Em algum lugar, li
ou ouvi alguém dizer que seria simpático se todos os discursos acadêmicos
começassem já citando o patrono e os ocupantes da sua cadeira. Concordando com
a assertiva, digo: O patrono da cadeira nº 8, a que ocupo, é José Coriolano de
Sousa Lima (J. Coriolano), de quem pretendo ainda escrever uma biografia, se me
houver tempo e saúde: os ocupantes da
cadeira foram Antônio Chaves, Breno Pinheiro, Celso Pinheiro Filho e Francisco
da Cunha e Silva.
Dito isto, afirmo que minha vida literária começou com um
poema que escrevi em papel de embrulho, na loja de tecidos onde trabalhava,
pelos idos de 1950, no povoado Jenipapeiro, município de Picos, Piauí.
Declamei o poema para os amigos daquela época, entre os quais estava
Sebastião Nobre Guimarães – um agrimensor que trabalhava na região. E então ele me disse:
- “Chico Miguel, se você consentir,
quero levar este poema para publicar no jornal “A Fâmula”, dos estudantes do
Ginásio de Picos”.
Eis o poema denominado de “Teu Valor”:
“És
filha de sangue azul, / Rainha de Norte a Sul, / Princesa do meu torrão./ É
meigo o teu ar de riso, / Baloiçando o puro friso / Das belezas de um Éden./ Ai!
Me dói o coração /Ver a tua condição / Tão diferente da minha: / A tua mais
se dilata, / A minha se definha! / Ora sinto-me aprazer / Na beleza do teu
ser, / Ora me sinto um ninguém. / De cobiça é meu viver, /É um triste vai- e-vem...”
O poema foi publicado no jornal dos
estudantes em Picos, outros também seriam publicados depois, por exemplo, em “A
Gazeta”, jornal editado por Odonel Castro Gonçalves, um finalista do Ginásio,
que me procurava a cada número para escrever, fosse prosa ou poesia. Mas “Teu Valor” é marcante, levou-me até a
cidade. E assim me levou ao Ginásio, depois de um bom “Curso de Admissão” ministrado
pelo Prof. Manoel de Moura Fé, que lecionava história no dito Ginásio.
“Caiu a sopa no mel”,
como diz o vulgo, era tudo que eu
queria, pois já pensava em mudar-me para a cidade, onde poderia, quem sabe,
frequentar o tal ginásio, na época denominado de “Marcos Parente”, o qual,
embora fosse público, do Estado, não o era totalmente, pois a Prefeitura
combinara com a criação do ginásio, ficando ela com as despesas decorrentes:
professores e localidade. As demais ficariam por conta dos alunos. Assim, foi através de conversas de Nobre Guimarães com seu irmão Francisco Almeida
Guimarães, que morava em Picos, o qual informou ao construtor Abrahão Conrado da
minha situação. Prontamente, seu Abrahão concordou com minha hospedagem
gratuita em sua casa, pois que eu tinha muito futuro, e ele gostava de ajudar os
parentes nessas condições. Não preciso
nem dizer que tive o curso primário muito bem feito, com meu pai, Miguel Borges
de Moura, conhecido com mestre Miguel Guarani, que foi laureado recentemente
com a importe tese de doutorado da professora Cristiane Feitosa Pinheiro:
“Entre o Giz e a Viola: Práticas Educativas do Mestre-Escola Miguel Guarani, no
Vale do Guaribas”, Universidade Federal do Piauí, 2017.
Foi assim: Ginásio de graças (visto que eu fora aprovado no Curso
de Admissão em primeiro lugar), roupas e livros de graça, porque o Milton,
filho de seu Abrahão, justo acabara de fazer o primeiro ano e de forma muito
irmã e amiga, cedeu-me seus pertences mencionados. No segundo ano, seu Abrahão já me arranjara
um emprego temporário num cartório e depois fui nomeado Escrivão de
Polícia, na Delegacia da cidade. No final
do segundo ano do Ginásio, já eu tinha roupas próprias e só não pagava a
anuidade exigida pelo curso porque continuava sendo o primeiro ano da classe.
Logo, logo fui aprovado em concurso do Banco do Brasil, passando a ter minha
autonomia financeira. E, claro, pensava em casar, o que não demorou muito, uns
2 ou 3 anos, em cujo período minha biblioteca cresceu enormemente.
Nesse tempo, eu lia muito, principalmente à noite. Lembro
que fiz a leitura de Eça de Queiroz – “O Crime do Padre Amaro – em um dia e uma noite.
Vê-se que não teria dinheiro para comprar livros, nem precisava porque a
“Biblioteca” do Agente de Estatística, tio de Milton Portela Costa, e me foi
colocada à disposição. De Bandeira a Drummond e Fernando Pessoa, em poesia. De
José de Alencar, a Humberto de Campos, Eça de Queiroz, Machado de Assis,
Euclides da Cunha e Visconde de Taunay (“Inocência”) – que me influenciou na
prosa - e tantos mais, além dos franceses como Flaubert, Victor Hugo e outros,
eu “papei” todos. Meu gosto pela leitura começou muito cedo, meu pai me
colocava mãos livros e antologias das melhores. Já meu avô paterno, dado a leituras
interessantes como “100 Cartas de Amor”, cujo nome do autor me fugiu da
memória, tinha os poetas românticos:
Gonçalves Dias, Castro Alves, Casimiro de Abreu, etc. que eu houvera
lido às escondidas, quando ele estava no trabalho.
Em 1961, eu já me encontrava na cidade de Itambé-BA, onde
fora com missão de Chefe da Carteira Agrícola e Industrial do Banco do Brasil,
onde continuei minhas leituras de poesia, crítica literária e história dos
Brasil e Universal, pois a cidade, apesar de pequena, possuía livraria e
jornal. Em 1959, casei-me com Maria Mécia, com quem convivo até hoje e de cujo consórcio
resultaram meus filhos Franklin, Fulton, Laudemiro, Miguel Jr. e Fritz Morais
Moura. Já em Teresina, depois de criados os filhos de sangue, adotamos a menina
Mécia, que ainda hoje mora conosco.
Foi no final de 1964, voltei para o Piauí, Teresina, e
continuei com a minha atividade literária, criando, com os companheiros
Herculano Morais e Hardi Filho, o famoso CLIP (Círculo Literário Piauiense).
Continuando no Banco do Brasil, à noite fiz a Faculdade Católica de Filosofia
(FAFI), enquanto organizava meu primeiro livro, “Areias”
(1966). Publicado, iniciei a escrita de “Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de
Carvalho”, que me valeu a edição no Rio (RJ), tornando-me conhecido e
admirado como crítico literário no Brasil e em alguns outros países. Justamente
esta obra me inscreveu como crítico nacional, sendo catalogado na “História
da Crítica no Brasil”, do Prof. Wilson Martins. Essas obras se inscrevem entre as que têm meu
especial carinho. Mas não só elas: “Areias” prefaciado por Fontes Ibiapina,
que me deu o batismo de poeta, e O. G. de Carvalho me possibilitou a escrever
um dos melhores, se não o melhor, livro de crítica literária do Piauí,
divulgando-o pelo Brasil e pelo exterior.
Porém vieram outras obras, não pretendo citá-las, pois são
muitas. Só não devo esquecer “Universo das Águas”, meu 3º. livro
de poemas, elogiado por Carlos Drummond de Andrade, e “Vir@gens”, lançado por
Waldir Ribeiro do Val (Edições Galo Branco, 2001), que me levou à Bienal do Rio
de Janeiro e foi bem aceito e elogiado pela imprensa e pela crítica.
Mas como é costume dizer-se que o melhor livro do autor é aquele publicado por último, acrescento que me sinto bastante satisfeito com a
publicação de “Minha História de Picos”,
Ed. da Universidade Federal do Piauí, 2017, porque, praticamente, nele eu
trabalhei todos os meus anos de Teresina, quer pesquisado no Arquivo Público da
Casa Anísio Brito, quer lendo e colecionando jornais, livros e documentos. E,
não só isto, porque para escrevê-lo gastei cerca de 3 a 4 anos. Como
pode um livro desses não ser um dos meus preferidos? Nele conto, em forma de
crônicas, como se fosse a renovação das narrativas portuguesas da época
trovadoresca, cujos escritores se movimentavam em torno dos reis e seu feitos (porque não era permitido mostrar defeitos). Aproximo-me muito das chamadas obras de “cavalaria”, cuja espécie, até hoje ninguém superou
Miguel Cervantes de Saavedra, com o seu “Dom Quixote”. Na verdade eu fui, levemente, um imitador desses escritores. Por fim, chamo a atenção
dos leitores para a quantidade de nomes e sobrenomes de pessoas e famílias que que cito, sem
ser uma obra tipicamente genealógica. Num livro de 350 página cito cerca de
5.000 nomes de pessoas, famílias e apelidos, material que me fez construir a
obra, sem falar na emoção e no carinho que dedico a essas pessoas. Se é grande
obra, não sei. Mas sei que é uma obra do bem.
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*Membro da APL -Discurso impronunciado na APL, em 22-08-2018*
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