ENTREVISTA:
FRANKLIK JORGE a FRANCISCO MIGUEL DE MOURA
FJ – Que lições tem extraído de sua
existência?
FMM -
Amor,
perseverança e dignidade, posso explicar nestas três palavras. Do amor
nascemos, dos nossos pais, e quem não tem capacidade de amar jamais vencerá,
jamais será feliz. Amar as pessoas e também a alguma coisa que procuramos fazer
na vida, seja literatura (poesia), seja política ou qualquer outra profissão
que abraçarmos. Pela perseverança, alcançamos o que pretendemos fazer (ou pelo
menos, em grande parte). Pela dignidade, ganhamos o respeito humano, mesmo que
sejamos um simples e pobre habitante de rua.
FJ – Viver com a dignidade de Alfred de Vigny,
envilece?
FMM
– Viver não envilece, a vida, em si só, já é dignidade, mesmo que para a mais
ínfima condição de vida. Viver é ser. É ser o que é e não pode deixar de ser. Mesmo
os mais vis criminosos, aqueles que destroem a vida de um irmão violentamente
ou não, merecem viver. Sou contra a pena de morte, contra o aborto e contra o
suicídio, muito embora o grande Albert Camus tenha afirmado que “o suicídio é o
maior, senão o único, problema filosófico do homem”
FJ – O que o levou a escrever?
FMM –
Em 1932, ano de grande seca no Nordeste, meus pais passaram a sobreviver
comendo macambira juntamente com os animais. E eu, de 1932, trago no sangue a
desgraça dessa geração. Nasci em junho de 1933, cresci, menino feio, magro e
faminto, em meio a tanta pobreza de meus pais e do Nordeste, onde eu continuaria
a passar fome. Assim nasci da necessidade de viver e da procura de comer tanto
material quanto espiritualmente. Contudo isto e vivendo em contato com a
natureza, aprendi a crescer e ser poeta, amar e perseverar com dignidade.
FJ – Como define o ato da escrita?
FMM
- O ato da escrita é um ato de doação intima, espiritual, de integração a si
mesmo e à sociedade (de dentro e de fora dela). Quem escreve sabe que não pode deixar de
escrever. Quando isto acontece, é que a morte chegou ou está bem próxima. Porque
é sempre uma doação córporo-espiritual, através do que cria. Nos países pobres
como o Brasil (que é pobre apenas nisto), o escritor não escreve com mais
dignidade porque o produto, a escrita, a literatura, a arte, a poesia nem
sempre são fontes de renda. E quando são, são mal pagas. Por isto, os
escritores tem que praticá-la por amor. Muitos, para sobreviver precisam ser
jornalistas, professores, empregado público ou outro qualquer tipo de profissão.
De certa forma, a poesia perde com isto.
FJ – Como descobriu a poesia?
FMM –
A poesia foi quem me descobriu. Ou seja, sendo filho do mestre-escola Miguel
Guarani, logo cedo aprendi a ler e escrever. Nos lugares onde passei a infância
não havia livros, tudo era escrito à mão. Os primeiros livros que li se
chamavam “História Natural” (não me lembro o nome do autor) e “Dicionário
Português”, de Simões da Fonseca. Lembro-me também do “Almanaque”, do Biotônico
Fontoura, que acompanhava o tal medicamento muito usado por minha mãe, para,
segundo ela, melhorar a fraqueza do corpo. Depois disto, só a série “Coração de
Criança”, livro que era distribuído nas escolas onde meu pai lecionava, no
tempo do Getúlio Vargas. Nos dois primeiros livros citados, eu lia os nomes,
depois procurava os significados no citado dicionário. E ia decorando tudo.
Como eu ficava muito só, saia pelas matas e ficava ouvindo os pássaros e
observando os insetos e animais em seu habitat. Por fim, para citar o poeta
Hadi Filho, recentemente falecido, cearense que se aclimatou no Piauí, que me
dizia “nós nascemos com a vocação de poeta”. Não tinha jeito, deu no que deu.
FJ – Como descreveria o cenário literário e
cultural do Piauí?
FMM
– Posso dizer que o cenário literário e cultural do Piauí é meio deserto. Não
há mais poetas de raça, alguns novos se mostram mais imitadores do H. Dobal e
do Torquato Neto, do que criadores propriamente ditos. Há uma enxurrada de
novos que se iludem no sistema da poesia popular, mas sem garra para inventar,
criar qualquer coisa. Romancistas também não aparecem mais. Para ter-se uma
ideia, na Academia Piauiense de Letras, que são 40 cadeiras, só há 4 poetas
dignos deste nome, entre os vivos: Elmar Carvalho, Dilson Lages, Luiz Ayrton Junior
e eu, Francisco Miguel de Moura. E, por fim, se devo acrescentar os nomes do contista Ribamar Garcia e do crítico literário Carlos Evandro, é porque eles vêm escrevendo constantemente com muita garra e determinação.
FJ – Quais são os nomes
mais proeminente das letras no Piauí, no passado e no presente?
FMM – No
presente, na poesia, já citei os três acima, que estão vivos e publicando, que
são acadêmicos. Graças Deus, posso citar um jovem poeta, de nome Diego Mendes
Sousa, que, não obstante a idade, tem muito valor e publica livros ótimos. Por
onde vai, fala sempre sobre poetas e poesias, com vigor de quem se prepara para
um futuro brilhante. Já o considero nosso poeta deste século. Em outras áreas, a
história por exemplo, temos Reginaldo Miranda, Teresinha Queiroz, Maria do
Socorro Magalhães, e na prosa de ficção, o nome mais destacado é o de Oton
Lustosa, que publicou dois livros de contos e um romance, com muita arte e boa
aceitação.
FJ – Qual a contribuição
de autores como O. G. Rego de Carvalho e Torquato Neto à cultura piauiense e
como são vistos hoje?
FMM –
Grande contribuição, sim. Eles são nossos íconos.
Mas,
além de Torquato Neto e O. G. Rego de Carvalho, os dois nomes que você citou,
devemos acrescentar os de H. Dobal, Assis Brasil e Fontes Ibiapina, todos já
falecidos. Com certeza, a literatura piauiense fica de pé com estes expoentes,
ao lado dos nossos vizinhos, estados do Ceará e Maranhão. Mas também não
podemos deixar de enaltecer o nosso poeta maior, Da Costa e Silva, que, para o
Piauí, é como Gonçalves Dias é para o Maranhão, e todos o cultuamos e o amamos,
recebendo eflúvios de poesia e de amor à terra e à gente que nela moureja.
FJ – Quais os autores do
Piauí, da atualidade, que mereçam ser colocados ao lado de O. G. Rego de
Carvalho, Fontes Ibiapina e Assis Brasil, os três já falecidos?
FMM –
Creio que já me adiantei, citando os nomes de Elmar Carvalho, Dilson Lajes,
Oton Lustosa e Reginaldo Miranda e o do novo poeta Diego Mendes Sousa, todos já
mencionados, em suas respectivas áreas, como nas respostas acima.
FJ – Qual sua opinião sobre aos escritores
do Piauí de hoje e sobre a literatura que fazem em prosa e verso?
FMM –
Exceto o poeta Diego Mendes de Sousa, que traz nova seiva à poesia, minha
opinião sobre atual do Piauí não é muito boa, não. Além deste, lembro-me agora
de dois outros escritores que fazem boa literatura, mas já se mudaram do Piauí
para outras paragens do Brasil: São o contista e romancista João Pinto e o poeta
Rubervam du Nascimento.
P.S.: Atualmente, no Piauí, floresce a mania de criar-se
academias de letras regionais e até mesmo municipais. E as pessoas agrupadas,
munidas da facilidade que oferecem as redes sociais, começam espalhar poemas e
contos às carradas, às vezes publicam livros através de “e-books”. Não
sei no que isto vai dar. Também abundam as “lives”, mas livros mesmo, no
sentido em que a gente conhece, aparecem poucos e de não muito boa qualidade. Concursos,
não há mais. Creio que vivemos uma “idade-média” das artes, não só no Piauí,
mas em muitos outros Estados. Aliás, o fenômeno é comum nos começos de século.
Os finais de século sempre foram mais produtivos. Um exemplo disto é a “Semana
de Arte Moderna”, no começo século XIX, que só explodiu em 1922. Como já estamos
em 2022, novas mudanças, para o bem ou para o mal, devem estar acontecendo.
Tomara que para o fortalecimento das artes, da literatura, da poesia.
Teresina, Piauí, 25-01-2022
Francisco Miguel de Moura
BIOOGRAFIA
FRANCISCO
MIGUEL DE MOURA
(Chico Miguel)
Nasceu em Francisco
Santos-PI (outrora “Jenipapeiro”, município de Picos, sertão do Piauí), aos 16
de junho de 1933. Filho de Miguel Borges de Moura e Josefa Maria de Sousa, Estudos
primários com seu pai, lá mesmo em Jenipapeiro (hoje Francisco Santos); o ginasial
e contabilidade, em Picos, onde casou com Maria Mécia Morais Araújo Moura e
fixou residência por alguns anos. Formado em Letras pela Universidade Federal
do Piauí e pós-graduado pela Universidade Federal da Bahia, Salvador (especialização
em “Crítica de Artes”). Funcionário do Banco do Brasil. (já aposentado). Mestre-escola
como seu pai, funcionário público municipal (Escrivão de Polícia), radialista,
professor de língua e literatura, cujas atividades não mais exerce. Dedica-se exclusivamente
a ler, escrever, fazer palestras e brincar com os netos e bisnetas.
Colabora nos diversos jornais de seu Estado,
entre os quais “O Dia”, “Diário do Povo” e “Meio Norte”; nas revistas “Literatura”,
de Brasília (hoje editada em Fortaleza), “Poesia para todos”, do Rio; “LB - Revista
da literatura brasileira”, São Paulo; “Almanaque da Parnaíba”, “De Repente”, “Revista
da Academia Piauiense de Letras”, Cadernos de Teresina”, da qual foi editor, Revista
Cirandinha, Teresina, como editor e colaborador, e “Presença”, de Teresina, Piauí.
É também colaborador permanente dos jornais “Correio do Sul”, Varginha, MG; “Diário
dos Açores”, das Ilhas dos Açores e “O Primeiro de Janeiro” (Suplemento Cultural
“das Artes das Letras”), de Porto, Portugal. Ultimamente, vem sendo editado pelas
revistas “Lea” e “Clarín”, de Espanha; “Pomezia-Notizie” na Itália; e “Jalons”,
em França. É sócio efetivo da União Brasileira dos Escritores (SP) e da Academia
Piauiense de Letras, membro-correspondente da Academia Mineira de Letras e da Academia
Catarinense de Letras, além de sócio da IWA – International Writers and Artists
Association, nos Estados Unidos da América (USA).
Por força de sua atividade como funcionário
do Banco do Brasil, morou na Bahia e no Rio de Janeiro, e por último em Teresina,
onde concebeu e publicou a maioria de suas obras.
Estreou
em poesia, em 1966, com o livro “Areias”, depois publica mais 13 outras
obras no mesmo gênero, com os seguintes títulos: “Pedra em Sobressalto”, “Universo
das Águas” (elogiado por Carlos Drummond de Andrade) entre outros também
muito acolhido pela crítica local e nacional. Participou da antologia “A Poesia
Piauiense do Século XX”, organizada por Assis Brasil, e de outras antologias poéticas
editadas do Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste do Brasil, assim como de
outras do exterior (Estados Unidos, França, Cuba e Portugal).
Em prosa é autor
de “Os Estigmas” (1984, reeditado em 2004), “Laços de Poder”, romance premiado,
pela Fundação Cultural do Piauí (1991), “Ternura” (1993) e “D. Xicote” (2005),
com o qual ganhou novamente o prêmio “Fontes Ibiapina” em 2003, prêmio ao qual
já concorrera ganhara com “Laços de Poder”, nos idos de 1980. Praticou também o conto inovador em “Eu e meu
Amigo Charles Brown” (1986), “Por que Petrônio não Ganhou o Céu” (1999) e “Rebelião
das Almas”, 2001. É cronista (“E a Vida se Fez Crônica”, 1996 e “A Graça de Cada
Dia”, (2009)
É também crítico
literário de renome (“Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho”, Rio,1972/1997,
1ª e 2ª edição, respectivamente); “A Poesia Social de Castro Alves”, 1979, publicado
em São Paulo (Editora do Escritor) e “Moura Lima: Do Romance ao Conto”, 2002).
Prêmios: Recebeu em todos os gêneros literários que produziu, inclusive em trovas,
de cuja espécie não tem nenhum livro publicado, salvo em colaboração. Além desses,
devem ser considerados na mesma área “Piauí: Terra, História e Literatura” (1980),
“Literatura do Piauí” (2001) e uma biografia de seu pai, “Miguel Guarani, Mestre
e Violeiro”, (2005). Além dessas obras, saíram recentemente “O Menino quase
Perdido”, Teresina, pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves, e “A Graça de Cada
Dia”, pela Fundação Cultural do Piauí, ambos em Teresina, 2009.
Minha obra mais
importante em poesia se deu com a edição de “Poesia in Completa”, cuja primeira
edição pela Fundação Cultural Mons. Chaves, Teresina, 1997, e cuja obra foi revista.
aumentada e reeditada pela Academia Piauiense de Letras, 2016, ao completar o
poeta seus 59 anos de escritor, contados a parte de “Areias”, em 1966.
As obras acima
citadas mereceram a atenção dos editores da Universidade Federal do Piauí, da
Editora do Escritor, e também de importantes críticos, no Rio, São Paulo e Belo
Horizonte. Também por destaque citamos “Antologia: Poemas e Poetas Mais Amados”,
já editada pela Academia Piauiense de Letras, mas inda não lançada, à espera de
um tempo mais propícia, talvez em 2021, quando a Pandemia do Covid terminar.
São ainda inéditos,
esperando publicação, sete outros livros de poemas: “Itinerário de Passar a Tarde”,
“O Coração do Instante”, “A Casa do Poeta”, “A Cor, as Cores”, “Lindes do Caminho”,
“Testemunho” (português/espanhol) e “Além do Outono”
A obra
de Francisco Miguel de Moura recebeu enorme manifestação da crítica, vinda de
escritores de todo o país, inclusive críticos literários como João Felício dos
Santos, Fábio Lucas, Nelly Novaes Coelho, Olga Savary, Rejane Machado e Rosidelma
Fraga, cujo material foi reunido em dois volumes já publicados: “Um Canto de Amor
à Terra e ao Homem” (Editora da Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2007)
e “Fortuna Crítica de Francisco Miguel de Moura” (Edições Cirandinha, Teresina-PI,
2008).
Chico
Miguel ama as artes, a poesia (literatura) especialmente – pelo trabalho que realiza
com a palavra; ama o ser humano (o “eu” e o “outro”) e a natureza, quase como se
fosse uma religião sem dogmas. Mas acredita que há um Deus soberano e é católico
confesso.
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