Membro da Academia Piauiense de Letras.
Sabe-se
que o Nordeste é discriminado no Sul e consequentemente os
nordestinos, especialmente os que para lá se mudam em busca de
trabalho. Embora tenha sido o Nordestino quem construiu São Paulo.
Depois do fim da escravidão, nossa emigração começou e foi
aumentando. Chegou um tempo, ainda recente, em que os estados do Sul
e Sudeste, segundo consta pela imprensa, pensaram e falaram em
separar-se do Nordeste. O Nordeste fez um balanço do que eles de lá
perdiam e o que, em vista disto, ganhávamos. As cabeças pensantes
chegaram à conclusão de que os ganhos e perdas se compensavam e o
melhor mesmo seria todos se conservarem sendo o Brasil, este gigante
da América Latina. Neste bolo, é claro, entrava o Piauí,
considerado o estado mais pobre da dita federação brasileira. Não
sei se nosso Piauí é o mais pobre dos irmãos. Sei das riquezas do
Piauí (ou pelo menos adivinho). Começamos como grandes criadores de
gado, exportadores, industriais, etc. O início foi na Bahia. No
livro “Roteiro do
Piauí”,
de Carlos Eugênio Porto, encontro o assunto assim resumido:
“A criação de gado começou no Brasil, no governo de Tomé de Sousa, revelando-se de grande importância para a Colônia recém-descoberta. Importado da ilha de Cabo Verde, os navios que chegavam ao Brasil traziam novas cabeças que eram distribuídas entre os habitantes, estabelecendo-se o curioso sistema de pagamento às custas do rendimento de seu trabalho”.
“A criação de gado começou no Brasil, no governo de Tomé de Sousa, revelando-se de grande importância para a Colônia recém-descoberta. Importado da ilha de Cabo Verde, os navios que chegavam ao Brasil traziam novas cabeças que eram distribuídas entre os habitantes, estabelecendo-se o curioso sistema de pagamento às custas do rendimento de seu trabalho”.
Embora
o Piauí não tenha nada, talvez somente a origem, com o modo que
Portugal colonizou o Brasil, a “Terra de Santa
Cruz”,
pois os primeiros homens eram os bandeirantes e procuravam ouro e
madeira para exportação imediata, abrindo caminhos pelos quais
quase nunca mais voltariam. Não, o Piauí foi descoberto muito tarde
e demorou muito a ser povoado. Era e continuou sendo uma terra de
passagem entre Maranhão e Ceará. O ano 1514 é uma data simbólica.
Só quando a cana-de-açúcar com seus engenhos já eram assentados
em Pernambuco, o Piauí começou ser falado por causa de alguns dos
seus acidentes – o rio Parnaíba, por exemplo. Assim, o apossamento
das terras se deu lentamente. A indústria açucareira tinha
necessidade de bois para mover as moendas; nas selvas, onde quer que
houvesse uma fazenda, a necessidade de bois, também era muita, para
puxar os carros e transportar o que precisassem os colonos. No Piauí
– entre as serras já conhecidas e exploradas por causa da guerra
contra o gentio e o grande rio Parnaíba - descobriram-se imensos
campos cobertos de capim silvestre. E ali estabeleceram-se os
primeiros currais, fazendas de gado que foram crescendo em número e
quantidade de cabeças. Esse gado era exportado para as indústrias
de Pernambuco e para a zona de mineração em Minas e Goiás, e daí
sendo levado também para o Sul.
Passamos
a ser muito falados, embora que não conhecido. A cantiga “O
meu boi morreu / Que será de mim? / Manda buscar outro, Maninha, /
Lá no Piauí”,
tinha sentido: a realidade gritante. Quantos boiadeiros fizeram a
vida levando boiadas para mais perto e mais longe deste Brasil?!
O
Nordeste e o Piauí foram ricos. Muita gente o procurava para
estabelecer-se como fazendeiro, pois a atividade era bastante
rentável, embora que perigosa por causa do ataque dos índios e
também dos malfeitores que infestavam a região, onde se apossavam
da terra e escondiam-se da justiça.
Não
se sabe nem quando foi que os fazendeiros começaram a ferrar seus
rebanhos com um ferro em brasa – a marca da sua fazenda e do seu
proprietário. No caso de haver um roubo, seria mais fácil
encontrar o objeto e castigar o ladrão.
Com
esses cuidados, os currais se multiplicavam sob a fiscalização dos
vaqueiros. Continuava sendo fácil possuir um grande rebanho, pois
pasto não faltava, salvo nas grandes estiagens, a partir de 1711,
quando os fazendeiros tinham que procurar aonde levar o rebanho ou
parte - sítios melhores e aguadas - enquanto vinham as chuvas para
soltá-los novamente nos campos. Assim, os currais de criação
multiplicaram-se rapidamente. O padre Cardim, em “Tratado
da gente e terra do Brasil”
registra “a
posse, de um só homem, de 500 ou 1.000 cabeças , no seu tempo”.
Foi
o engenheiro Gustavo Dodt quem escreveu, em algum lugar de sua obra,
que as terras do Piauí não se prestavam muito para a lavoura.
Talvez por isto, por intuição ou sapiência, quem veio colonizar o
Piauí investiu no gado, inclusive por ser uma mercadoria que por si
só se transportava. O historiador Carlos Eugênio Porto, registra
que João de Amorim Pereira respondeu ao ministro da Coroa, em
08-04-1798, quando o rei se manifestava a favor da produção de
alimentos para a subsistência da cidade:
“A situação desta capitania é diametralmente oposta não só ao seu aditamento, mas ainda mesmo a sua conservação; as experiências têm mostrado e as razões seguintes o manifestam; em primeiro lugar, o terreno da capitania (Piauí) é incapaz da produção necessária para a sustentação dos seus habitantes, pois todos os gêneros que se consomem nesta cidade (Oeiras) vêm daqui a 10, 15, 20 léguas, em cavalos que apenas carregam 5 arrobas e fazem por dia 5 a 6 léguas de caminho, o que faz com que sejam mais caros do que em Portugal, sendo por mar conduzidos aos portos deste continente.”
“A situação desta capitania é diametralmente oposta não só ao seu aditamento, mas ainda mesmo a sua conservação; as experiências têm mostrado e as razões seguintes o manifestam; em primeiro lugar, o terreno da capitania (Piauí) é incapaz da produção necessária para a sustentação dos seus habitantes, pois todos os gêneros que se consomem nesta cidade (Oeiras) vêm daqui a 10, 15, 20 léguas, em cavalos que apenas carregam 5 arrobas e fazem por dia 5 a 6 léguas de caminho, o que faz com que sejam mais caros do que em Portugal, sendo por mar conduzidos aos portos deste continente.”
Viu-se,
naquele tempo, que ele tinha razão: as terras do Piauí não se
prestavam à agricultura. Mas a verdade é outra: hoje está sendo
provada. As terras são boas. Claro que não produzem como as do Sul.
Não podem fazer concorrência a elas. Mas, para melhorar os efeitos
das secas, existem as águas subterrâneas: o Piauí tem um dos
maiores lençóis de água no subsolo. Só precisa que haja governos
de vergonha, de caráter, de ousadia, juntamente com os trabalhos que
estão sendo feitos na transposição do São Francisco, e o Nordeste
chegará a ser um novo celeiro para o Brasil. A pobreza material que
existe no Nordeste provém das suas políticas voltadas apenas para
minoras. Só combatem os efeitos das secas e não suas causas.
Políticos para adquirir votos com bolsas-famílias e outros
refrigérios que fazem a pobreza dos mais pobres e a riqueza deles,
os ricos. Outrora se chama isto de “indústria
das
secas”.
Hoje está claro que é a corrupção da política geral do Brasil,
tornando, enfim, o Nordeste como um todo, o filho enjeitado na Nação.
Em compensação, o Nordeste é rico de tradições, artes e
artistas, tanto que influenciam e fazem o Sul importar. E
os sulistas se
encarregam
de deturpá-las. A cultura é um bem que se deve cultivar (é preciso
o pleonasmo) e preservar. Porque é um bem e faz o homem mais feliz
nas sociedades civilizadas.
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Francisco Miguel de Moura, o autor, é escritor brasileiro, mora no Piauí, Teresina (Capital). Email: franciscomigueldemoura@gmail.com
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Francisco Miguel de Moura, o autor, é escritor brasileiro, mora no Piauí, Teresina (Capital). Email: franciscomigueldemoura@gmail.com
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