Há
muito tempo li o romance “Ciranda
de Pedra”.
Antes já havia lido, “Antes
do Baile Verde”, 1970, uma coleção e também seleção de contos que muito me
impressionou, pela simplicidade, ternura e exposição do momentos da
vida atual, da humanidade e da profusão de sentidos e sensações.
Acabei escrevendo uma análise e uma confirmação do que já vinha
sendo a sua fama como contista, atestada pela crítica brasileira e,
certamente também de alguns outros países. É possível que sim,
visto que foi a nossa primeira escritora (mulher) indicada para o
Prêmio Nobel, quando a escritora e maior contista brasileira
completava 92 anos, isto é, em 2016.
“Ciranda
de Pedra”,
como livro, foi editado em 1938. Creio que, por causa do grande
reconhecimento pelo público e divulgação da obra, tanto o nome de
Lygia Fagundes Telles quanto o de “Ciranda
de Pedra”
levaram (ambos) à aceitação e divulgação pela mídia.
A principal personagem é
Virgínia. Com ela começa o romance assim, num diálogo com a
empregada:
-“Virgínia
subiu precipitadamente a escada e trancou-se no quarto.
- Abre, menina, ordenou
Luciana do lado de fora.
Virgínia
encostou-se à parede e põe-se a roer as unhas, seguindo com o olhar
uma formiguinha que subia pelo batente da porta. ‘Se entrar aí
nessa fresta, você morre!’ Eu te salvo bobinha, não tenha medo’,
disse em voz alta. E afastou-a com o indicador. Nesse instante, fixou
o olhar na unha roída até a carne. Pensou nas unhas de Otávia.
Esmagou a formiga.
- Virgínia, eu não
estou brincando, menina. Abre logo, anda!
- Agora não posso.
- Não pode, por quê?
- Estou fazendo uma coisa…
respondeu evasivamente. Pensava em Conrado a lhe explicar que os
bichos são como gente, têm alma de gente e que matar um bichinho
era o mesmo que matar uma pessoa. ‘Se você for má e começar a
matar só por gosto, na outra vida você será também um bicho, mas
um desses bichos horríveis, cobra, rato, aranha...’ Deitou-se no
assoalho e começou a se espojar angustiosamente, avançando de
rastros até o meio do quarto.
- Ou você abre, ou conto
pra seu tio. É isto que você quer, é isto?”
Mas
não é possível explicar um romance pela primeira página, embora
seja importante (ou pela última), ambas significativas, no conjunto
ou separadamente. É um pedaço da história de “Ciranda
de Pedra”, cuja
simbologia só saberá quem o ler todo. A história e os personagens
são importantes. Entretanto é preciso que se veja e analise o
estilo, a estrutura, o tempo, o espaço. Importantes são as relações
entre os personagens fortes como Virgínia – Luciana e as irmãs de
Virgínia (Otávia e Bruna). Elas influenciam a menina – criada
sem mãe, não porque fosse órfã… Na verdade, o romance fala
pouco na mãe das três irmãs. Sabe-se que Laura, a mãe, esteve no
Sanatório e não reconheceu a menina Virgínia. O resto, que é a
maior parte, ou seja tudo, quem quer saber tem que ler o romance,
mesmo que tenha assistido à novela do mesmo nome, produzida pela
Rede Globo e exibida no horário das 18 horas, de 18 de maio a 14 de
novembro de 1981, cujo cenário é São Paulo, capital. Tempo: 1940.
Lygia Fagundes Telles nasceu
em 1923, no dia 19 de abril. Filha de Durval de Azevedo Fagundes e
Maria do Rosário Silva Jardim Moura, ele era advogado e sua mãe
pianista. A família viveu anos pelo interior do Estado, mas Lygia já
nasceu na capital, por isto é que seu estilo se caracteriza por
representar o universo urbano e a forma intimista da mulher, ou seja,
a psicologia feminina. Embora formada em Direito e Educação
Física, seu interesse maior foi pela literatura. Já aos 15 anos
publicava o seu primeiro livro, que quase não chegou a ser conhecido
fora de São Paulo, denominado “Praia Viva”, sua estreia na arte
de escrever.
Lygia
Fagundes Telles, reconhecida como uma das mais belas mulheres da sua
época, foi casada com o jurista Goffredo Teles Júnior, com quem
teve um filho. Divorciada, casou-se com o ensaísta e crítico de
cinema Paulo Emílio Sales Gomes. Em 1982 foi eleita para a Academia
Paulista de Letras e em 1985, tornou-se a terceira mulher eleita para
a Academia Brasileira de Letras e, em 1987, para a Academia das
Ciências de Lisboa. Entre muitos prêmios dos que recebeu,
destaque-se o Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de
Letras, em 1949. Outros prêmios recebidos: do Instituto Nacional do
Livro, em 1958; o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro,
pela sua obra “Verão no Aquário” , em 1965. Outros que lhe
mereceram prêmios: “A Meninas” e “Invenção e Memória”.
Por fim, em 13 de outubro de 2005, o grande Prêmio Camões, em
Portugal.
Seria tedioso citar todas as
obras de Lygia Fagundes Telles? São muitas. Talvez sim, talvez não.
De modo geral, quem lê,quer saber de tudo. De uma escritora, o que
ela escreveu. Então, inclusive para satisfazer aos que fazem
pesquisas biobibliográficas, eis a relação que encontrei na
internet: “Porão e Sobrado”, contos, 1938; “Praia Viva”,
contos, 1944; “O Cacto Vermelho”, contos, 1949; “Ciranda de
Pedra”, romance, 1954; “Histórias do Desencontro”, contos,
1958; “Verão no Aquário”, romance, 1964; “O Jardim Selvagem”,
contos, 1965; “Antes do Baile Verde”, contos, 1970; “”As
Meninas”, romance,1973; “Seminário dos Ratos”, contos, 1977;
“Filhos Prodígios”, contos, 1978; “A Disciplina do Amor”,
contos, 1980; “Mistérios”, contos, 1981; “Venha Ver o Pôr do
Sol”, contos, 1987; “As Horas Nuas”, romance, 1989: “A Noite
Escura Mais Eu”, contos, 1995; “Biruta”, contos, 2004;
“Histórias de Mistérios”, contos, 2004; “Conspiração de
Nuvens”, contos, 2007; e “Passaporte para a China”, contos,
2011.
Contei acima um pedaço da
história, mas não é a história que me fascina, na ficção de
L.F. Telles. Como na maioria dos ficcionistas, que olhemos
atentamente, o modo de dizer, o suporte psicológico dos personagens
e outras tantas qualidades, as quais estão presentes nessa forte e
finíssima escritora brasileira. Pareceu-me um romance sombrio, de
solidão, de questionamentos familiares que só se alcançam na
ficção. Leiam-na e certifiquem-se, meus leitores, por favor.
(Publicado no jornal "O DIA", de Teresina, Pi, nº. de 26/27 de agosto de 2017)
(Publicado no jornal "O DIA", de Teresina, Pi, nº. de 26/27 de agosto de 2017)
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* Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras e de outras entidades literárias e artísticas, do Brasil e do Exterior.
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