Dílson Lages
a Francisco Miguel de Moura*
a Francisco Miguel de Moura*
1.DL - Ao buscar o
princípio de formação de nossa literatura, o senhor examina, sobretudo, o
contexto sócio-cultural que justificasse a existência de um sistema literário.
Quase todos os autores do século XIX catalogados pelo senhor constituem sua
formação fora do Piauí. Em que sentido a compreensão do Piauí do século XIX, em
sua dimensão econômica, cultural e social, pode contribuir para a literatura
daquele momento, já que os autores se formaram fora de suas raízes?
l. FMM – Ao pensar a
história de uma “Literatura do Piauí”, a partir da primeira edição,
minha meta não era classificar autores e obras por datas pétreas como século,
por exemplos, como você pergunta. O importante para mim era que as obras fossem
escritas por piauiense (natos ou não) e sobre matéria (assunto) e linguagem do
Piauí, como está explicito na primeira parte do livro, quando classifico como
autor piauiense (logo no início da página, da 2ª edição, que repete a 1ª). No meu entendimento, completo que os
contextos sociais e culturais começam onde nascem e/ou terminam onde vive o
autor, pois que a formação cultural não se situa obrigatoriamente na região ou
estado aonde foi aprimorar sua educação. Se assim fosse, eu teria dado o nome
de “Geração da Academia”, como se fosse geração da “Escola de Recife”,
onde estudaram quase todos eles. E assim fugiria à minha preferência
classificatória de “geração”.
2. DL- Fiz a
provocação evidente na pergunta inicial de nosso diálogo por uma razão simples:
o senhor optou por trabalhar a noção de gerações para catalogar autores e obras
com suas respectivas características. A classificação por escolas é
praticamente abandonada. Por que essa concepção seria capaz de conceber a
dimensão estética da literatura?
2. FMM – Penso que a
minha resposta, em parte, já está contida na resposta à sua primeira pergunta.
Para completar, a minha ideia de “geração” é a seguinte: Substituiria
muito bem o meu intento, sem necessariamente usar o nome de “escola”,
classificação que sempre achei antipática e também de certa forma ilusória,
como, de fato, qualquer classificação. Mas lembro que minha leitura do grande
crítico Wilson Martins influenciou em tal escolha, pois que ele me disse mais o
menos o seguinte: “Depois do “Modernismo”, tudo é modernismo, não
há mais escolas” (não tenho à mão o texto, por isto o cito de cor). Foi
então que, partindo do “modernismo”, transformei todas as outras chamadas “escolas”
em “gerações”. Alias separar diferentes formas e períodos literárias em
“gerações”, depois do “Modernismo”, é moda: Nely Novaes Coelho criou as gerações
em décadas: a de 30, a de 40, a dos
anos 60 (nesta me incluiu). Outros autores esticaram as gerações para 15 anos
entre uma e outra. Da Europa, veio-nos a ideia de que as gerações mudam de 14
em 14 anos, sejam se referindo à história geral, social ou psicológica. Como é
sabido, na história tudo se liga para poder compreender-se o todo, segui o
mestre.
3.DL - O que, com
exatidão, representa no plano do conteúdo e no da forma a literatura escrita
por piauienses no século XIX?
3.FMM – Não posso
dizer-lhe apenas por séculos, muito menos do século XIX, pois que não lhe daria
uma resposta acertada ou pelo menos satisfatória, pois que aí eu teria de
escrever uma nova história da “Literatura do Piauí”. A que escrevi casa
suficientemente com o estabelecido no Estatuto da Academia Piauiense de Letras,
que você bem conhece. Por minha parte, a Minha “Literatura do Piauí”,
escrita por piauienses (natos ou não) é igual à literatura brasileira, com suas
caraterísticas de conteúdo e linguagem, haja vista que até então ninguém
contestou o “Dicionário Piauês” como outros dicionários – e cito aqui os
livros do grande escritor Fontes Ibiapina. Em outras partes do Brasil houve e
ainda há muitas dessas diferenças formais no uso de palavras e expressões,
incluindo a sabedoria do povo, a qual só enriquece as letras, de modo geral. E
isto não acontece apenas no Brasil e com a língua portuguesa. Neste ponto é bom
comparar Fontes Ibiapina e Alvina Gameiro, com autores considerados nacionais
como Guimarães Rosa. Este último estaria bem situado numa Literatura Mineira,
que não se já foi escrita.
4. DL - As recentes
edições realizadas pela Academia Piauiense de Letras, as quais valoriza também
autores do século XIX, entre eles Leonardo Castello Branco, criou um cenário
positivo para a revisitação, pela crítica literária, das lacunas sobre o que se
escreveu literariamente até 1950, no Piauí ou por piauienses. Quais lacunas, em
sua ótica, precisam ser preenchidas pelos estudiosos sobre a literatura
piauiense escrita no século XIX?
4. FMM – Creio que são
muitas as lacunas. Os novos historiadores é que têm de descobrir e completar.
Quando escrevi minha “Literatura do Piauí”, ainda não conhecia “A
Criação Universal”, obra principal de Leonardo das Dores Castelo.
Naturalmente que hoje os historiados podem ter outra visão que não a minha
naquela ocasião. No que escrevi sobre ele fui orientado pelos autores da “Geração
Acadêmica”, especialmente por Clodoaldo Freitas e João Pinheiro. Se se
pensar que cada geração tem o seu modo de sentir, ver, ouvir e contar, eu
acredito que cada geração escreverá a sua história, literária ou política. Foi tentando suprir muitas lacunas que pensei
escrever “Literatura do Piauí”, deixando o campo aberto para as novas
gerações. A ideia de “gerações”, estabelecidas por mim, foi pretendendo
preencher muitas lacunas da história do João Pinheiro e também da do meu colega
Herculano Moraes. Aí vi como estabelecer a “Geração do Cenáculo”,
ajudado pelas anotações de Cléa Rezende Neve de Melo em seu livro “Recordando
o Cenáculo Piauiense de Letras” de 1997, e também anotações de pesquisa
feita por Áurea Queiroz, com a busca nos principais jornais da época, cujo
material primário ainda guardo.
5.DL -O
estabelecimento de gerações literárias, apresentadas basicamente em número de 6
pelo senhor, não excluiria autores que não participaram de grupos ou que se
anteciparam a seu tempo ou retardaram-se a ele quanto às escolhas estilísticas
de sua produção?
5.FMM – Talvez, sim. Mas
qualquer classificação é passível de esquecimentos. Mas, na pg.27, quando
escrevo sobre “Pré-história da Literatura do Piauí”, tive o
cuidado fazer uma relação dos escritores (quase todos eles foram políticos,
cientistas, oradores), feita por João Pinheiro, para que sempre sejam lembrados
e estudados pelos que desejarem aprofundar e apresentar suas biografias, visto
que todos eles são do século XIX, onde abrangência do meu trabalho foi menor.
6.DL - Veja-se o caso
do “Modernismo”. Há uma lacuna em nossa história literária quanto a estudos
consistentes do modernismo na prosa de ficção, como se a prosa de matiz moderno
só existisse a partir de Renato Pires Castello Branco, e principalmente com
escritores que produziram entre 1950 e 1970. Para o senhor, esse vazio se
explica por qual razão?
6.FMM - O Piauí era um
estado isolado, sem comunicação rápida com o resto do país. Assim, o “Modernismo”
nos chegou com grande atraso, quando a “Geração Meridiano” já estava em
andamento. Tem também um escritor valenciano, Permínio Asfora que escreveu
romances, por exemplo “Sapé”, que é de 1940 e Berilo Neves, parnaibano
que escreveu “A Costela de Adão”, 1929. Mas o que acontece é que
os escritores lançavam seus livros sempre onde moravam, por isto não são
conhecidos nem lidos no seu tempo no Piauí. O romance verdadeiramente moderno
só nos chegou com Renato Castelo Branco, Fontes Ibiapina e O. G. Rego de
Carvalho. É muito difícil marcar por “escola” ou por “geração”.
Eu escolhi pela última, onde encontrei meios de mostrar, no tempo e no espaço,
prosadores e poetas.
7.DL- Nossos mais
valorosos escritores, pelo menos os consagrados pelo cânone nacional,
construíram-se fora do Piauí. Aliaram o exercício da crítica literária na
grande imprensa do Sudeste à intensa vivência de linguagem. Qual sua opinião a respeito?
7. FMM – Certamente isto
aconteceu, por causa do atraso do Estado do Piauí, histórica e economicamente,
em cujos contextos a literatura vai buscando sua presença. A crítica, seja na
província, seja nos pequenos jornais do estado, sempre existe, às vezes nem
sempre confiável. Portanto, a base primeira paras escolha a é texto, que se
tornava de difícil leitura dessas obras que apareciam no Sudeste: É ocaso do
romance “Ataliba, o Vaqueiro” (1878), ainda no século XIX, a que você se
refere, que precisa ser estudado: um romance que é romântico, mas já adianta
como se antecipador dos da “Geração Modernista’, do romance
regional de 1930.
8.DL - Na nova
edição de “Literatura do Piauí” (de Ovídio Saraiva aos nossos dias), o
senhor busca .por meio de textos, fornecer amplo painel da literatura
piauiense. Qual critério o senhor usou para a seleção dos textos?
8.FMM – Não é fácil, mas,
como todos os críticos e historiadores, busquei na palavra dos críticos nos
textos, tanto quanto pude. Os mais antigos, tive que me contentar com os
trechos citados por João e Pinheiro e outros historiadores.
9. DL- Quais, o senhor espera, sejam
as maiores contribuições de seu livro “Literatura do Piauí”?
9. MM – Quem leu meu
livro com cuidado verá que, em determinadas gerações busquei atualizar tudo o
que pude – assim algumas vezes usei o recurso das minhas “Digressões”,
para ligar gerações passadas com as do presente. É o caso da “Geração do
CLIP”, e o fiz para que os historiados que vierem depois de mim, tenha um
retrato fiel. Não fiz por vaidade, fi-lo mais por precaução, embora antes o
Herculano Moraes já o tenha feito por mim.
Teresina-PI, 11 de dezembro de 2019
As) Francisco Miguel de Moura
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*Entrevista para www.potalentretextos.com. br Dilson Lages entrevita Francisco Miguel de Moura
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