É
normal que as pessoas fiquem atônitas, sem saber o que é crônica e
o que é artigo de jornal. O artigo normalmente trata de matéria
concreta, real, cheia de elementos físicos e acontecimentos do dia a
dia, na vida de uma cidade, quando não trata de reproduzir, através
do jornalista autor, a visão e as palavras das entrevistas de
pessoas que, por uma questão ou outra, não puderam ser transcritas
tais como ele disse, isto é, por suas próprias palavras. Sendo
possível fazer o apontado no último caso, já não se trata de uma
“matéria” ou artigo, mas sim de uma entrevista. Pode-se
acreditar em tudo que o artigo diz? Depende da credibilidade do
jornal, em primeiro lugar. Depois da do jornalista responsável.
Mas
todos sabemos que os jornalistas muitas vezes assinam matéria ou
artigos que parecem crônicas políticas ou econômicas, ou
policiais, ou futebolísticas,quando na verdade são artigos com um
pouco da sua visão. Desta forma, já vemos onde começa a confusão
entre crônica e artigo. Mas há distinções. Lendo Augusto Cury,
cientista de prestígio, médico, psiquiatra, filósofo e escritor
até de romances, topei com uma afirmação muito importantes para
iniciar-se uma crônica. Ele diz: “Acho
estranho as pessoas, quando entram num elevador, não olharem para a
face umas das outras, e sim para os números do andares simplesmente.
Todos temos necessidade de dialogar, porém nos escondemos com
facilidade”.
Observação
à qual eu acrescentaria que, mesmo em se tratando de moradores do
mesmo edifício e que sobem e descem constantemente os elevadores,
encontram-se mas não dizem uma palavra. Por que não um “bom
dia”, uma “boa tarde”, uma “boa noite?!” Se quiserem
acrescentar frases, perguntas sobre o tempo, o trabalho, o futebol,
assim como “a carestia da vida”, “o trabalho dos filhos”, “a
política...”, seria um começo de conversa que todos nós
poderemos encetar com vizinhos, conhecidos ou desconhecidos –
caminhando nos passeios – na caminhada matinal. E se encontramos
como um amigo? E se terminamos por fazer outro? É bom. Isto é
assunto para uma crônica psicológica da falta de comunicação que,
sobretudo hoje, em vez juntar as pessoas, as criaturas, há como que
um medo de falar, de comunicar-se.
Até aqui misturamos artigos
(ou matéria de jornal) e o ensaio de uma crônica apanhada por mim,
por acaso num livro de psicologia. Mas resolvi passar-me para a
crônica de verdade e transcrever uma parte de verdadeira crônica
despretensiosa, criada agora, que denomino de “Os bons tempos”:
“Todos
os anos havia a festa religiosa na vila. As mulheres preparam os
melhores vestido, tudo feito em casa, tecidos em teares à mão. Era
uma alegria. Havia a novena a Nossa Senhora da Conceição. No dia
final da novena, quando havia o leilão, todos saíam de casa e iam
rezar a novena, levar presentes para o padre leiloar em favor da
Santa e sua Capela. Só nas noites anteriores os meninos ficavam em
casa, trancados, no escuro para dormir.
No dia seguinte ao leilão,
era a missa festiva. Os homens calçavam os sapatos melhores,
envernizados, brilhantes, e as calças, tudo com muito cuidado para
não gastarem. O sermão era grande, todos já se tinham confessado e
estavam arrependidos dos pecados. Mãos no peito, piedosamente,
rezavam a missa em latim, sem entender sequer uma palavra dita. O
padre de costas para os fiéis. Somente na ora do sermão ele se
voltava para as ovelhas. Os batizados já haviam sido feitos e
também o crisma. Agora a vez dos casamentos. Mamãe conta que na
hora de “correr os banhos”, isto é, quando o vigário apelava
aos cristão que assistissem à cerimônia para se manifestarem se
havia algum impedimento para a aquele casório. Aqui, um do meio dos
assistentes gritou: - Os dois são primos legítimos e não tiraram
licença para casar. Então, o padre mandava o sacristão verificar
e este não encontra a declaração de parentesco nos papéis. E é
aí que o padre diz:
- Estes voltam para casa,
não podem casar enquanto não tirarem a licença.
Foi aquela gritaria toda.
E lá saíram meus futuros pais sem o casamento ser realizado como
esperavam. Agora tinham que aguardar o pedido de licença,
acompanhado dos documentos, para que o casamento fosse perfeito.
Mas, ninguém se incomodou
com isto. Voltaram os casados e não casados inteiramente para casa e
continuaram sua vida. Pois aquilo se tratava apenas de uma
burocracia da igreja para arrecadar mais dinheiro, ora, ora! Creio
que, por isto, se é que aconteceu como lhes conto, minha mãe, em
qualquer briga de família dizia para meu pai, se ele ameaçasse de
ir embora e não voltar mais:
- Pode ir e não volte.
Nós não somos casados mesmo!
- Mas eu já regularizei
tudo na Igreja.
Como sempre, minha mãe
tinha uma resposta, igual a todas a mulheres: - Nosso casamento não
valeu mesmo, somos amancebados. O padre que realizou a cerimônia já
tirou a batina há mais de seis meses”. (Tirar a batina era deixar
de ser padre, estar sem ordens do Vaticano fazer nada na Igreja,
nenhum sacramento).
Esta historinha tem uma ponta
de verdade e várias de mentiras (inventadas). A crônica é assim.
Cheia de histórias fatos, alusões, ilusões, imaginação e muito
mais que o escritor queira.
Enfim, apontei algumas das
dificuldades para distinguir-se a crônica do artigo. Mas a crônica
também se parece muito com o conto. É assim, hoje é tudo
misturado. Um caldo de cultura em tudo, inclusive nas letras, na
literatura. Tudo para sobreviver.
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(Publicado
no jornal “O Dia”, 06-05-2017)
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