quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

CARTA AO ESCRITOR MONTEZUMA DE CARVALHO


Francisco Miguel de Moura*
para Joaquim de Montezuma de Carvalho

                Teresina, PI, 16/11/ 2004. 
            – O que está acontecendo com meu amigo, que nunca mais me escreveu nem me mandou notícias através de seus artigos? Somos agora, amigos, de presença, mas gostaria de continuar a ser amigos escritos. Estou ansioso por conversar com você, é bom conversar com um mestre, diante do qual sempre se aprende muito. Qual sua opinião sobre a reeleição de Bush, nos Estados Unidos? O mundo vai melhorar ou piorar? Vamos ter mais guerras do que as que já temos? 
         Estive pensando em algumas coisas do que você escreve, com as quais eu concordo e até gostaria de ter conhecimento melhor para comprová-las a meu jeito. Li, entre outros, seus artigos a respeito de Galiza, no Suplemento “Das Artes das Letras”. Na verdade, o que faz a diferença entre os homens e os outros animais é a cultura, todos estamos carecas de saber. E desse ponto de vista os homens são iguais, compõem a humanidade. Mas somente até aí. Porque são diversas as culturas é que os povos se diferenciam ao perpassar dos séculos, milênios.
            Em virtude das distâncias, do isolamento, da geografia, da família, das religiões, das raças, dos meios de vida, de transporte, das descobertas, das línguas e de alguns sentimentos especiais – a saudade, por exemplo – desenvolve-se a arte de modo desigual, em civilizações mesmo próximas, como Grécia e Roma. Tudo isto resulta nas grandes e pequenas nações, as grandes famílias e as pequenas, os povos peninsulares e os insulares, os continentais e os de pequenos países. No conjunto, mesmo dentro de um país, dentro de uma nação há divisões, uma delas entre maioria e minorias. De caráter político, portanto, visto que todos os governos são mantidos pelas maiorias. Quando no país se adota ou pratica a democracia, ainda bem. Ali as minorias são vistas, embora que nem sempre respeitadas. Às vezes são temidas, perseguidas, massacradas. Nas guerras, todas injustas.
            Galiza pertence politicamente à Espanha, mas de forma indevida, pois até sua língua, o galego, é um dialeto português. A política divide o que deve ser unido e une o que deve ser deslindado, sem critério a não ser o do poder da maioria. Você transcreve um soneto de Leite de Vasconcelos, grande filólogo português, em dialeto galego, onde mostra que “Leite de Vasconcelos nutriu um afeto desmedido à Galiza”, pois (...) “sabia que lhe estava proibido amputar o que nascera num berço comum de múltiplos laços e estreitos vínculos na língua, nos costumes, etc. aquilo a que podemos chamar a grande pátria ideal das memórias coletivas afins e escapa aos poderes políticos incultos e bárbaros, cada dia mais desconhecedores da modernidade do pretérito, aqueles poderes tão só lidando com o presente efêmero como as governantas de casa...” O soneto de Leite de Vasconcelos, cheio de sentimento, não obstante as críticas que lhe fizeram, fica gravado nesta carta, a qual guardarei para utilizá-lo em boas oportunidades que me apareçam:
          “Galicia, terra irmán de Portugal / onde voan os mesmos paxariños
e as mesmas frores bordan os camiños, / e son uns mesmos, pobos e ideal. //Lindo berce de Curros e Pondal, / - um que escoita os queixumes dos airiños / outro, que abrindo vellos pergamiños / canta os feitos da historia rexional. // Eu te saúdo! E atópome feliz / pois sentín hoxe, destes bôs amigos, / o corazón ao rente latexar... // Soño da beira mar, verde país, / viva eu de cote sin correr perigos, / pra acó mais unha vez, virte a saudar”.             
             Sou apaixonado pelos pequenos povos e tomei-me de amores por Galiza. Bem que gostaria de conhecê-la. Sinto muito ter ido à Europa e não conhecido Galiza. Tenho por certo que não me decepcionaria, pois gosto dos pequenos. Num artigo de jornal estou tentando dizer isto. Aliás, aquela viagem, com relação a Portugal não valeu a pena.
            Vou juntar uns euros novamente, e, antes que a saúde não me permita, penso em dar com os costados na terra lusitana, dessa vez para conhecer direitinho, sobretudo, Lisboa, Porto, Coimbra, a cidade Moura (de onde eu provenho), e outras, as ilhas da Madeira e dos Açores, Galiza...
            Mando-lhe alguns recortes de jornais e uma revista (do Ceará), com uma excelente entrevista do Chico Buarque.
           Abraço de saudade, inclusive recomendações de minha esposa, D. Mécia.
           Ex corde!
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Francisco Miguel de Moura - Carta tirada do fundo do baú, ao meu prezado e ilustre amigo, escritor Joaquim de Montezuma de Carvalho - Portugal

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