sábado, 22 de dezembro de 2018

FACA AMOLADA – UMA CRÍTICA SOBRE O LIVRO DE WP

     
  Francisco Miguel de Moura*                                              

            Faz alguns meses que, por intermédio do meu amigo Roosevelt Silveira, recebi o livro de poemas “Faca Amolada”, FUNPEC-Editora, Ribeirão Preto (SP), 2017, de Waldomiro Peixoto. Roosevelt Silveira me fez sentir que o autor gostaria de ter uma opinião crítica sobre sua obra. Mas não sabia a quem recorrer. Meu amigo se dispensou de avaliar sua poesia e me mandou o volume, também sem dedicatória, para minha apreciação.
            Dessa forma, me vi na obrigação de ler e escrever (se fosse o caso) sobre “Faca Amolada” e em seguida, enviar ao intermediador, o amigo Roosevelt Silveira, com a solicitação de dar o destina que lhe for mais conveniente, sem tirar-me a obrigação de tornar esta matéria pública, através do minha página na internet, visto que já não escrevo mais para os jornais.
            Li todo o livro, não cometo a injustiça de fazer qualquer crítica a um livro sem que o tenha lido. Waldomiro Peixoto é um poeta de primeira viagem, se bem que não tão novo, pois nasceu em 1950, em Ipuã (SP), sendo casado, pai e avô. Avaliando essas condições e a obra, juntando o que puder juntar, o que direi? Seu livro tem 118 págs. Não é tão grande nem tão pequena, representando várias fases sua vida, ao que nos parece. Tudo bem. Não importa.
            Estilisticamente começa mais ou menos bem, com o poema sem nome: “Essa vida madrasta! /Arrasta arrasta arrasta / Escorre escorre escorre. /Só o tédio não morre”. Como se fosse uma epígrafe do que há no livro. E há. Assunto não lhe falta, é verdade, e assuntos que podem transformar-se em poesia, ou seja, um trabalho normal do vulgar ao clássico, onde transpareça a alma do poeta, a alma de todos os poetas, quiçá de todos os homens, pela invenção da poesia.  Concordo com seu apresentador (Antônio Carlos Tórtoro), quando escreve que “o percurso de um livro de poemas é exatamente como o percurso da vida: não sabemos o que vamos encontrar, se um pente ou um cadáver. É como pular num abismo e para pular de um abismo não precisamos de muitos artifícios ou justificativas.”  Porque a poesia não precisa de justificativas, a poesia é a própria justificação, quer trate do tudo ou do nada. A poesia precisa dizer o indizível, enquanto não encontramos a forma de dizê-lo não devemos parar a procura. O poeta é caçador, palavras, sons e acentos, para atingir a altura nos píncaros da leitura verbal ou apenas  silenciosa. Pode parecer impossível, mas é com o possível que o poeta encontra o impossível: seu eu, o eu dos outros e a alma das coisas.
            Sem mais delongas, passemos ao seu poetar, à sua maneira de escrever poemas, com “A Indiferença do Poeta”: O primeiro verso seria mais forte se “Lápis e papel sobre a mesa caídos”. Até aí apenas descrição, e as descrições são antipoéticas. Se substituísse o adjetivo “caídos” por “desfalecidos” ficaria bem mais forte.  Outras  e outros em que a poesia mais vibrasse: No oitavo verso, eliminar-se-ia “uma relação”; no décimo quarto verso, eliminando “de sua poesia”; e o quarteto final seria resumido num terceto, assim: “Indiferente a ambos /o poeta conta a própria história./ - Quem sabe a outro história, a nossa!”
            Quando assim escrevo é pensando em quanto foram úteis as conversas que mantivemos, eu e poeta Hardi Filho, de saudosa memória, quando nos criticávamos e até recebíamos auxílios um do outro para este ou aquele poema. Era uma troca muito rica! Que poetas como Waldomiro Peixoto encontrem amigos poetas para sua convivência verbal, artística, vis-a-vis. Se me proponho a fazer a análise de um poema, não é simplesmente para bancar de doutor no assunto, mas para pensar-se em fortificá-lo, com mais e mais imagens, mais mistérios, mas criação, menos descrição, menos o trivial – tudo o que ficaria para a prosa.
            Waldomiro Peixoto começou bem o seu livro “Faca Amolada”, com dois poemas que qualifico de bons. Porém melhores ficarão se, no futuro, lendo e ouvido poesia e sobre poesia, fizesse uma reescrita para nova edição. Os bons poetas e escritores costumam reescrever sempre o que foi escrito. Eu reescrevo, nunca acho que ficou bem. Ainda hoje reescrevo “Areias”, de minha estreia, em 1966. O primeiro crítico de mim sou eu mesmo. Estilo é uma coisa que se constrói, não é um elemento com o qual apenas se nasce. O que chamam de inspiração não existe num sentido global. Outros poemas: “Eu e o Poeta” e “A Necessidade do Poeta”, onde WP conclui com versos que fazem um fecho de ouro: “Concluí, amargo, obscuro: / O homem é limite puro.” Quando falamos em fecho de ouro não significa que o começo, os primeiros versos também sejam de ouro, devem ser, sim.
            Nota-se também que o poeta não abusa das rimas. Rima não é uma necessidade dentro do poema. Só deve acontecer quando for espontânea e vigorosa, principalmente se o achado for de rima rica.  A rima rica tem várias formas: quando vem com as palavras de diferentes categorias gramaticais: imenso – venço, por exemplo.
            Comparando mal, o poema é o apartamento de um edifício, onde se difere dos outros pela arrumação: móveis, quadros artísticos, enfeites. Sem deixar de ser um apartamento, dentro do edifício, ele é seu; as visitas chegam e sentem o cheiro, o colorido, as paredes, os enfeites, a luz e a música da beleza. Não precisa você explicar: está em ou não está. O poema se explica por si mesmo. Também não precisa de adjetivos em profusão, de palavras polissilábicas, tais como advérbios em “mente” e outras; nem precisa de repetições inúteis, mas apenas quando o quadro, o assunto exige para fazer bem ao ouvido ou até para fazer mal quando se trata de poema satírico.
            No livro em estudo, quero citar os poemas “Sinfonia Mágica”, “Existe Solidão”, “Quarto de Hotel”, e “Sonhar e Despertar” (vejamos como colocou bem o advérbio “pa qui der mi ca men te”), além de outros também terminados em “mente”, que foram bem colocados. Por isto aqui se confirma: “não há regra sem exceção”, cada poema tem sua regra, tem sua forma, seu estilo, basta procurar. É bom lembrar sempre o mestre Carlos Drummond de Andrade: Lutar com a palavra/ é a luta mais vã, / no entanto lutamos, / mal nasce a manhã”.  Quando se diz que as palavras polissilábicas não são boas para a poesia é, simplesmente, para apontar que o nosso idioma é rico em dissílabos e trissílabos paroxítonos, é nessa classe que encontramos volume extraordinário de palavras. Outros poemas importantes nos quais WP frequenta a concisão são “Vazio” e “Mudança”. Já o grande escritor Edgar Allan Poe confessou que os poemas longos não marcam tentos, já não existem as epopeias como antes. A lírica é melhor quando curta. Só os grandes poetas conseguem um poema mais ou menos longo como “O Corvo”, pois amarra o leitor (ou ouvinte) ao refrão inerente ao título, até fim. Melhor não arriscar, para não cair em descrições e narrativas.  Outros poemas: “E o Homem?”, (oferecido a Ferreira Gullar), “Infinito de Amor” (concreto) e “Faca Amolada”, são poemas que oferecem tons fortes, imagens indistintas entre o espírito e a carne. O livro vale por todos os poemas já citados.
            Outros poemas poderia citar entre os bons, os quais o poeta só deverá mesmo reescrever alguma coisa, palavras, locuções, cancelamentos, substituição, com  vagar e sempre baseando-se nos grandes escritores nossos, como Ferreira Gullar, Drummond e Manoel de Barros, para citar apenas os modernos, e não se deixar levar pelos poetas da música popular, onde raramente encontramos bons versos. Não citei os clássicos Olavo Bilac e Guilherme de Almeida – estes me vieram à mente porque encontrei no livro “Faca Amolada”, um poema que o autor diz ser soneto, mas soneto não é, pode ser que seja um poema de médio alcance. Soneto tem regras, só quem as conhece e já construiu alguns, pode brincar com elas.  Não estou dizendo que o autor em estudo não tem capacidade de escrever um soneto, que é uma forma secular consagrada onde somente os grandes autores encontram lugar e colocam-se entre os mestres. Mas, sinceramente, precisa de mais treino, sim. Aliás, um treino que até os grandes poetas modernos fizeram, mas alguns  não publicaram nenhum (veja o caso de Oswaldo de Andrade), para não confessarem o “pecado”.
            Enfim, “tudo vale a pena se alma não pequena”, concordo com Fernando Pessoa. Assim, para o poeta Waldomiro Peixoto restam dois caminhos: um deles é reescrever o “Faca Amolada”, no todo, ou em parte; o outro é escrever nova obra tentando melhorar sempre, como os poetas fazem. Poeta não nasce, poeta se faz. Faz-se com muito suor, papel e letras, acompanhados de obstinação. Não quis desanimá-lo, assim. Faço-lhe esta crítica com a mão no coração. É cheio de boa vontade que lhe vou apontando o que sei. Os leitores que me julguem, pois os críticos também erram. Mas é preciso provar que não tenho razão.
          
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 Francisco Miguel de Moura é poeta, cronista, contista, crítico literário e romancista. Membro da Academia Piauiense de Letras e União Brasileira de Escritores - UBE-São Paulo.


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