para Joaquim de Montezuma de Carvalho
Teresina, PI, 16/11/ 2004.
–
O que está acontecendo com meu amigo, que nunca mais me escreveu nem me mandou
notícias através de seus artigos? Somos agora, amigos, de presença, mas
gostaria de continuar a ser amigos escritos. Estou ansioso por conversar com
você, é bom conversar com um mestre, diante do qual sempre se aprende muito.
Qual sua opinião sobre a reeleição de Bush, nos Estados Unidos? O mundo vai
melhorar ou piorar? Vamos ter mais guerras do que as que já temos?
Estive pensando em algumas coisas do
que você escreve, com as quais eu concordo e até gostaria de ter conhecimento
melhor para comprová-las a meu jeito. Li, entre outros, seus artigos a respeito
de Galiza, no Suplemento “Das Artes das Letras”. Na verdade, o que faz a
diferença entre os homens e os outros animais é a cultura, todos estamos carecas
de saber. E desse ponto de vista os homens são iguais, compõem a humanidade.
Mas somente até aí. Porque são diversas as culturas é que os povos se
diferenciam ao perpassar dos séculos, milênios.
Em
virtude das distâncias, do isolamento, da geografia, da família, das religiões,
das raças, dos meios de vida, de transporte, das descobertas, das línguas e de
alguns sentimentos especiais – a saudade, por exemplo – desenvolve-se a arte de
modo desigual, em civilizações mesmo próximas, como Grécia e Roma. Tudo isto
resulta nas grandes e pequenas nações, as grandes famílias e as pequenas, os
povos peninsulares e os insulares, os continentais e os de pequenos países. No
conjunto, mesmo dentro de um país, dentro de uma nação há divisões, uma delas
entre maioria e minorias. De caráter político, portanto, visto que todos os governos
são mantidos pelas maiorias. Quando no país se adota ou pratica a democracia,
ainda bem. Ali as minorias são vistas, embora que nem sempre respeitadas. Às
vezes são temidas, perseguidas, massacradas. Nas guerras, todas injustas.
Galiza
pertence politicamente à Espanha, mas de forma indevida, pois até sua língua, o
galego, é um dialeto português. A política divide o que deve ser unido e une o
que deve ser deslindado, sem critério a não ser o do poder da maioria. Você
transcreve um soneto de Leite de Vasconcelos, grande filólogo português, em
dialeto galego, onde mostra que “Leite de Vasconcelos nutriu um afeto desmedido
à Galiza”, pois (...) “sabia que lhe estava proibido amputar o que nascera num
berço comum de múltiplos laços e estreitos vínculos na língua, nos costumes,
etc. aquilo a que podemos chamar a grande pátria ideal das memórias coletivas
afins e escapa aos poderes políticos incultos e bárbaros, cada dia mais
desconhecedores da modernidade do pretérito, aqueles poderes tão só lidando com
o presente efêmero como as governantas de casa...” O soneto de Leite de
Vasconcelos, cheio de sentimento, não obstante as críticas que lhe fizeram,
fica gravado nesta carta, a qual guardarei para utilizá-lo em boas oportunidades
que me apareçam:
“Galicia, terra irmán
de Portugal / onde voan os mesmos paxariños
e as mesmas frores bordan os camiños, / e son uns mesmos, pobos e ideal. //Lindo berce de Curros e Pondal, / - um que escoita os queixumes dos airiños / outro, que abrindo vellos pergamiños / canta os feitos da historia rexional. // Eu te saúdo! E atópome feliz / pois sentín hoxe, destes bôs amigos, / o corazón ao rente latexar... // Soño da beira mar, verde país, / viva eu de cote sin correr perigos, / pra acó mais unha vez, virte a saudar”.
e as mesmas frores bordan os camiños, / e son uns mesmos, pobos e ideal. //Lindo berce de Curros e Pondal, / - um que escoita os queixumes dos airiños / outro, que abrindo vellos pergamiños / canta os feitos da historia rexional. // Eu te saúdo! E atópome feliz / pois sentín hoxe, destes bôs amigos, / o corazón ao rente latexar... // Soño da beira mar, verde país, / viva eu de cote sin correr perigos, / pra acó mais unha vez, virte a saudar”.
Sou apaixonado pelos pequenos
povos e tomei-me de amores por Galiza. Bem que gostaria de conhecê-la. Sinto
muito ter ido à Europa e não conhecido Galiza. Tenho por certo que não me
decepcionaria, pois gosto dos pequenos. Num artigo de jornal estou tentando
dizer isto. Aliás, aquela viagem, com relação a Portugal não valeu a pena.
Vou
juntar uns euros novamente, e, antes que a saúde não me permita, penso em dar
com os costados na terra lusitana, dessa vez para conhecer direitinho, sobretudo,
Lisboa, Porto, Coimbra, a cidade Moura (de onde eu provenho), e outras, as
ilhas da Madeira e dos Açores, Galiza...
Mando-lhe
alguns recortes de jornais e uma revista (do Ceará), com uma excelente
entrevista do Chico Buarque.
Abraço de saudade, inclusive
recomendações de minha esposa, D. Mécia.
Ex corde!
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* Francisco Miguel de Moura - Carta tirada do fundo do baú, ao meu prezado e ilustre amigo, escritor Joaquim de Montezuma de Carvalho - Portugal
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