Francisco Miguel de Moura*
Faz alguns meses que, por intermédio do meu amigo
Roosevelt Silveira, recebi o livro de poemas “Faca Amolada”, FUNPEC-Editora,
Ribeirão Preto (SP), 2017, de Waldomiro Peixoto. Roosevelt Silveira me fez
sentir que o autor gostaria de ter uma opinião crítica sobre sua obra. Mas não
sabia a quem recorrer. Meu amigo se dispensou de avaliar sua poesia e me mandou
o volume, também sem dedicatória, para minha apreciação.
Dessa forma, me vi na
obrigação de ler e escrever (se fosse o caso) sobre “Faca Amolada” e em
seguida, enviar ao intermediador, o amigo Roosevelt Silveira, com a solicitação
de dar o destina que lhe for mais conveniente, sem tirar-me a obrigação de
tornar esta matéria pública, através do minha página na internet, visto que já
não escrevo mais para os jornais.
Li todo o livro, não cometo a injustiça de fazer qualquer
crítica a um livro sem que o tenha lido. Waldomiro Peixoto é um poeta de
primeira viagem, se bem que não tão novo, pois nasceu em 1950, em Ipuã (SP),
sendo casado, pai e avô. Avaliando essas condições e a obra, juntando o que
puder juntar, o que direi? Seu livro tem 118 págs. Não é tão grande nem tão pequena,
representando várias fases sua vida, ao que nos parece. Tudo bem. Não importa.
Estilisticamente começa mais ou menos bem, com o poema
sem nome: “Essa vida madrasta! /Arrasta arrasta arrasta / Escorre escorre
escorre. /Só o tédio não morre”. Como se fosse uma epígrafe do que há no
livro. E há. Assunto não lhe falta, é verdade, e assuntos que podem transformar-se
em poesia, ou seja, um trabalho normal do vulgar ao clássico, onde transpareça
a alma do poeta, a alma de todos os poetas, quiçá de todos os homens, pela
invenção da poesia. Concordo com seu
apresentador (Antônio Carlos Tórtoro), quando escreve que “o percurso de um livro de poemas é exatamente como o percurso da vida:
não sabemos o que vamos encontrar, se um pente ou um cadáver. É como pular num abismo e para pular de um
abismo não precisamos de muitos artifícios ou justificativas.” Porque a poesia não precisa de
justificativas, a poesia é a própria justificação, quer trate do tudo ou do
nada. A poesia precisa dizer o indizível, enquanto não encontramos a forma de
dizê-lo não devemos parar a procura. O poeta é caçador, palavras, sons e
acentos, para atingir a altura nos píncaros da leitura verbal ou apenas silenciosa. Pode parecer impossível, mas é com
o possível que o poeta encontra o impossível: seu eu, o eu dos outros e a alma
das coisas.
Sem mais delongas, passemos ao seu poetar, à sua maneira
de escrever poemas, com “A Indiferença do Poeta”: O primeiro
verso seria mais forte se “Lápis e papel
sobre a mesa caídos”. Até aí apenas descrição, e as descrições são antipoéticas.
Se substituísse o adjetivo “caídos”
por “desfalecidos” ficaria bem mais
forte. Outras e outros em que a poesia mais vibrasse: No
oitavo verso, eliminar-se-ia “uma
relação”; no décimo quarto verso, eliminando “de sua poesia”; e o quarteto final seria resumido num terceto,
assim: “Indiferente a ambos /o poeta
conta a própria história./ - Quem sabe a outro história, a nossa!”
Quando assim escrevo é pensando em quanto foram úteis as
conversas que mantivemos, eu e poeta Hardi Filho, de saudosa memória, quando nos
criticávamos e até recebíamos auxílios um do outro para este ou aquele poema.
Era uma troca muito rica! Que poetas como Waldomiro Peixoto encontrem amigos
poetas para sua convivência verbal, artística, vis-a-vis. Se me proponho a
fazer a análise de um poema, não é simplesmente para bancar de doutor no
assunto, mas para pensar-se em fortificá-lo, com mais e mais imagens, mais
mistérios, mas criação, menos descrição, menos o trivial – tudo o que ficaria
para a prosa.
Waldomiro Peixoto começou bem o seu livro “Faca Amolada”,
com dois poemas que qualifico de bons. Porém melhores ficarão se, no futuro, lendo
e ouvido poesia e sobre poesia, fizesse uma reescrita para nova edição. Os bons
poetas e escritores costumam reescrever sempre o que foi escrito. Eu reescrevo,
nunca acho que ficou bem. Ainda hoje reescrevo “Areias”, de minha estreia, em
1966. O primeiro crítico de mim sou eu mesmo. Estilo é uma coisa que se
constrói, não é um elemento com o qual apenas se nasce. O que chamam de
inspiração não existe num sentido global. Outros poemas: “Eu e o Poeta” e “A
Necessidade do Poeta”, onde WP conclui com versos que fazem um fecho de
ouro: “Concluí, amargo, obscuro: / O homem é limite puro.” Quando falamos em
fecho de ouro não significa que o começo, os primeiros versos também sejam de
ouro, devem ser, sim.
Nota-se também que o poeta não abusa das rimas. Rima não
é uma necessidade dentro do poema. Só deve acontecer quando for espontânea e
vigorosa, principalmente se o achado for de rima rica. A rima rica tem várias formas: quando vem com
as palavras de diferentes categorias gramaticais: imenso –
venço, por exemplo.
Comparando mal, o poema é o apartamento de um edifício,
onde se difere dos outros pela arrumação: móveis, quadros artísticos, enfeites.
Sem deixar de ser um apartamento, dentro do edifício, ele é seu; as visitas
chegam e sentem o cheiro, o colorido, as paredes, os enfeites, a luz e a música
da beleza. Não precisa você explicar: está em ou não está. O poema se explica
por si mesmo. Também não precisa de adjetivos em profusão, de palavras polissilábicas,
tais como advérbios em “mente” e outras; nem precisa de repetições inúteis, mas
apenas quando o quadro, o assunto exige para fazer bem ao ouvido ou até para
fazer mal quando se trata de poema satírico.
No livro em estudo, quero citar os poemas “Sinfonia
Mágica”, “Existe Solidão”, “Quarto de Hotel”, e “Sonhar
e Despertar” (vejamos como colocou bem o advérbio “pa qui der mi ca men te”), além
de outros também terminados em “mente”, que foram bem colocados.
Por isto aqui se confirma: “não há regra sem exceção”, cada poema tem sua regra,
tem sua forma, seu estilo, basta procurar. É bom lembrar sempre o mestre Carlos
Drummond de Andrade: “Lutar com a palavra/ é a luta mais vã, / no
entanto lutamos, / mal nasce a manhã”. Quando se diz que as palavras polissilábicas
não são boas para a poesia é, simplesmente, para apontar que o nosso idioma é rico
em dissílabos e trissílabos paroxítonos, é nessa classe que encontramos volume
extraordinário de palavras. Outros poemas importantes nos quais WP frequenta a
concisão são “Vazio” e “Mudança”. Já o grande escritor
Edgar Allan Poe confessou que os poemas longos não marcam tentos, já não
existem as epopeias como antes. A lírica é melhor quando curta. Só os grandes
poetas conseguem um poema mais ou menos longo como “O Corvo”, pois amarra o
leitor (ou ouvinte) ao refrão inerente ao título, até fim. Melhor não arriscar,
para não cair em descrições e narrativas. Outros poemas: “E o Homem?”,
(oferecido a Ferreira Gullar), “Infinito de Amor” (concreto) e “Faca
Amolada”, são poemas que oferecem tons fortes, imagens indistintas entre
o espírito e a carne. O livro vale por todos os poemas já citados.
Outros poemas poderia citar entre os bons, os quais o
poeta só deverá mesmo reescrever alguma coisa, palavras, locuções,
cancelamentos, substituição, com vagar e
sempre baseando-se nos grandes escritores nossos, como Ferreira Gullar,
Drummond e Manoel de Barros, para citar apenas os modernos, e não se deixar
levar pelos poetas da música popular, onde raramente encontramos bons versos.
Não citei os clássicos Olavo Bilac e Guilherme de Almeida – estes me vieram à
mente porque encontrei no livro “Faca
Amolada”, um poema que o autor diz
ser soneto, mas soneto não é, pode ser que seja um poema de médio alcance. Soneto
tem regras, só quem as conhece e já construiu alguns, pode brincar com
elas. Não estou dizendo que o autor em
estudo não tem capacidade de escrever um soneto, que é uma forma secular consagrada
onde somente os grandes autores encontram lugar e colocam-se entre os mestres. Mas,
sinceramente, precisa de mais treino, sim. Aliás, um treino que até os grandes
poetas modernos fizeram, mas alguns não publicaram
nenhum (veja o caso de Oswaldo de Andrade), para não confessarem o “pecado”.
Enfim, “tudo vale a
pena se alma não pequena”, concordo com Fernando Pessoa. Assim, para o
poeta Waldomiro Peixoto restam dois caminhos: um deles é reescrever o “Faca
Amolada”, no todo, ou em parte; o outro é escrever nova obra tentando melhorar
sempre, como os poetas fazem. Poeta não nasce, poeta se faz. Faz-se com muito
suor, papel e letras, acompanhados de obstinação. Não quis desanimá-lo, assim.
Faço-lhe esta crítica com a mão no coração. É cheio de boa vontade que lhe vou
apontando o que sei. Os leitores que me julguem, pois os críticos também erram.
Mas é preciso provar que não tenho razão.
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