sexta-feira, 30 de julho de 2021

 


  PEQUENA HISTÓRIA DE UM GRANDE CONSELHO

                                                

I PARTE

 

                                                                       Francisco Miguel de Moura*

 

          Não existe história escrita sem a participação dos sentimentos e das crenças de quem escreve. Não há uma história fria.  Uns mais outros menos, cada um de nós deixa a marca pessoal em tudo o que faz. Como diria Drummond, «de tudo fica um pouco».

          A história é o estudo e o registro de problemas e acontecimentos da vida e da sociedade, tomados em bloco e  interpretados à luz de documentos e criações humanas. Dados e sucedidos em espaços e tempos diferentes, os relatos da história mostram apenas uma reconstrução do passado, por mais objetividade que consiga o historiador, por mais que se aproxime da ciência.

          Com esta orientação muito pessoal, pretendo levantar uma pequena e modesta história do Conselho Estadual de Cultura do Piauí,  aproveitando ainda a frescura dos documentos existentes e prevendo sua extinção,  no futuro, como costuma acontecer.

          Creio que já podemos dividir o seu pouco tempo de vida para uma instituição, em  três fases, as quais chamaria de burocrática, solene e democrática.

                   

                                       1. BUROCRÁTICA

 

          A primeira fase alcançaria naturalmente desde sua fundação pelo Decreto nº 631, de 12 de outubro de 1965, assinado pelo Governador Petrônio Portela Nunes e seu Secretário da Educação e Cultura, Paulo da Silva Ferraz,  até a assunção da Secretaria da Cultura pelo Prof. Manoel Paulo Nunes, em 26 de maio de 1982, ainda no Governo do Dr. Lucídio Portela.

          Não há muito o que relatar sobre essa fase. O mais antigo livro de atas encontrado é de 5 de janeiro de 1970, conforme termo de abertura sem assinatura e a primeira ata do CEC é de 2 de fevereiro do mesmo ano, em cuja sede provisória, na Rua Gal. Osório, 1976-N, esteve reunido, em sessão ordinária, às onze horas, «estando presentes os seguintes Conselheiros:  - Des. Simplício de Sousa Mendes - Presidente, Dr. Celso Barros Coelho, Dr. João Nonon Fontes de Moura Ibiapina, Capitão Aurino Nunes Filho,  Dr. Manuel Felício Pinto e Jornalista Deoclécio Dantas. O Exmo. Sr. Presidente do Conselho dá início aos trabalhos do dia, propondo aos membros do Conselho que seja acrescentado, na lei que estipula o Prêmio Cultura do ano, também o gênero poesia, sendo analisado e pesquisado pelos Conselheiros. A proposta foi aceita, não havendo impedimento. O Exmo. Sr. Presidente recebeu um livro sobre a grande figura das letras no Brasil - Câmara Cascudo, doado à biblioteca que brevemente será instalada neste Conselho;  de acordo com o Plano de Cultura do ano em curso, está programada uma palestra semanal, pela Rádio Clube de Teresina, por um dos membros deste Conselho, debatendo sobre um tema da atualidade, de cunho educativo cultural etc. O Presidente dá por encerrada a presente sessão. Eu, Maria Elza Dias Rego, Secretária Substituta, lavrei e assinei a presente ata.»

          A transcrição reflete o que devia acontecer no desenrolar das poucas sessões que se realizavam (não houve nenhuma reunião nos anos de 1972 e 1973) - o que me dá razão para a classificação adotada. Mas o Conselho passava, já ali, às ações externas, através do programa de rádio. Era uma espécie de consciência de sua importância, sem dúvida, daí porque carregava no seu tom burocrático. Quem ficou com a incumbência de fazer a palestra semanal, na Rádio Clube de Teresina, foi o Conselheiro, Prof. A. Tito Filho, por muito tempo, onde, com variado cardápio noticioso e crítico, revia erros gramaticais de diversos tipos e diversas publicações, mas também atingia a literatura e os escritores, especialmente os  novos. Eu e O. G. Rego de Carvalho fomos uma das suas vítimas, com infundadas afirmações que atingiam a dúvida sobre autoria do livro «Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho”, dúvida que foi devidamente esclarecida, conforme manifesto de maio de 1972, distribuído e publicado em todos os jornais da época, assinado por vinte e dois dos intelectuais e escritores mais atuantes, entre os quais alguns membros do Conselho, como era o caso de Fontes Ibiapina.

          Não obstante a declaração final, referida ata não foi assinada nem pela Secretária nem pelo Presidente. Até às fls.15, tudo o que se vê de assinatura é um rubrica no alto das páginas de rosto, à esquerda, indicando ser da Secretária do Conselho, Ceres Maria Paz Pinho, que permanece até o termo de posse do Prof. José de Arimathéa Tito Filho, em 16 de março de 1971, nomeado que fora pelo Governador João Clímaco d'Almeida, depois da morte do Des. Simplício de Sousa Mendes, em  2.1.71. Durante a vacância da Presidência, ocupou-a o Conselheiro Vice-Presidente, poeta Luiz Lopes Sobrinho.

          Em 27 de agosto de 1974, data da nomeação do novo Conselho, já no Governo Alberto Silva, nota-se a presença de outras pessoas como membros do CEC: Emília Castelo Branco do Carvalho, Maria Amélia Azevedo Ribeiro, Armando Madeira Basto - este posteriormente se tornaria Presidente (9.9.74) -  renovados os mandatos de José de Arimathéa Tito Filho, Luiz Lopes Sobrinho, Noé Mendes de Oliveira, João Nonon Fontes de Moura Ibiapina, Deoclécio Dantas Ferreira.

          Durante todo esse tempo, no período em que considero a fase burocrática, de que  tratava Conselho? Compra de livros, auxílio à publicação de autores individuais, posse de um ou outro conselheiro, comunicação de atos do Governo e da Secretaria de Cultura, de visitas oficiais, mortes, solenidades, discursos (até um de comemoração do VI aniversário da Revolução de 31 de Março) etc. etc. Não foi possível detectar outras formas de atuação do Conselho, muito embora constasse no Decreto nº  631, de 12 de outubro de 1965, art. 2º - «O Conselho Estadual de Cultura tem por finalidade: a) estudo e proposição de programas relacionados com a defesa do patrimônio cultural do Estado; b) promoção e defesa da cultura e aperfeiçoamento cultural do povo piauiense.»

          Também sobre o Concurso de Literatura, instituído pela Lei 2.208, de 17.11.61, a cargo do CEC, conforme art. 5, do citado decreto, não tivemos notícia de sua execução, apesar da cobrança que o poeta Hardi Filho e outros faziam pela imprensa.

          O acontecimento mais importante foi a aprovação do Plano Editorial do Estado, na reunião do CEC, em 30.9.74, já então sob a  Presidência do jornalista Armando Madeira Basto. No seu início,  o Plano Editorial foi dirigido por Comissão que funcionava diretamente ligada ao Governo do Estado (Decreto nº 1416, de 17.1.72), não tendo a participação do Conselho Estadual de Cultura (que não estava funcionando plenamente, como vimos atrás), conforme consta da primeira obra, «Lira Sertaneja» de Hermínio Castelo Branco, editada em 10 de setembro de 1972.  Contando com as boas graças do Governador Alberto Silva, o Plano Editorial, nessa sua primeira fase, editou muitas obras de literatura e história. Referido Plano dá origem ao Projeto Petrônio Portela, depois de passar por um período estacionário de alguns anos.  Também nessa época saiu a revista «Presença» (Nº 1, maio/74) que, embora prevista na Estatuto do Conselho Estadual de Cultura, continuou a ser organizada e editada sob os auspícios da Secretaria da Cultura, por muito tempo.

          O primeiro presidente do Conselho foi, certamente, o Prof. José Camilo da Silveira Filho.  Na pg. 2 do Estatuto e Regimento do CEC, impressos na Imprensa Oficial, em maio de 1967, consta a seguinte mensagem comprobatória:

          «O Governador Petrônio Portela Nunes ao dispor sobre o funcionamento do Conselho Estadual de Cultura, preencheu uma importante lacuna na vida cultural do nosso Estado.

          O novel organismo já está em funcionamento, registrando, em seu favor, o lançamento de importantes obras para o conhecimento da nossa vida, destacando o livro de mestre Odilon Nunes, Pesquisas para a História do Piauí.

          Da leitura dos documentos em anexo, constata-se o alto significado da tarefa confiada àquele organismo, cujo desenvolvimento constitui objetivo inadiável da política cultural do Governo do Estado. José Camilo Filho  -  Presidente.»

          Não há como contestar que o CEC já naquele mês de maio de 1967 existia legalmente, embora não se saiba como nem onde funcionava, mesmo que precariamente, pois não encontramos atas nem outros papéis que o denunciassem, exceto a Portaria CEC 4/67, de 6 de novembro de 1967, nomeando Sônia Maria Setúbal da Cunha e Silva para o cargo de Escrevente Auxiliar, assinado pelo Presidente, José Camilo da Silveira Filho.

          Já em 1969, encontramos os documentos que passamos relatar:

           a)   «Portaria nº 1/69. O Presidente do Conselho Estadual de Cultura, no uso de suas atribuições legais, etc. RESOLVE  designar a funcionária SÔNIA MARIA SETÚBAL DA CUNHA E SILVA para a função de Secretária Geral Administrativa, com os vencimentos de Ncr$150,00 (cento e cinqüenta cruzeiros novos), retroagindo os efeitos da presente portaria a partir do dia 2 de janeiro do corrente ano, data em que  a referida funcionária (passou) a servir como Secretária, neste Conselho. Comunique-se e cumpra-se.» Portaria assinada pelo Des. Simplício de Sousa Mendes, mas não datada.   

          b) Registro de termos de compromisso dos funcionários servidores do Conselho,  assinados pelos seventuários Expedito José Mota Tavares, Gilda Conceição Rocha Portela, Maria Laura Soares Castelo Branco, Luísa Alves de Moura, Carlos Alberto Fernandes de Sousa, Maria das Graças Rodrigues dos Santos e Sônia Maria Setúbal da Cunha e Silva,  e pelo Des. Simplício de Sousa Mendes, que, além de Presidente do Conselho Estadual de Cultura, era também Presidente da Academia Piauiense de Letras.

          Em 16 de março de 1971, o Prof. José de Arimathéa Tito Filho, sendo, à época, Presidente da Academia Piauiense de Letras, assume a Presidência do Conselho Estadual de Cultura. 

                                        

    2. SOLENE

 

 

          Com a criação da Secretaria da Cultura (Lei 3.262, de 6.12.73) e sua estruturação no ano seguinte (Lei Delegada 115, de 2.4.74), colocando o Conselho Estadual de Cultura como um órgão da administração direta, como que o CEC se transforma em departamento daquela Secretaria. Se por um lado, tirou-lhe algumas iniciativa, por outro entrosou-o com órgãos como o de Departamento do Patrimônio Natural e Cultural. Foi quando o Conselho trabalhou intensamente, apreciando matérias enviadas por esse departamento, dando seus pareceres sobre os tombamentos de prédios públicos e particulares considerados históricos e de importância cultural.

          Entretanto, creio eu, a criação de três cargos de suplentes (Lei Delegada nº 160, de 15.7.82), justamente na administração Paulo Nunes, na Secretaria da Cultura, foi providencial. Foram nomeados pelo Governador o escritor Francisco Miguel de Moura e os funcionários da Secretaria da Cultura, mas também ligados aos meios culturais,  Luís Gonzaga Brandão de Carvalho, advogado, e  José Aírton Gonçalves Gomes, bibliotecário, que assumiram no dia 7 de outubro de l982, em sessão extraordinária, no auditório do Museu do Piauí. A solenidade contou com a presença do próprio Secretário de Cultura, Manoel Paulo Nunes, do Prof. José Pires Gayoso de Almendra Freitas - Presidente do Conselho Estadual de Educação, representando também o Secretário da Educação, e dos seguintes conselheiros do Conselho Estadual de Cultura:  Prof. Benjamin do Rego Monteiro Neto, Presidente, Dr. Zenon Rocha,  Prof. Leopoldo Portela Barbosa, Prof. Noé Mendes de Oliveira e Profa. Walda Neiva de Moura Leite. Num belo discurso, além de fazer a apresentação dos suplentes,  com seus cargos e ocupações no seio da cultura piauiense, o Secretário, Prof. Paulo Nunes, justificou a necessidade da criação daqueles cargos, para que, com sua convocação, o Conselho pudesse reunir-se e funcionar. Referia-se à ausência, por motivos diversos, dos membros titulares às sessões do CEC, conforme verificado nas atas daquele ano e dos anteriores. 

          A segunda fase do Conselho começa, então, pelo meio da administração do Prof. Benjamin do Rego Monteiro Neto, que exerceria aquele e mais dois mandatos na Presidência da entidade. Para concordar com a minha classificação, basta olhar a lista dos Conselheiros da época: Benjamin do Rego Monteiro Netos, José Camilo da Silveira Filho, Zenon Rocha, Leopoldo Portela, Maria Amélia Azevedo Ribeiro, Luiz Lopes Sobrinho e Noé Mendes de Oliveira. Eu fiz parte da primeira gestão do Prof. Benjamin do Rego Monteiro Neto (e na seguinte, como Conselheiro, posse em 30.1.87) e, modéstia à parte, sou fonte viva do que escrevo. Fiz parte, sim, como Suplente de Conselheiro, e, de vez em quando, ou melhor, constantemente era convocado. Fui indicado pelo Prof. Paulo Nunes, criador dos Suplentes, com o intuito de dinamizar o Conselho, quando era Secretário de Cultura (de 26.5.82 a 15.3.83).

          É exatamente nessa fase que começa o esforço do Conselho para sair do ovo, da fase burocrática. Quer trazer a revista «Presença» para ser organizada pelo CEC, procura  entrosar-se com os demais Conselhos Estaduais e com outras entidades de escritores e artistas. Lembro agora da solenidade de 21.7.83, festa do lançamento do livro «Inventário Precoce», poemas de Dalila Teles Veras, convidada pelo Prof. Benjamin do Rego Monteiro Neto, na sede do Conselho, contando com a presença de muitos intelectuais da terra. Sendo portuguesa da Ilha da Madeira e residente em São Paulo, Dalila tinha (e tem), no entanto, uma grande identidade com o Piauí, pois é casada com o advogado e também escritor piauiense, Valdecírio Teles Veras.  Na oportunidade, eu fiz um discurso que era também um estudo crítico do livro apresentado.

          Compulsando as atas da época, pode-se observar a procura de entrosamento com a Secretaria de Cultura, no intuito de organizar calendário de atividades culturais e mesmo de dar subsídios à formulação dos programas culturais anuais a serem desenvolvidos pelos diversos departamentos daquela Secretaria. Indo aos exemplos concretos: é o próprio Secretário de Cultura, Prof. Paulo Nunes, quem informa ao Conselho a realização de Congresso de Escritores do Norte e Nordeste, pela Associação dos Escritores (no caso seria a UBE-PI), com apoio da Secretaria, durante cujo evento foi lançada a nova edição «Antologia de Da Costa e Silva», com a presença do festejado e ilustre embaixador, Alberto da Costa e Silva, filho do poeta; o Conselheiro Prof. Noé Mendes insiste na elaboração do calendário de eventos e na contribuição que cada membro do Conselho pode prestar à elaboração do Plano Cultural do Estado, além de comunicar sua participação em congresso acontecido no Espírito Santo (Vitória), promovido por procuradores e membros do Serviço Jurídico das Instituições do Ensino Superior (COSJUB), destacando um concerto de violino e piano por um casal de polacos e o discurso da Dra. Shirley de Sousa Drummond Louro, especialmente pela recitação que fez do poema «Estatuto do Homem», de Thiago de Mello, considerado por Tristão de Athayde, não só um monumento de beleza poética mas igualmente de afirmação da dignidade do homem (sessão de 14.10.82);  durante a reunião de 28 de outubro de 1982 foi distribuído o trabalho Diretrizes para a Operacionalização da Política Cultural do MEC, a fim de que subsidiasse o Plano Cultural. Foi quando eu, como Suplente convocado, «examinando rapidamente o referido trabalho”, disse a respeito do item B:Interação das diferentes culturas”, que «não existe reciprocidade de relações culturais entre o Piauí e outros Estados, observando que recebemos escritores e conferencistas, a maioria com ajuda da Secretaria da Cultura, e nós piauienses não nos propomos a obter igual tratamento, deixando de levar pessoalmente os nossos escritores, nossa literatura, artes e nossas pesquisas aos outros centros, com apoio das instituições culturais oficiais, tendo o Conselho de Cultura como um promotor e divulgador do nosso trabalho fora do Estado.» Em seguida, falei sobre meu trabalho de editor da revista Cirandinha, frisando não ter recebido nenhuma ajuda oficial e que, mesmo assim, realizei um concurso de poesias, de âmbito nacional, com a participação de mais de 300 concorrentes, a cujos vencedores entregaria os prêmios brevemente.  O Prof. Benjamin justificou suas faltas anteriores, porque esteve presente no Encontro de Vitória, acima mencionado, e noutro em Salvador, Bahia. Aproveitando observação que fiz, propõe a abertura de um «stand» no Aeroporto para colocação de livros editados pelo Projeto Petrônio Portela e tentará fazer o mesmo junto às livrarias locais.

          Como falei acima, o Plano Editorial do Estado agora passou a ter outro nome e ser regido por outra lei. Era o Projeto Petrônio Portela (Decreto 5.678, de 6.1,84, baixado pelo então Governador Hugo Napoleão). Embora continuasse sem a participação do Conselho Estadual de Cultura, pois era dirigido pela Fundação Cultural do Piauí, o Projeto Petrônio Portela acolheu, muitas vezes, em seu Conselho Editorial nomes de Conselheiros do CEC. O caso mais digno de nota é o do Prof. Benjamin do Rego Monteiro Neto, ao tempo em que era Presidente do CEC, porque às vezes polêmico em seus pareceres. Ele foi chamado várias vezes a participar e participou da seleção de algumas obras submetidas ao Projeto para edição. Era assim que, não obstante não participar diretamente, o Conselho Estadual de Cultura jamais deixou de tomar conhecimento e de opinar sobre o Projeto e as obras publicadas.

          Com essa mostra, penso ter firmado minha classificação, muito mais pelo otimismo da época que pela elite que compunha o colegiado do CEC. É verdade que o que direcionava o Conselho era a pontualidade, severidade e firmeza do Prof. Benjamin do Rego Monteiro Neto, o Presidente do período, na condução das sessões e no leque de ações desenvolvidas a partir dali.

          Porque acredito que todos fazem história, não somente as personalidades e os líderes, coerentemente registro o serviço das duas secretárias: a que mais tempo serviu, funcionária da Fundação Cultural cedida ao CEC, Leila Maria de Almeida Veloso; e, durante pouco tempo, em 1984,  a poetisa e professora Gildes Silveira, que também secretariou o Colegiado.

         

                                      3. DEMOCRÁTICA

 

          A terceira parte e atual eu chamaria de democrática, ou popular, mas no melhor sentido desta palavra, fazendo contraste com o solene da fase anterior. Há outra razão. É que, não obstante, no primeiro regimento interno do Conselho já constar a representação de várias áreas da cultura através dos seus membros, ou seja, o princípio da diversificação do saber e especialidade de cada Conselheiro, somente, com o advento da Constituição Estadual de 5 de outubro de l989, as reivindicações populares tiveram vez. Dada a importância dessa lei maior e a rapidez com que todas as leis são reformadas hoje, não resisto ao desejo de transcrever a parte primeira do Cap. IV, da referida Constituição Estadual:            

          «Art. 229 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais estaduais.

          Parágrafo 1º - As manifestações das culturas populares terão proteção especial do Estado e dos Municípios.

          Parágrafo     -    O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento, desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação.

          Art. 230 -  Os colegiados normativos e consultivos de caráter permanente que participem das decisões do Poder Público Estadual sobre cultura terão seus membros indicados da seguinte forma: a) um terço pelo Poder Executivo; b) um terço pelo Poder Legislativo; c) um terço pelas entidades representativas dos produtores culturais.»

          Coincidentemente, o Prof. Paulo Nunes, agora não mais como Secretário de Cultura mas Presidente do CEC, foi quem deu posse aos novos membros do Conselho nomeado após as normas da Carta Constitucional do Piauí acima transcrita. O Colegiado passou a ser formado pelos seguintes Conselheiros, sendo Governador Antônio de Almendra Freitas Neto, Ato de 26.12.91, posse em 13.1.92: Titulares: Francisco Aci Gomes Campelo, Cinéas das Chagas Santos, Diva Maria Freire Figueiredo, Helena Conde Medeiros, José Eduardo Pereira Filho, José Itamar Guimarães Silva, Manoel Paulo Nunes, Maria Clarice de Souza Gomes e Maria Gomes Figueiredo dos Reis. Suplentes (posse em 2.7.92): Amaury Teixeira Nunes, Valderi Ulisses Duarte e Laurenice França de Noronha Pessoa. Posteriormente, com a interrupção dos mandatos dos Conselheiros Cinéas das Chagas Santos e Helena Conde Medeiros, as vagas foram preenchidas (Atos de 14.1.93 e 10.3.93) por Cristina Maria Miranda de Sousa Pinheiro Correia e Pedro Ferrer Mendes de Freitas, empossados, respectivamente em 28.1.93 e 18.3.93.

          Hoje, o Conselho Estadual de Cultura contém representação das principais entidades culturais organizadas e atuantes, e isto reflete nas indicações do próprio Governador do Estado e nas eleições do Poder Legislativo. Vejamos a composição do Conselho atual, cujos mandatos se extinguem  a 29.6.99.

          Por indicação do Governador: Pedro Ferrer Mendes de  Freitas, Cristina Maria Miranda de Sousa e Francisco Pereira da Silva Filho; por eleição pela Assembléia Legislativa: Francisco Miguel de Moura, José Itamar Guimarães Silva e José Mauro Barbosa Ribeiro; por indicação das Entidades Culturais:  Manoel Paulo Nunes (Academia Piauiense de Letras); Wellington da Silva Sampaio (Sindicato dos Artistas de Teatro) e Diva Maria Freire Figueiredo (pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB).  Suplentes: Amaury Teixeira Nunes, Ana Clélia Barradas Correia e  Francisca Maria Soares Mendes (Ato de 14.4.97 e posse em 24.4.97).

          É difícil escrever a história atual, simplesmente porque o presente não pode ser julgado pelo presente. Mas, com uma olhada mais ou menos superficial sobre o que aconteceu nos últimos tempos no Conselho Estadual de Cultura, podemos dizer que a sua continuidade é necessária. É fato que, com a nova política nacional de globalização, as formas de fazer cultura estão mudando, pois mudanças na economia atingem a todos indistintamente. Aos poucos foram sendo esvaziadas as Secretarias de Cultura e Fundações Culturais. Aqui, também. As transformações acontecidas especialmente no atual Governo, culminando com a troca  do nome da Fundação Cultural do Piauí para Fundação Estadual de Cultura e do Desporto do Piauí, com privilégio para o esporte e evidente perda para os outros setores, foram motivos de crítica sincera e fundada por parte do atual Presidente, apoiado no pensamento da maioria dos Conselheiros - tudo no sentido de evitar um recesso nas atividades culturais.

          No mandato anterior, contando com a dinâmica liderança e atuação do Conselheiro Cinéas Santos  e a sempre disponível disposição do Presidente, Prof. Paulo Nunes,  o CEC participou de programas e cursos pelos diversos e mais importantes municípios do Estado, comandados pela Fundação Cultural, levando artes, teatro e literatura, sob forma bem didática e informativa.

          No mandato atual, como no anterior, o CEC esteve bem entrosado com as ações que se referem à defesa do Patrimônio, através da Conselheira Diva Maria Freire Figueiredo, representante do IPHAN, no Piauí, e de conselheiros outros como Pedro Ferrer Mendes de Freitas, sempre vigilante com relação a Oeiras. Os Conselheiros de per si e o Conselho como um todo sempre estiveram de olhos abertos para o setor,  basta abrir os livros de atas desses dois períodos.  Exemplo recente: mal chegou ao Conselho a notícia de que o centro histórico de Oeiras, cidade que é «Monumento Nacional», iria ser asfaltado por constituir-se seu asfaltamento em «fator determinante de progresso», segundo seus defensores,  promoveu-se uma reunião (sessão de 26 de março de 1998),  presidida pelo Prof. Paulo Nunes,  com a presença dos Conselheiros Pedro Ferrer Mendes de Freitas, Francisco Miguel de Moura, Diva Maria Freire Figueiredo, Ana Cléia Barradas Coreia, Francisca Maria Soares Mendes, presentes o Secretário de Segurança Pública, Sr. Juarez Piauyense de Freitas  Tapety, representante da Prefeitura de Oeiras; Susana Lago Mello Soares, da Procuradoria da União do Piauí;  Maria Carmen Cavalcanti de Almeida, da Curadoria do Meio Ambiente; Demócrito Chagas Barreto, representante do Presidente da FUNDEC; Rogério Newton de Carvalho, da Defensoria Pública do Estado do Piauí;  Moisés Reis, Deputado Estadual; Mauro Tapety, Benedito Rubens e a jornalista Tânia Martins, do «Meio Norte», para tratar exclusivamente do assunto. Destaquemos trechos do ofício nº 19/98 - CEC, de 13 de abril de 1998, ao Exmo. Sr. José Nogueira Tapety Neto, Prefeito Municipal de Oeiras, em que o Conselho Estadual de Cultura, manifestando a opinião de seus membros presentes àquela reunião e a concordância de personalidades da comunidade cultural piauiense também ali presentes, solicita sua cooperação na defesa do nosso patrimônio histórico («parte das mais significativas da memória dos piauienses»). E no mesmo expediente comunica que «o centro histórico de Oeiras deve ser considerado, tendo em vista a sua preservação como um conjunto urbano, tendo como base de referência deste conjunto o perímetro proposto pelo projeto de Inventário e Estudo de Proteção, desenvolvido com o consórcio do IPHAN, FUNDEC e MINC. Este perímetro foi definido a partir da área urbana já delineada em mapa antigo da cidade, de 1808. (...) A área de valor histórico existente em Oeiras a ser preservada deve ser a mesma contida no perímetro de tombamento proposto no projeto desenvolvido pela FUNDEC e IPHAN. Isto não significa contudo que as autoridades, nas três esferas administrativas e principalmente a municipal, que gerencia o dia a dia da cidade e acompanha de perto a sua evolução, devam abandonar o centro histórico de Oeiras. Ao contrário, ele necessita de atenção especial dos administradores locais, interessados em promover intervenções que lhe preservem, resgatem e valorizem as características originais e ao mesmo tempo promovam a melhoria da qualidade de vida para a população.»

          Com relação ao financiamento da cultura, já então sem amparo orçamental, não possuíamos nenhuma lei de incentivos fiscais e o Projeto Petrônio Portela estava parado há anos. Que fazer? O pleito do Conselho Estadual de Cultura, que não pode ser subavaliado, porque uma de suas realizações mais preciosas do período, é a Lei de Incentivos Fiscais (Lei nº  4.997, de 30.12.97, regulamentada pelo Dec. nº 9.878, de 5.3.98), antes, porém, amplamente debatida com as entidades culturais mais representativas da cultura piauiense. Acredita-se que tal lei entrará brevemente em execução, para gáudio dos produtores culturais necessitados.

          Ponto alto de nossas reuniões foi, sem dúvida, a visita que nos fez o embaixador Alberto da Costa e Silva e sua conferência proferida no plenário do Conselho, em 1997, abordando vários assuntos do maior interesse, mas centralizada principalmente no problema da conservação do patrimônio histórico da humanidade, no contexto de vários países e de várias culturas. Foram convidadas e compareceram autoridades e pessoas representativas da sociedade teresinense, não se tratando absolutamente de uma sessão fechada, apenas para os Conselheiros.

          Finalmente, a revista Presença foi reativada no primeiro semestre de 1993, quando saiu o nº 20 e, daí por diante, saem mais os nºs. 21, 22, 23, 24 e 25, este último no segundo semestre de 1997.  Com as dificuldades financeiras por que vem passando o Estado, o Prof. Paulo Nunes, um inveterado amante das boas letras e da cultura, batalhou incansavelmente para conseguir os fundos dessas edições, muitas vezes recorrendo a outras entidades públicas e mesmo particulares.

          A par de seu trabalho contínuo como crítico talentoso, culto e honesto, orientando a leitura dos mais novos e comentando nos jornais os bons livros editados no Brasil e noutros países, especialmente em Portugal, o Prof. Paulo Nunes vem fazendo um ótimo trabalho junto ao Conselho Estadual de Cultura. Durante suas duas gestões tem ficado atento a tudo que acontece de bom e mau na comunidade piauiense, seja uma biblioteca que se abre ou se fecha, seja um prédio público que esteja em más condições e possa prejudicar o bem cultural público de alguma forma, seja convidando entidades e associações científicas, artísticas e literárias para debater seus problemas, seja na sentinela com relação ao meio ambiente. É um trabalho muitas vezes silencioso mas gigantescos nos seus efeitos. Por onde quer que vá leva o Conselho consigo. Para comprovar minha afirmação e arrematar esse arremedo de história, transcrevo seu último artigo, jornal O Dia, de 31 de maio de 1998, com o título de Fórum de Conselhos de Cultura: 

          «Ao retornar de uma viagem a Rosário, no noroeste da Argentina, província de Santa Fé, em visita a familiares que ali residem, detive-me durante alguns dias em Porto Alegre, também em visita a parentes.

          Rosário é uma cidade de feição européia,  com  1.300.000 habitantes e ascendência italiana, de forma preponderante.  Possui cinco universidades, uma das quais a Nacional, com 64.000 estudantes, uma vida cultural intensa, que se faz em torno de um grande teatro, «El Circulo», belíssima construção em estilo neoclássico, onde assistimos a uma representação da Filarmônica de Buenos Aires. Conta ainda com um museu de belas-artes e um museu histórico através do qual se reconstitui a história argentina, boas livrarias, com grandes estoques, no estilo da antiga Livraria Freitas Bastos, no Rio das décadas de 40 e 70, rua de pedestres, como a famosa Córdoba, com mesas e cadeiras nas calçadas como se vê em Paris, e bons restaurantes, onde se degusta o bom vinho de Mendoza, acompanhando a melhor carne do mundo.

          Em Porto Alegre, participei de uma reunião do Conselho Estadual de Cultura, que é atualmente presidido, com muita competência, pelo editor Roque Jacoby, uma figura simpática e acolhedora de quem recebi o amável convite para almoçar e, em seguida, tomar parte na sessão do Conselho. Ali falei durante cerca de vinte minutos, sobre o programa de atividades desenvolvidas em nosso Conselho, especialmente no que diz respeito à preservação do nosso patrimônio cultural e à divulgação de nossa cultura, através da revista Presença, hoje considerada, no gênero, um dos mais significativos órgãos de divulgação cultural do país.

          Lembrei o esforço memorável que os Conselhos de Cultura vêm desenvolvendo, não obstante a falta de recursos e a má vontade dos governos em relação à cultura, por eles considerada mera superfetação, uma espécie de beletrismo de mau gosto que há pouco tempo conceituamos como infra-literatura, muito pior do que a subliteratura, pois se encontra abaixo desta, em que são férteis as academias que diariamente se fundam entre nós, menos para contribuir para o desenvolvimento da cultura do que para alimentar as vaidadezinhas paroquiais, num esforço indecente para o cultivo das coisas inúteis. Destaquei a função da cultura como processo de vida, que se incorpora à nossa vivência e à nossa sofrência diária e só ela é capaz de elevar o homem à sua grandeza e à sua maior dignidade. Retomei, mais uma vez, a irretocável  conceituação do ensaísta inglês John Cowper Poys, em seu livro Significação da Cultura,  para quem cultura é aquilo que resta em nós quando esquecemos tudo o que aprendemos.

          Finalmente, solidarizei-me com o próximo Fórum Nacional de Conselhos de Cultura, que será promovido por aquele Conselho de 29 de julho a 1º de agosto do corrente ano e para o qual estão sendo convidados todos os Conselhos do país. Esta idéia coincide com antiga proposta por nós insistentemente defendida junto aos ministros da Cultura com os quais tem coincidido minha gestão na presidência de nosso Conselho, como forma de mantê-los integrados na função de órgãos promotores da cultura no país.  Disse ainda que aquele Fórum seria como que o ponto de partida para a realização de novos encontros similares em todo o país, através dos quais proceder-se-ia à perfeita integração entre essas entidades culturais e se redefiniria uma política efetiva de defesa da cultura brasileira, em suas diferentes formas de expressão.

          Foi assim uma proveitosa reunião e uma oportunidade das melhores para repensar-se os problemas da cultura em nosso país, sobre os quais também se debruçam os ilustres integrantes daquele colegiado.»

          Paulo Nunes é assim, o escritor e o homem público. Tem sido confundido algumas vezes, por algumas pessoas, com o próprio Conselho, como se fosse o criador do CEC. Poderia ter sido. Não obstante, é um dos maiores benfeitores da nossa cultura. Sem o Prof. Paulo Nunes, é possível que o CEC, hoje, existisse apenas no nome, na lembrança. Com ele, o Conselho Estadual de Cultura tornou-se o que é: crescido e presente, um dos melhores e mais atuantes do país. Nosso porta-voz, a revista «Presença», é elogiada onde quer que chegue. E tem chegado longe.            

          Por último, registro meus agradecimentos ao trabalho da funcionária Ana Maria dos Santos, dedicada e gentil secretária do Conselho, desde os tempos do Prof. Benjamin do Rego Monteiro Neto, pois começou em 1987, até hoje.  Sem seu trabalho valioso, teria sido impossível o levantamento destes dados e portanto a escritura desta Pequena História de um Grande Conselho – Parte I.

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