sábado, 6 de maio de 2017

O ARTIGO DE JORNAL E A CRÔNICA DE VERDADE


Francisco Miguel de Moura
Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras

       É normal que as pessoas fiquem atônitas, sem saber o que é crônica e o que é artigo de jornal. O artigo normalmente trata de matéria concreta, real, cheia de elementos físicos e acontecimentos do dia a dia, na vida de uma cidade, quando não trata de reproduzir, através do jornalista autor, a visão e as palavras das entrevistas de pessoas que, por uma questão ou outra, não puderam ser transcritas tais como ele disse, isto é, por suas próprias palavras. Sendo possível fazer o apontado no último caso, já não se trata de uma “matéria” ou artigo, mas sim de uma entrevista. Pode-se acreditar em tudo que o artigo diz? Depende da credibilidade do jornal, em primeiro lugar. Depois da do jornalista responsável.

Mas todos sabemos que os jornalistas muitas vezes assinam matéria ou artigos que parecem crônicas políticas ou econômicas, ou policiais, ou futebolísticas,quando na verdade são artigos com um pouco da sua visão. Desta forma, já vemos onde começa a confusão entre crônica e artigo. Mas há distinções. Lendo Augusto Cury, cientista de prestígio, médico, psiquiatra, filósofo e escritor até de romances, topei com uma afirmação muito importantes para iniciar-se uma crônica. Ele diz: “Acho estranho as pessoas, quando entram num elevador, não olharem para a face umas das outras, e sim para os números do andares simplesmente. Todos temos necessidade de dialogar, porém nos escondemos com facilidade”.

Observação à qual eu acrescentaria que, mesmo em se tratando de moradores do mesmo edifício e que sobem e descem constantemente os elevadores, encontram-se mas não dizem uma palavra. Por que não um “bom dia”, uma “boa tarde”, uma “boa noite?!” Se quiserem acrescentar frases, perguntas sobre o tempo, o trabalho, o futebol, assim como “a carestia da vida”, “o trabalho dos filhos”, “a política...”, seria um começo de conversa que todos nós poderemos encetar com vizinhos, conhecidos ou desconhecidos – caminhando nos passeios – na caminhada matinal. E se encontramos como um amigo? E se terminamos por fazer outro? É bom. Isto é assunto para uma crônica psicológica da falta de comunicação que, sobretudo hoje, em vez juntar as pessoas, as criaturas, há como que um medo de falar, de comunicar-se.

Até aqui misturamos artigos (ou matéria de jornal) e o ensaio de uma crônica apanhada por mim, por acaso num livro de psicologia. Mas resolvi passar-me para a crônica de verdade e transcrever uma parte de verdadeira crônica despretensiosa, criada agora, que denomino de “Os bons tempos”:
“Todos os anos havia a festa religiosa na vila. As mulheres preparam os melhores vestido, tudo feito em casa, tecidos em teares à mão. Era uma alegria. Havia a novena a Nossa Senhora da Conceição. No dia final da novena, quando havia o leilão, todos saíam de casa e iam rezar a novena, levar presentes para o padre leiloar em favor da Santa e sua Capela. Só nas noites anteriores os meninos ficavam em casa, trancados, no escuro para dormir.

No dia seguinte ao leilão, era a missa festiva. Os homens calçavam os sapatos melhores, envernizados, brilhantes, e as calças, tudo com muito cuidado para não gastarem. O sermão era grande, todos já se tinham confessado e estavam arrependidos dos pecados. Mãos no peito, piedosamente, rezavam a missa em latim, sem entender sequer uma palavra dita. O padre de costas para os fiéis. Somente na ora do sermão ele se voltava para as ovelhas. Os batizados já haviam sido feitos e também o crisma. Agora a vez dos casamentos. Mamãe conta que na hora de “correr os banhos”, isto é, quando o vigário apelava aos cristão que assistissem à cerimônia para se manifestarem se havia algum impedimento para a aquele casório. Aqui, um do meio dos assistentes gritou: - Os dois são primos legítimos e não tiraram licença para casar. Então, o padre mandava o sacristão verificar e este não encontra a declaração de parentesco nos papéis. E é aí que o padre diz:
- Estes voltam para casa, não podem casar enquanto não tirarem a licença.

Foi aquela gritaria toda. E lá saíram meus futuros pais sem o casamento ser realizado como esperavam. Agora tinham que aguardar o pedido de licença, acompanhado dos documentos, para que o casamento fosse perfeito.

Mas, ninguém se incomodou com isto. Voltaram os casados e não casados inteiramente para casa e continuaram sua vida. Pois aquilo se tratava apenas de uma burocracia da igreja para arrecadar mais dinheiro, ora, ora! Creio que, por isto, se é que aconteceu como lhes conto, minha mãe, em qualquer briga de família dizia para meu pai, se ele ameaçasse de ir embora e não voltar mais:
- Pode ir e não volte. Nós não somos casados mesmo!
- Mas eu já regularizei tudo na Igreja.

Como sempre, minha mãe tinha uma resposta, igual a todas a mulheres: - Nosso casamento não valeu mesmo, somos amancebados. O padre que realizou a cerimônia já tirou a batina há mais de seis meses”. (Tirar a batina era deixar de ser padre, estar sem ordens do Vaticano fazer nada na Igreja, nenhum sacramento).

Esta historinha tem uma ponta de verdade e várias de mentiras (inventadas). A crônica é assim. Cheia de histórias fatos, alusões, ilusões, imaginação e muito mais que o escritor queira.
Enfim, apontei algumas das dificuldades para distinguir-se a crônica do artigo. Mas a crônica também se parece muito com o conto. É assim, hoje é tudo misturado. Um caldo de cultura em tudo, inclusive nas letras, na literatura. Tudo para sobreviver.
______________________
                              (Publicado no jornal “O Dia”, 06-05-2017)




Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...