segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

ESCRITORES, EMPRESÁRIOS E A CULTURA

Francisco Miguel de Moura
               Autor


Na atualidade brasileira, os escritores e os artistas, de modo geral, sentem a cruel omissão ou inexistência do financiamento da cultura. Na maioria dos casos os escritores nascem como empresários de seu próprio idealismo de participar do seleto grupo dos que pensam e escrevem, pensam e pintam, pensam e fazem teatro, música, ou outras artes. Esta situação é bem retratada já no cartel de todo o arsenal que levam os estudantes (nossos melhores leitores) a obrigarem-se às normas do ENEM e de outros instrumentos (siglas) que refletem a incompreensão dos educadores e gestores governamentais do mais importante setor da cultura. Geram, antes de tudo, a concentração das edições em duas ou três editoras do Sul, ficando o resto do Brasil a ver navios, ou melhor, cegos.
Franklin Jorge, grande escritor do Rio Grande do Norte, habitante de Natal, onde desenvolve intensa atividade jornalística e de escritor, me escreveu uma mensagem em 26/03/2016, contando as atribulações que está sofrendo para publicar sua imensa “Fortuna Crítica”. No documento me pede seu apoio. Dentro de minhas atividades de escritor e as fraquezas da idade, resolvi, antes lhe comunicando, tornar o que era CONFIDENCIAL em  INCONFIDENCIAL. Transcrevo-o:

“Meu caro poeta Francisco Miguel de Moura: Tomo a liberdade de solicitar  seu apoio para a publicação de meus inéditos, além de pedir sua permissão para publicar em minha “Fortuna Crítica” o belo artigo que escreveu sobre “O Livro dos Afiguraves”. Gostaria que lesse e, se achar que vale a pena opinar a respeito, escrevesse algumas linhas sobre a contribuição de minha obra à Cultura potiguar. Queria que João Claudino pudesse tomar conhecimento disto, ele que tem me apoiado, primeiro, publicando o livro citado; segundo, comprometendo-se a publicar-me outros títulos. Só que fico acanhado: são tantos, mais de 50 prontos para publicação, com exceção dos trabalhos de revisão, diagramação e elaboração de capas, investimento para o qual não disponho de recursos nem vejo possibilidade, mesmo a longo prazo, de vir a ter algum dia, considerando-se a situação do País e a minha própria, que consiste em uma única fonte de renda que posso perder a qualquer momento ou ao fim do mandato do atual Prefeito de Natal, que assessoro através da Sala Natal, departamento da Secretaria Municipal de Cultura. Sequer tenho uma casa para morar...

Escrevo-lhe em estado de grande angustia e humilhação, mas sobretudo por sabê-lo um dos homens bons do Piauí e um intelectual solidário e desprovido de vaidades. Se me permitir, mandarei dois originais. Um deles, “Gente de Ouro”, que lhe dará uma visão resumida da posição que o Rio Grande do Norte ocupa nos meus escritos. Trata-se de uma seleção extraída de cinco volumes inéditos, cuja elaboração teve início quando, aos 18 anos, minha avó materna proporcionou-me uma viagem de seis meses por nossa terra, sob a justificativa de que, pretendendo ser um escritor, devia começar por conhecer terra e povo do RN. Comecei, então, ainda sem experiência, a ouvir e a registrar minhas conversas com todos os estamentos sociais, sobretudo aqueles que, por sua condição de pobreza, não tinham e continuam não tendo voz. Não imaginava então que podia  chegar aonde cheguei, sobrecarregado de manuscritos e sob o peso de tamanha responsabilidade - a preservação de costumes e tradições que se disseminam em milhares de páginas que eu não imaginava que podia, como um amanuense de vidas, escrever. O outro, em organização, de minha “Fortuna Critica”, para que possa fazer um julgamento criterioso sobre o que tantos escreveram sobre meu trabalho. Caso considere abusivo ou impertinente o que proponho, saiba que entenderei perfeitamente suas razões. Sem mais, receba os cumprimentos do admirador potiguar. Franklin Jorge”.

A seguir gostaria de transcrever parte de um artigo que me mandou Franklin Jorge, da escritora e psicanalista Cristina Hahn, cujo pensamento reflete um pouco do que ele sente e gostaria que o mundo seguisse:  “Quero de volta a crença na filosofia da identidade, na filosofia das luzes, na filosofia da natureza, na filosofia da existência, pela verdadeira filosofia da vida… Odeio saber que o maior aprendizado, ainda que por osmose, tenha sido o da filosofia do cinismo, onde não importa o que se faça, é preciso seguir em frente, sem tato, sem sutileza, sem pena, sem dó. O degrau do sucesso pode ser o próximo quando o próximo passa a vencer”.

Seu João Claudino é um homem de sucesso, sem que haja saído da ética e normas morais que presidem a sociedade, diferente dos muitos que hoje aparecem como corruptos da operação “Lava-Jato”, da Polícia Federal. Foi por seu esforço e sabedoria sem aspas, no verdadeiro sentido da palavra, que seu João Claudino alcançou a vitória de ser, hoje, talvez, o maior império empresarial do Piauí e que se estende a outros estados  (Pará, Maranhão, Ceará, Goiás, Paraíba, Rio Grande de Norte, além de São Paulo). Ele tem capacidade de atender a uma boa parte das solicitações culturais do Piauí e pode muito bem receber, de bom grado, o pedido do conterrâneo Franklin Jorge, e atendê-lo. É também com este sentido que quebro a CONFIDENCIALIDADE que me fez como amigo de longa data. Porque reconheço no empresário João Claudino (Armazém Paraíba), as qualidades de cidadão consciente, lúcido e capaz de compreender a situação dos artistas, tanto que muito fez por esta terra, o Piauí.
O empresariado do Brasil um dia compreenderá que, sem educação e sem cultura, não há condição de fazer crescer o país, nosso Brasil querido. E entre a classe dos artistas, o escritor tem sido sempre o mais desprestigiado. Logo aquela parte que pensa, que fala através dos jornais, revistas e livros, que não se dobra ao domínio das religiões e dogmas alienígenas, que defende com unhas e dentes o direito de dizer a verdade. Aliás, defende todos os direitos humanos, numa relação de cabeça para cima, encabeçando a lista – o direito à vida, à palavra, à propriedade e ao ir e vir de cada cidadão. A verdadeira cultura que entendo é esta, não a que está aí em busca de populismos e pauperização através do estelionato, do assalto à mão armada e da corrupção: uma parte por conta própria (imoralmente) para o enriquecimento rápido, contando ainda com os altos barões do tráfico, ligando-os com políticos e partidos.  Contrafação total: a política – que devia ser uma bela arte de dar exemplo de moral e ética ao povo, concorre para a deseducação e o empobrecimento da nossa gente. Nosso povo ainda se veste, come e fala pelos modos de Macunaíma. Mário de Andrade estava inspiradíssimo quando concebeu o livro do povo brasileiro.  Não há outro igual.
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Publicado no jornal "O Dia,Teresina", 11 de fevereiro de 2017

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