Escritor,
membro da Academia Piauiense de Letras
membro da Academia Piauiense de Letras
Os gestos, não porque também são imagens, falam mais que as
palavras. Mas como escrever com gestos para provar este verdade?
Preciso de palavras simples e boas, sem afetação, que corram como
correm as águas dos rios ou como o perfume das flores: invisível,
flagrante e fragrante. Palavras assim, saídas dos lábios da
mulher-mãe, da criatura que nos deu a vida com dores e o berço com
alegria, daquela para quem o mundo se resume no filho e é o seu
mundo imenso, pois de outro não precisa... Palavras maternais são a
ternura em flor, em luz, em amor que alivia todas as dores, deste o
berço ao leito de morte.
Mas eu preciso de outras palavras, ou das mesmas vozes e dos mesmos
gestos vindos do pai. Os nossos pais têm sido duros até aqui. O
machismo tinha feito deles um monstro sem piedade, sem amor, só
poder. Poder e glória. O amor não podia mostrar-se. Chorar, nem em
pensamento. Fazer carinho, afagar a cabecinha do filho, dar-lhe um
beijo? Como? O mundo cairia sobre sua cabeça, o engenho, a
propriedade, a família. Deus bondade era coisa de mulheres.
Mas os tempos mudaram, a economia, a sociedade, o país, a política,
as leis e a igreja. Mesmo sabendo de tudo isto, certos hábitos não
muito usuais nos surpreendem. Foi o que me aconteceu. Ia na pachorra
do meu carrinho pela avenida Miguel Rosa, parado fiquei esperando que
o sinal luminoso do cruzamento com a avenida Frei Serafim abrisse –
as duas mais significativas da Capital, uma porque divide em Norte e
Sul, a outra porque circunda todo o centro. Antes que isto
acontecesse, atravessa um senhor magro e meio moreno, com seu
filhinho de mais ou menos um ano de idade. Para, olha, escuta,
estreita-o contra o peito e tenta atravessar a via antes do
fechamento do sinal. Era uma hora bastante movimentada. Até aqui,
tudo bem, o máximo de foi o gesto de segura-lo com garra, apertando
contra seu peito, sinal de posse mas também de segurança, amor,
sinceridade, cuidado e quantas outras virtudes se possam juntar. Mas
o que me surpreendeu, sem dúvida, foi o olhar tão luminoso e tão
terno para sua criancinha. Atravessados, já do outro lado, ainda
tive tempo de ver que os dois riam: o pequeno menino e o grande.
Aquilo, sim, é que era comunicação. O amor paternal em toda a sua
glória moderna.
Fiquei certo da sinceridade de ambos. E de que o amor não é apenas
para a mulher, a mãe. Os pais se encheram de humanidade. Alguns
ainda, o que é uma pena.
Este foi um exemplo positivo, mas tenho outro nem tanto.
Certo dia, quando estava de passeio por Francisco Santos
e visitava os pais de um colega de meus filhos – ele e meus filhos,
estudantes em Salvador, ouvi uma conversa da qual duvidei. Nunca quis
acreditar na dureza que os homens apresentam em público. O velho
dono da casa já era avô e se pavoneava de nunca ter pegado uma
criança no colo. Seu neto, o primeiro, tinha nascido há poucos
meses. E eu o contestei:
- Isto é uma bobagem, o homem não deixa de ser homem
porque pega seu filho ou seu neto, faz carinho e outros gestos de
amor.
- Não, não, eu não pego menino pequeno.
Enquanto isto, eu o tomava em meus braços a criancinha
e, no meu jeito que também não é de muito carinho, eu sei, comecei
a embala-lo nos meus braços. E em um passo me levantei e,
aproveitando uma pequena distração do meu opositor,coloquei seu
neto em seus braços. Queria ver sua dureza e deixa-lo cair ou
passaria rapidamente para os braços de alguém. Apostei e ganhei.
Ficou por algum tempo com ele no colo e a platéia composta de jovens
e velhos aplaudiu-me. E o aplaudiu também. Creio que, depois desta,
o preconceito de pai e avô durão foi para as cucuias. Depois, eu
soube, tornar-se-ia, em pouco tempo um amoroso pai, o que já era.
Só faltam os gestos.
A linguagem dos gestos conjugada com a das palavras pode
vencer todas as durezas, todos os preconceitos, todos os falsos
pudores sociais e morais. Ainda bem.
Resta dizer apenas que este gesto do pai durão é bem
anterior, em minha experiência, do que aquele observado na avenida,
e pelo qual tive uma enorme alegria, vendo que os meus gestos
anteriores foram acompanhados por outros homens. E a moda pegou. Hoje
a maioria dos pais são tão carinhosos com os filhos que, em
circunstâncias diversas, às vezes os filhos preferem ficar com o
pai, especialmente em separações conjugais.
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