quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

 

                                         


ENTREVISTA:

      FRANKLIK JORGE a FRANCISCO MIGUEL DE MOURA

FJ – Que lições tem extraído de sua existência?

FMM - Amor, perseverança e dignidade, posso explicar nestas três palavras. Do amor nascemos, dos nossos pais, e quem não tem capacidade de amar jamais vencerá, jamais será feliz. Amar as pessoas e também a alguma coisa que procuramos fazer na vida, seja literatura (poesia), seja política ou qualquer outra profissão que abraçarmos. Pela perseverança, alcançamos o que pretendemos fazer (ou pelo menos, em grande parte). Pela dignidade, ganhamos o respeito humano, mesmo que sejamos um simples e pobre habitante de rua.      

FJ – Viver com a dignidade de Alfred de Vigny, envilece?

FMM – Viver não envilece, a vida, em si só, já é dignidade, mesmo que para a mais ínfima condição de vida. Viver é ser. É ser o que é e não pode deixar de ser. Mesmo os mais vis criminosos, aqueles que destroem a vida de um irmão violentamente ou não, merecem viver. Sou contra a pena de morte, contra o aborto e contra o suicídio, muito embora o grande Albert Camus tenha afirmado que “o suicídio é o maior, senão o único, problema filosófico do homem”

FJ – O que o levou a escrever?

FMM – Em 1932, ano de grande seca no Nordeste, meus pais passaram a sobreviver comendo macambira juntamente com os animais. E eu, de 1932, trago no sangue a desgraça dessa geração. Nasci em junho de 1933, cresci, menino feio, magro e faminto, em meio a tanta pobreza de meus pais e do Nordeste, onde eu continuaria a passar fome. Assim nasci da necessidade de viver e da procura de comer tanto material quanto espiritualmente. Contudo isto e vivendo em contato com a natureza, aprendi a crescer e ser poeta, amar e perseverar com dignidade.

FJ – Como define o ato da escrita?

FMM - O ato da escrita é um ato de doação intima, espiritual, de integração a si mesmo e à sociedade (de dentro e de fora dela).  Quem escreve sabe que não pode deixar de escrever. Quando isto acontece, é que a morte chegou ou está bem próxima. Porque é sempre uma doação córporo-espiritual, através do que cria. Nos países pobres como o Brasil (que é pobre apenas nisto), o escritor não escreve com mais dignidade porque o produto, a escrita, a literatura, a arte, a poesia nem sempre são fontes de renda. E quando são, são mal pagas. Por isto, os escritores tem que praticá-la por amor. Muitos, para sobreviver precisam ser jornalistas, professores, empregado público ou outro qualquer tipo de profissão. De certa forma, a poesia perde com isto.

FJ – Como descobriu a poesia?

FMM – A poesia foi quem me descobriu. Ou seja, sendo filho do mestre-escola Miguel Guarani, logo cedo aprendi a ler e escrever. Nos lugares onde passei a infância não havia livros, tudo era escrito à mão. Os primeiros livros que li se chamavam “História Natural” (não me lembro o nome do autor) e “Dicionário Português”, de Simões da Fonseca. Lembro-me também do “Almanaque”, do Biotônico Fontoura, que acompanhava o tal medicamento muito usado por minha mãe, para, segundo ela, melhorar a fraqueza do corpo. Depois disto, só a série “Coração de Criança”, livro que era distribuído nas escolas onde meu pai lecionava, no tempo do Getúlio Vargas. Nos dois primeiros livros citados, eu lia os nomes, depois procurava os significados no citado dicionário. E ia decorando tudo. Como eu ficava muito só, saia pelas matas e ficava ouvindo os pássaros e observando os insetos e animais em seu habitat. Por fim, para citar o poeta Hadi Filho, recentemente falecido, cearense que se aclimatou no Piauí, que me dizia “nós nascemos com a vocação de poeta”. Não tinha jeito, deu no que deu.        

FJ – Como descreveria o cenário literário e cultural do Piauí?

FMM – Posso dizer que o cenário literário e cultural do Piauí é meio deserto. Não há mais poetas de raça, alguns novos se mostram mais imitadores do H. Dobal e do Torquato Neto, do que criadores propriamente ditos. Há uma enxurrada de novos que se iludem no sistema da poesia popular, mas sem garra para inventar, criar qualquer coisa. Romancistas também não aparecem mais. Para ter-se uma ideia, na Academia Piauiense de Letras, que são 40 cadeiras, só há 4 poetas dignos deste nome, entre os vivos: Elmar Carvalho, Dilson Lages, Luiz Ayrton Junior e eu, Francisco Miguel de Moura. E, por fim, se devo acrescentar os nomes do contista Ribamar Garcia e do crítico literário Carlos Evandro, é porque eles vêm escrevendo constantemente com muita garra e determinação.

FJ – Quais são os nomes mais proeminente das letras no Piauí, no passado e no presente?

FMM – No presente, na poesia, já citei os três acima, que estão vivos e publicando, que são acadêmicos. Graças Deus, posso citar um jovem poeta, de nome Diego Mendes Sousa, que, não obstante a idade, tem muito valor e publica livros ótimos. Por onde vai, fala sempre sobre poetas e poesias, com vigor de quem se prepara para um futuro brilhante. Já o considero nosso poeta deste século. Em outras áreas, a história por exemplo, temos Reginaldo Miranda, Teresinha Queiroz, Maria do Socorro Magalhães, e na prosa de ficção, o nome mais destacado é o de Oton Lustosa, que publicou dois livros de contos e um romance, com muita arte e boa aceitação.

FJ – Qual a contribuição de autores como O. G. Rego de Carvalho e Torquato Neto à cultura piauiense e como são vistos hoje?

FMM – Grande contribuição, sim. Eles são nossos íconos. Mas, além de Torquato Neto e O. G. Rego de Carvalho, os dois nomes que você citou, devemos acrescentar os de H. Dobal, Assis Brasil e Fontes Ibiapina, todos já falecidos. Com certeza, a literatura piauiense fica de pé com estes expoentes, ao lado dos nossos vizinhos, estados do Ceará e Maranhão. Mas também não podemos deixar de enaltecer o nosso poeta maior, Da Costa e Silva, que, para o Piauí, é como Gonçalves Dias é para o Maranhão, e todos o cultuamos e o amamos, recebendo eflúvios de poesia e de amor à terra e à gente que nela moureja.

FJ – Quais os autores do Piauí, da atualidade, que mereçam ser colocados ao lado de O. G. Rego de Carvalho, Fontes Ibiapina e Assis Brasil, os três já falecidos?

FMM – Creio que já me adiantei, citando os nomes de Elmar Carvalho, Dilson Lajes, Oton Lustosa e Reginaldo Miranda e o do novo poeta Diego Mendes Sousa, todos já mencionados, em suas respectivas áreas, como nas respostas acima.

FJ – Qual sua opinião sobre aos escritores do Piauí de hoje e sobre a literatura que fazem em prosa e verso?

FMM – Exceto o poeta Diego Mendes de Sousa, que traz nova seiva à poesia, minha opinião sobre atual do Piauí não é muito boa, não. Além deste, lembro-me agora de dois outros escritores que fazem boa literatura, mas já se mudaram do Piauí para outras paragens do Brasil: São o contista e romancista João Pinto e o poeta Rubervam du Nascimento.

          P.S.: Atualmente, no Piauí, floresce a mania de criar-se academias de letras regionais e até mesmo municipais. E as pessoas agrupadas, munidas da facilidade que oferecem as redes sociais, começam espalhar poemas e contos às carradas, às vezes publicam livros através de “e-books”. Não sei no que isto vai dar. Também abundam as “lives”, mas livros mesmo, no sentido em que a gente conhece, aparecem poucos e de não muito boa qualidade. Concursos, não há mais. Creio que vivemos uma “idade-média” das artes, não só no Piauí, mas em muitos outros Estados. Aliás, o fenômeno é comum nos começos de século. Os finais de século sempre foram mais produtivos. Um exemplo disto é a “Semana de Arte Moderna”, no começo século XIX, que só explodiu em 1922. Como já estamos em 2022, novas mudanças, para o bem ou para o mal, devem estar acontecendo. Tomara que para o fortalecimento das artes, da literatura, da poesia.

                   Teresina, Piauí, 25-01-2022

                  Francisco Miguel de Moura

                                                    


                             BIOOGRAFIA

                           FRANCISCO MIGUEL DE MOURA

                                       (Chico Miguel)

Nasceu em Francisco Santos-PI (outrora “Jenipapeiro”, município de Picos, sertão do Piauí), aos 16 de junho de 1933. Filho de Miguel Borges de Moura e Josefa Maria de Sousa, Estudos primários com seu pai, lá mesmo em Jenipapeiro (hoje Francisco Santos); o ginasial e contabilidade, em Picos, onde casou com Maria Mécia Morais Araújo Moura e fixou residência por alguns anos. Formado em Letras pela Universidade Federal do Piauí e pós-graduado pela Universidade Federal da Bahia, Salvador (especialização em “Crítica de Artes”). Funcionário do Banco do Brasil. (já aposentado). Mestre-escola como seu pai, funcionário público municipal (Escrivão de Polícia), radialista, professor de língua e literatura, cujas atividades não mais exerce. Dedica-se exclusivamente a ler, escrever, fazer palestras e brincar com os netos e bisnetas.

                    Colabora nos diversos jornais de seu Estado, entre os quais “O Dia”, “Diário do Povo” e “Meio Norte”; nas revistas “Literatura”, de Brasília (hoje editada em Fortaleza), “Poesia para todos”, do Rio; “LB - Revista da literatura brasileira”, São Paulo; “Almanaque da Parnaíba”, “De Repente”, “Revista da Academia Piauiense de Letras”, Cadernos de Teresina”, da qual foi editor, Revista Cirandinha, Teresina, como editor e colaborador, e “Presença”, de Teresina, Piauí. É também colaborador permanente dos jornais “Correio do Sul”, Varginha, MG; “Diário dos Açores”, das Ilhas dos Açores e “O Primeiro de Janeiro” (Suplemento Cultural “das Artes das Letras”), de Porto, Portugal. Ultimamente, vem sendo editado pelas revistas “Lea” e “Clarín”, de Espanha; “Pomezia-Notizie” na Itália; e “Jalons”, em França. É sócio efetivo da União Brasileira dos Escritores (SP) e da Academia Piauiense de Letras, membro-correspondente da Academia Mineira de Letras e da Academia Catarinense de Letras, além de sócio da IWA – International Writers and Artists Association, nos Estados Unidos da América (USA).

                    Por força de sua atividade como funcionário do Banco do Brasil, morou na Bahia e no Rio de Janeiro, e por último em Teresina, onde concebeu e publicou a maioria de suas obras.

                    Estreou em poesia, em 1966, com o livro “Areias”, depois publica mais 13 outras obras no mesmo gênero, com os seguintes títulos: “Pedra em Sobressalto”, “Universo das Águas” (elogiado por Carlos Drummond de Andrade) entre outros também muito acolhido pela crítica local e nacional. Participou da antologia “A Poesia Piauiense do Século XX”, organizada por Assis Brasil, e de outras antologias poéticas editadas do Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste do Brasil, assim como de outras do exterior (Estados Unidos, França, Cuba e Portugal).

Em prosa é autor de “Os Estigmas” (1984, reeditado em 2004), “Laços de Poder”, romance premiado, pela Fundação Cultural do Piauí (1991), “Ternura” (1993) e “D. Xicote” (2005), com o qual ganhou novamente o prêmio “Fontes Ibiapina” em 2003, prêmio ao qual já concorrera ganhara com “Laços de Poder”, nos idos de 1980.  Praticou também o conto inovador em “Eu e meu Amigo Charles Brown” (1986), “Por que Petrônio não Ganhou o Céu” (1999) e “Rebelião das Almas”, 2001. É cronista (“E a Vida se Fez Crônica”, 1996 e “A Graça de Cada Dia”, (2009)

É também crítico literário de renome (“Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho”, Rio,1972/1997, 1ª e 2ª edição, respectivamente); “A Poesia Social de Castro Alves”, 1979, publicado em São Paulo (Editora do Escritor) e “Moura Lima: Do Romance ao Conto”, 2002). Prêmios: Recebeu em todos os gêneros literários que produziu, inclusive em trovas, de cuja espécie não tem nenhum livro publicado, salvo em colaboração. Além desses, devem ser considerados na mesma área “Piauí: Terra, História e Literatura” (1980), “Literatura do Piauí” (2001) e uma biografia de seu pai, “Miguel Guarani, Mestre e Violeiro”, (2005). Além dessas obras, saíram recentemente “O Menino quase Perdido”, Teresina, pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves, e “A Graça de Cada Dia”, pela Fundação Cultural do Piauí, ambos em Teresina, 2009.  

Minha obra mais importante em poesia se deu com a edição de “Poesia in Completa”, cuja primeira edição pela Fundação Cultural Mons. Chaves, Teresina, 1997, e cuja obra foi revista. aumentada e reeditada pela Academia Piauiense de Letras, 2016, ao completar o poeta seus 59 anos de escritor, contados a parte de “Areias”, em 1966.   

As obras acima citadas mereceram a atenção dos editores da Universidade Federal do Piauí, da Editora do Escritor, e também de importantes críticos, no Rio, São Paulo e Belo Horizonte. Também por destaque citamos “Antologia: Poemas e Poetas Mais Amados”, já editada pela Academia Piauiense de Letras, mas inda não lançada, à espera de um tempo mais propícia, talvez em 2021, quando a Pandemia do Covid terminar.

São ainda inéditos, esperando publicação, sete outros livros de poemas: “Itinerário de Passar a Tarde”, “O Coração do Instante”, “A Casa do Poeta”, “A Cor, as Cores”, “Lindes do Caminho”, “Testemunho” (português/espanhol) e “Além do Outono”

      A obra de Francisco Miguel de Moura recebeu enorme manifestação da crítica, vinda de escritores de todo o país, inclusive críticos literários como João Felício dos Santos, Fábio Lucas, Nelly Novaes Coelho, Olga Savary, Rejane Machado e Rosidelma Fraga, cujo material foi reunido em dois volumes já publicados: “Um Canto de Amor à Terra e ao Homem” (Editora da Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2007) e “Fortuna Crítica de Francisco Miguel de Moura” (Edições Cirandinha, Teresina-PI, 2008).

                              Chico Miguel ama as artes, a poesia (literatura) especialmente – pelo trabalho que realiza com a palavra; ama o ser humano (o “eu” e o “outro”) e a natureza, quase como se fosse uma religião sem dogmas. Mas acredita que há um Deus soberano e é católico confesso.

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