quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A TERNURA DE PAI


Francisco Miguel de Moura
Escritor, 
membro da Academia Piauiense de Letras

Os gestos, não porque também são imagens, falam mais que as palavras. Mas como escrever com gestos para provar este verdade? Preciso de palavras simples e boas, sem afetação, que corram como correm as águas dos rios ou como o perfume das flores: invisível, flagrante e fragrante. Palavras assim, saídas dos lábios da mulher-mãe, da criatura que nos deu a vida com dores e o berço com alegria, daquela para quem o mundo se resume no filho e é o seu mundo imenso, pois de outro não precisa... Palavras maternais são a ternura em flor, em luz, em amor que alivia todas as dores, deste o berço ao leito de morte.
Mas eu preciso de outras palavras, ou das mesmas vozes e dos mesmos gestos vindos do pai. Os nossos pais têm sido duros até aqui. O machismo tinha feito deles um monstro sem piedade, sem amor, só poder. Poder e glória. O amor não podia mostrar-se. Chorar, nem em pensamento. Fazer carinho, afagar a cabecinha do filho, dar-lhe um beijo? Como? O mundo cairia sobre sua cabeça, o engenho, a propriedade, a família. Deus bondade era coisa de mulheres.
Mas os tempos mudaram, a economia, a sociedade, o país, a política, as leis e a igreja. Mesmo sabendo de tudo isto, certos hábitos não muito usuais nos surpreendem. Foi o que me aconteceu. Ia na pachorra do meu carrinho pela avenida Miguel Rosa, parado fiquei esperando que o sinal luminoso do cruzamento com a avenida Frei Serafim abrisse – as duas mais significativas da Capital, uma porque divide em Norte e Sul, a outra porque circunda todo o centro. Antes que isto acontecesse, atravessa um senhor magro e meio moreno, com seu filhinho de mais ou menos um ano de idade. Para, olha, escuta, estreita-o contra o peito e tenta atravessar a via antes do fechamento do sinal. Era uma hora bastante movimentada. Até aqui, tudo bem, o máximo de foi o gesto de segura-lo com garra, apertando contra seu peito, sinal de posse mas também de segurança, amor, sinceridade, cuidado e quantas outras virtudes se possam juntar. Mas o que me surpreendeu, sem dúvida, foi o olhar tão luminoso e tão terno para sua criancinha. Atravessados, já do outro lado, ainda tive tempo de ver que os dois riam: o pequeno menino e o grande. Aquilo, sim, é que era comunicação. O amor paternal em toda a sua glória moderna.
Fiquei certo da sinceridade de ambos. E de que o amor não é apenas para a mulher, a mãe. Os pais se encheram de humanidade. Alguns ainda, o que é uma pena.
Este foi um exemplo positivo, mas tenho outro nem tanto.
Certo dia, quando estava de passeio por Francisco Santos e visitava os pais de um colega de meus filhos – ele e meus filhos, estudantes em Salvador, ouvi uma conversa da qual duvidei. Nunca quis acreditar na dureza que os homens apresentam em público. O velho dono da casa já era avô e se pavoneava de nunca ter pegado uma criança no colo. Seu neto, o primeiro, tinha nascido há poucos meses. E eu o contestei:
- Isto é uma bobagem, o homem não deixa de ser homem porque pega seu filho ou seu neto, faz carinho e outros gestos de amor.
- Não, não, eu não pego menino pequeno.
Enquanto isto, eu o tomava em meus braços a criancinha e, no meu jeito que também não é de muito carinho, eu sei, comecei a embala-lo nos meus braços. E em um passo me levantei e, aproveitando uma pequena distração do meu opositor,coloquei seu neto em seus braços. Queria ver sua dureza e deixa-lo cair ou passaria rapidamente para os braços de alguém. Apostei e ganhei. Ficou por algum tempo com ele no colo e a platéia composta de jovens e velhos aplaudiu-me. E o aplaudiu também. Creio que, depois desta, o preconceito de pai e avô durão foi para as cucuias. Depois, eu soube, tornar-se-ia, em pouco tempo um amoroso pai, o que já era.
Só faltam os gestos.
A linguagem dos gestos conjugada com a das palavras pode vencer todas as durezas, todos os preconceitos, todos os falsos pudores sociais e morais. Ainda bem.
Resta dizer apenas que este gesto do pai durão é bem anterior, em minha experiência, do que aquele observado na avenida, e pelo qual tive uma enorme alegria, vendo que os meus gestos anteriores foram acompanhados por outros homens. E a moda pegou. Hoje a maioria dos pais são tão carinhosos com os filhos que, em circunstâncias diversas, às vezes os filhos preferem ficar com o pai, especialmente em separações conjugais.



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