quinta-feira, 30 de março de 2017

“CONTOS DA MINHA TERRA” – RIBAMAR GARCIA

Francisco Miguel de Moura*


É muito gratificante ler um livro como esse que o título indica, de autoria do escritor José Ribamar Garcia, homem que muito cedo saiu da nossa terra, o Piauí, mas levou-a no coração, tanto a terra quanto as gentes, os costumes, as lendas e os falares, enfim toda a sabedoria do nosso povo. Trata-se de um livro de contos. E é muito difícil fazer-se a análise de um livro da espécie, pois cada conto é um conto e cada contista aumenta seu ponto. Certo?

Pois então, com este direcionamento, vamos lá, meus leitores e leitores do senhor escritor José Ribamar Garcia. Ele começa com um ótimo conto e termina por outro também do mesmo valor, um maior e o outro menor em extensão: “Pote de ouro” e “Almoço de domingo”. Por estes podemos tirar o miolo, os demais, sem querer sugerir que em lendo esses dois contos, o livro está lido. E pronto. Eu li todinho. Aliás, não costumo fazer comentários ou crítica de livros que não leio. Jamais. Nem ninguém deve ter este desplante de mentir, julgar, medir sem ter uma medida, um parâmetro, um conhecimento completo.

Li todo o livro e gostei de todas as peças. Muitas coisas que têm a ver com a gente do Piauí, até comigo, por virtude de minha linguagem ser das bandas dos Picos, da região centro-leste do Piauí, onde se tem uma influência muito forte do Ceará. E menos de cá, da margem do Parnaíba, nosso grande rio, que é nosso mar, se quisermos fazer uma razoável comparação. Um estilo seguro, claro, rico e às vezes até lírico, poético. É próprio do escritor Ribamar Garcia. Estilo e vivência que nos levam à região ribeirinha do Parnaíba, absorvendo também vivências do povo do outro lado, o Maranhão. Ribamar Garcia nasceu em Teresina e mora no Rio de Janeiro. Fez os estudos primários no Grupo Escolar “Engenheiro Sampaio”, o primeiro ano ginasial no Liceu Piauiense e, aos 13 anos, deixou nossa terra. Com grande dificuldade, rompeu todas as barreiras em sua frente, fixando-se no Rio, onde concluiu o ginasial, cursou o clássico e diplomou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Niterói – Universidade Federal Fluminense. Casou e constituiu família, tem quatro filhos. Passou a fazer uma bela carreira de advogado, na grande Cidade Maravilhosa.

Tinha toda razão para esquecer seu passado de criança e adotar os costumes do Rio. Mas não é um desmemoriado, um descoroçoado. Adaptou-se ao que passou a conhecer. Mas, certamente, levou consigo um bom conhecimento da nossa gente: os barqueiros do rio, os pescadores e roceiros de um e do outro lado do “Velho Monge”. Guardou reminiscências da gente de seu pai, de seu avô, de seus tios e tias, onde o menino ficava nas férias ou mesmo ia passear de vez em quando. Guardou parte das histórias que os velhos contavam. E essas observações perpetuaram-se na memória.

Como ia dizendo, o Maranhão possui outros rios grandes – não do tamanho do Parnaíba, nem dos maiores afluentes do Paranaíba, do lado Piauí. O Maranhão possui muitas praias. Numa delas os franceses aportaram em navios inda no início do Brasil Colônia, desembarcaram e iniciaram a povoação que seria São Luís, em 1612, a única capital de estado brasileiro que não foi obra dos portugueses. Nessa situação, a linguagem do povo da margem esquerda do Parnaíba difere um pouco, nem tanto, da nossa, da margem direita, onde fica Teresina, cuja fundação pelo Conselheiro Saraiva, aconteceu só em 1852, hoje empório comercial das margens do Parnaíba. Nossa capital era Oeiras, no centro do estado. Mas até pelo locais citados no texto, Mercado Velho, Chapada do Corisco, Morrinhos, Parque da Bandeira, nota-se que estamos em Teresina “cagada e cuspida”. Todos os afluentes do Piauí correm para o Parnaíba. Assim, pode-se dizer que o rio-mar Parnaíba é muito mais do Piauí do que do Maranhão.

Depois desta digressão, creio que necessária, para mostrar que Ribamar Garcia é escritor nacional – lembro-me de seu livro “Para onde vão os ciganos?”, de contos, que mostra um modelo de escrever muito carioca quando economiza certas palavras que, com quanto não sejam desnecessárias, se retiradas do texto não lhe tira nem adultera o sentido. E isto ele leva para quase todos os seus títulos publicados. Sem levar em conta as pequenas diferenças apontadas, afirmo que o nosso enfocado escritor tem um estilo inconfundível, forte, rico, suculento, além fina observação e grande imaginário.

Eis aí o escritor José Ribamar Garcia. Levou tudo consigo (inclusive o Piauí) para o Rio de Janeiro onde o mesclou como sua vida. Lá publica contos, romances e memórias. Lá tornou-se um excelente advogado, onde trabalha - cidade sua amada há muitos anos. Sua escrita é ele mesmo, tem o sabor da vivência de sua infância, tem o sumo da terra e do povo maravilhoso das margens do Parnaíba, como já disse. Além do mais, em tudo que toca, Ribamar imprime o carisma da grande pessoa que é, pelo labor, pelo amor, pela amizade, pela saudade que lhe ficou impressa no corpo e na alma, espelhada, como ele mesmo diz, no seu querido pai e nos demais membros da família.

Para não ficar apenas no que e como de sua forma de escrever, informamos que “Contos da minha terra” compõe-se de 32 contos, um número cabalístico para o Nordeste: Olhem a seca de 32, em que se firma a ficção de Fontes Ibiapina. Algumas narrativas eu consideraria crônicas, mas não entremos nesta polêmica perdida, porque, hoje a maioria dos teóricos da literatura aceitam que “uma crônica bem feita vale mais do que um conto sem os limites traçados para essa forma artística”. Para mim conto e crônica são ouro da mesma lavra. Ambos são literatura, são arte. Adivinhando que nem todos os meus leitores vão ler o livro de Garcia, pela quase nula distribuição dos autores brasileiros, citemos aqui um trecho da última narrativa de “Contos da minha terra”, de José Ribamar Garcia, titulada de “Almoço de domingo”:“Andava faltando carne na cidade. Até de bode, que sempre houve em abundância e era vendida às segundas-feiras, no Mercado Velho. Que disparate! O estado, que já teve o maior rebanho bovino do país, tido como referência nacional - ‘O meu boi morreu / Que será de mim? / Manda buscar outro / Lá no Piauí’ - de repente sem carne. Açougues vazios, magarefes entregues às moscas – literalmente. A solução foi trazer galinhas do interior, precisamente de Morrinhos, que chegavam aos domingos em caminhões, amontoadas em caixotes de madeira. Venda racionada. No máximo duas para cada pessoa”. E fiquemos por aqui, a história é meio humorística e só daria para terminar com mais uma folha de papel. É uma pena!

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 *Francisco Miguel de Moura, poeta e escritor brasileiro, mora no Piauí. E-       mail:franciscomigueldemoura@gmail.com

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