É
muito
gratificante ler um livro como esse que o título indica, de autoria
do escritor José Ribamar Garcia, homem que muito cedo saiu da nossa
terra, o Piauí, mas levou-a no coração, tanto a terra quanto as
gentes, os costumes, as lendas e os falares, enfim toda a sabedoria
do nosso povo. Trata-se de um livro de contos. E é muito difícil
fazer-se a análise de um livro da espécie, pois cada conto é um
conto e cada contista aumenta seu ponto. Certo?
Pois
então, com este direcionamento, vamos lá, meus leitores e leitores
do senhor escritor José Ribamar Garcia. Ele começa com um ótimo
conto e termina por outro também do mesmo valor, um maior e o outro
menor em extensão: “Pote
de ouro”
e “Almoço
de domingo”.
Por estes podemos tirar o miolo, os demais, sem querer sugerir que em
lendo esses dois contos, o livro está lido. E pronto. Eu li todinho.
Aliás, não costumo fazer comentários ou crítica de livros que não
leio. Jamais. Nem ninguém deve ter este desplante de mentir, julgar,
medir sem ter uma medida, um parâmetro, um conhecimento completo.
Li
todo o livro e gostei de todas as peças. Muitas coisas que têm a
ver com a gente do Piauí, até comigo, por virtude de minha
linguagem ser das bandas dos Picos, da região centro-leste do Piauí,
onde se tem uma influência muito forte do Ceará. E menos de cá,
da margem do Parnaíba, nosso grande rio, que é nosso mar, se
quisermos fazer uma razoável comparação. Um estilo seguro, claro,
rico e às vezes até lírico, poético. É próprio do escritor
Ribamar Garcia. Estilo e vivência que nos levam à região
ribeirinha do Parnaíba, absorvendo também vivências do povo do
outro lado, o Maranhão. Ribamar Garcia nasceu em Teresina e mora no
Rio de Janeiro. Fez os estudos primários no Grupo Escolar
“Engenheiro Sampaio”, o primeiro ano ginasial no Liceu Piauiense
e, aos 13 anos, deixou nossa terra. Com grande dificuldade, rompeu
todas as barreiras em sua frente, fixando-se no Rio, onde concluiu o
ginasial, cursou o clássico e diplomou-se em Direito pela Faculdade
de Direito de Niterói – Universidade Federal Fluminense. Casou e
constituiu família, tem quatro filhos. Passou a fazer uma bela
carreira de advogado, na grande Cidade Maravilhosa.
Tinha
toda razão para esquecer seu passado de criança e adotar os
costumes do Rio. Mas não é um desmemoriado, um descoroçoado.
Adaptou-se ao que passou a conhecer. Mas, certamente, levou consigo
um bom conhecimento da nossa gente: os barqueiros do rio, os
pescadores e roceiros de um e do outro lado do “Velho Monge”.
Guardou reminiscências da gente de seu pai, de seu avô, de seus
tios e tias, onde o menino ficava nas férias ou mesmo ia passear de
vez em quando. Guardou parte das histórias que os velhos contavam. E
essas observações perpetuaram-se na memória.
Como
ia dizendo, o Maranhão possui outros rios grandes – não do
tamanho do Parnaíba, nem dos maiores afluentes do Paranaíba, do
lado Piauí. O Maranhão possui muitas praias. Numa delas os
franceses aportaram em navios inda no início do Brasil Colônia,
desembarcaram e iniciaram a povoação que seria São Luís, em 1612,
a única capital de estado brasileiro que não foi obra dos
portugueses. Nessa situação, a linguagem do povo da margem esquerda
do Parnaíba difere um pouco, nem tanto, da nossa, da margem direita,
onde fica Teresina, cuja fundação pelo Conselheiro Saraiva,
aconteceu só em 1852, hoje empório comercial das margens do
Parnaíba. Nossa capital era Oeiras, no centro do estado. Mas até
pelo locais citados no texto, Mercado Velho, Chapada do Corisco,
Morrinhos, Parque da Bandeira, nota-se que estamos em Teresina
“cagada e cuspida”. Todos os afluentes do Piauí correm para o
Parnaíba. Assim, pode-se dizer que o rio-mar Parnaíba é muito mais
do Piauí do que do Maranhão.
Depois
desta digressão, creio que necessária, para mostrar que Ribamar
Garcia é escritor nacional – lembro-me de seu livro “Para
onde vão os ciganos?”,
de contos, que mostra um modelo de escrever muito carioca quando
economiza certas palavras que, com quanto não sejam desnecessárias,
se retiradas do texto não lhe tira nem adultera o sentido. E isto
ele leva para quase todos os seus títulos publicados. Sem levar em
conta as pequenas diferenças apontadas, afirmo que o nosso enfocado
escritor tem um estilo inconfundível, forte, rico, suculento, além
fina observação e grande imaginário.
Eis aí o escritor José
Ribamar Garcia. Levou tudo consigo (inclusive o Piauí) para o Rio
de Janeiro onde o mesclou como sua vida. Lá publica contos,
romances e memórias. Lá tornou-se um excelente advogado, onde
trabalha - cidade sua amada há muitos anos. Sua escrita é ele
mesmo, tem o sabor da vivência de sua infância, tem o sumo da
terra e do povo maravilhoso das margens do Parnaíba, como já disse.
Além do mais, em tudo que toca, Ribamar imprime o carisma da grande
pessoa que é, pelo labor, pelo amor, pela amizade, pela saudade que
lhe ficou impressa no corpo e na alma, espelhada, como ele mesmo
diz, no seu querido pai e nos demais membros da família.
Para
não ficar apenas no
que e como de sua forma de escrever,
informamos que “Contos
da minha
terra”
compõe-se de 32 contos, um número cabalístico para o Nordeste:
Olhem a seca de 32, em que se firma a ficção de Fontes Ibiapina.
Algumas narrativas eu consideraria crônicas, mas não entremos
nesta polêmica perdida, porque, hoje a maioria dos teóricos da
literatura aceitam que “uma
crônica bem feita vale mais do que um conto sem os limites traçados
para essa forma artística”.
Para mim conto e crônica são ouro da mesma lavra. Ambos são
literatura, são arte. Adivinhando que nem todos os meus leitores vão
ler o livro de Garcia, pela quase nula distribuição dos autores
brasileiros, citemos aqui um trecho da última narrativa de “Contos
da minha terra”,
de José Ribamar Garcia, titulada de
“Almoço de domingo”:“Andava
faltando carne na cidade. Até de bode, que sempre houve em
abundância e era vendida às segundas-feiras, no Mercado Velho. Que
disparate! O estado, que já teve o maior rebanho bovino do país,
tido como referência nacional - ‘O meu boi morreu / Que será de
mim? / Manda buscar outro / Lá no Piauí’ - de repente sem carne.
Açougues vazios, magarefes entregues às moscas – literalmente. A
solução foi trazer galinhas do interior, precisamente de Morrinhos,
que chegavam aos domingos em caminhões, amontoadas em caixotes de
madeira. Venda racionada. No máximo duas para cada pessoa”.
E fiquemos por aqui, a história é meio humorística e só daria
para terminar com mais uma folha de papel. É uma pena!
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*Francisco Miguel de Moura, poeta e escritor brasileiro, mora no Piauí. E- mail:franciscomigueldemoura@gmail.com
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