeios.

 

És a chama dourada da lareira,

que o vento não apaga, nem a espuma.

O peixe azul que te devora os seios.

 

SER TUDO É NÃO SER NADA

                        Francisco Carvalho

sou o que escuta a flauta dos gorjeios

o que foi carregado pelo vento

o que se perde em todos os caminhos

o peixe azul que te devora os seios.

 

O que se entrega a antigos devaneios

o que viaja sem saber se volta

o que foi a passeio em Cingapura

o peixe azul que te devora os seios.

 

O que foi namorado de uma deusa

o que aprendeu Camões na oitava rima

o que fez serenata para os veios.

 

O que alimenta os tigres da Malásia

o que namora os olhos das panteras

o peixe azul que te devora os seios.


ESTRANHAS BORBOLETAS

                Francisco Carvalho

Pousam no espelho estranhas borboletas

De asas azuis lavadas pelo inverno.

Onde se guardam versos num caderno,

A noite sai de dentro das gavetas.

 

As estrelas mais altas vão saindo

Do veludo das nuvens e aquarelas.

Contemplados de fora das janelas,

Os astros continuam reluzindo.

 

Para a ceia dos mortos nas tigelas

Anjos acendem velas cor de leite.

O mistério se alastra nas retinas

 

Das borboletas negras e amarelas

Que passeiam nas tardes cristalinas,

Sob uma luz de porcelana e azeite.

 

O SONHO DO VINHO 

                 Francisco Carvalho

Chega cedo o fantasma da velhice

Com seu cortejo de melancolia.

Restos de sonhos, restos de alegria,

Não passa o amor de uma fugaz carícia

 

Que ilude o coração dos insensatos

Com a velocidade dos minutos.

O Cristo que pregava aos seus redutos,

Contesta os argumentos de Pilatos.

 

O amor é uma mentira sedutora.

Um convite do corpo que se entrega

Ao corpo que se despe e que se oferta

 

À sedução do enleio que se doura.

O vinho adormecido nas adegas

Acorda os astros, incendeia as trevas.


O TEMPO É NOSSO EPITÁFIO

                         Francisco Carvalho

 O tempo passa, o tempo nos ilude.

O tempo nos pranteia a qualquer hora

quando amanhece, quando é noite escura,

quando a taça do amor nos comemora.

 

O eterno tempo escreve em nosso rosto

epitáfios de vento e primavera.

Rio de águas ardentes, nosso corpo

é fogo repentino que incinera.

 

Somos escravos do tempo que move

os nossos devaneios mais secretos

que escondemos à sombra dos espelhos.

 

O tempo nos enterra numa cova

com os versos que escrevemos e os sonetos

que foram novos e ficaram velhos.

                                   ---------------- 

OBS:Vaidade ou não, sou compelido a mostrar aos leitores

o soneto de minha autoria, elogiado pelo poeta Francisco Carvalho:

 as) Francisco Miguel de Moura        

ETERNA PAISAGEM

 

                     Francisco Miguel de Moura*

 

Havia a várzea verde e o canavial

E uma casa plantada lá na encosta

Do morro, onde subiram vezes tantas,

O menino e a menina, tranças soltas.

 

Nenhum sabia que ao subir o morro,

Outro mundo subia, nem sonhava

Que a inteira infância ia ficando atrás

E outro sonho talvez nascendo fosse...

 

Se apagasse a rotina lá do engenho

A moer cana, madrugada a dentro,

E as borbulhas do forno a faiscarem.

 

Mas subir é descer, no mundo estreito,

E o fogo que os queimava, sem respeito,

Transformou-se no cinza da paisagem.

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*Poetas brasileiros: Francisco Carvalho, mora em Fortaleza, CE

Francisco Miguel de Moura mora em Teresina, PI

 

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