sexta-feira, 11 de novembro de 2016

POESIA E POETA: CHICO MIGUEL DE MOURA

Francisco Miguel de Moura
Escritor, membro da APL



Começo com uma definição: “A poesia é a palavra que se faz pássaro para voar e cantar”. A frase é de um grande poeta brasileiro, Anderson Braga Horta.

Mas a definição só se tornará visível, humanamente, se se disser, como ele disse, no seu recente livro “Do que é feito o poeta”, que acabo de ler. Ele mora em Brasília. 

O poeta, hoje e aqui, nesta solenindade sou eu, Francisco Miguel de Moura, um menino que nasceu nas catingas do Jenipapeiro e depois de andar, por vários lugares acompanhando seu pai e a família, paira novamente no Jenipapeiro. E ali se torna balcanista de uma loja de tecidos e faz muitos poemas românticos – como era de esperar-se de um quase menino, embora leitor apaixonado de Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Castro Alves, entre outros. Um dia ele escreve um poeminha no papel de embrulho de tecidos da loja, ali no balcão, conversando com os amigos. Depois, mostrou a seu amigo maior, Sebastião Nobre Guimarães. 
Este poema o salvou das selvas do Jenipapeiro e da monótona vida de caixeiro da loja do interior. Nobre leu o poema e imediatamente me pediu. Não tive nem preocupação de tirar uma cópia. Parece que estava dentro de mim.
O amigo, por suas atividades, ia toda semana a Picos. E lá o poema voou para Picos, onde foi publicado no jornal “Flâmula”, criado pelos estudantes do Ginásio Estadual de Picos. Começo dos anos de 1950.
Com o poema vai Chico Miguel. Não durou muito e o menino, já rapaz, passa no exame de Admissão ao Ginásio, entra nos estudos de humanidades, lê mais e muito mais, desde Humberto de Campos, Euclides da Cunha e Machado de Assis até alguns clássicos franceses. E nunca mais é o menino de Jenipapeiro, de um só poema romântico. Lê mais, muito: Érico Veríssimo e o poeta J. G. de Araújo Jorge, as revistas Cruzeiro e Alterosa, outros jornais que lhe chegavam por meios que nem sabe. Mas a vida tem vários caminhos, como aponto em minha poesia, neste livro. Chico Miguel apaixona-se por uma mocinha de nome Mécia e passam a namorar, e se casam. Logo após o casamento, Chico rasga todos os seus poemas. Vai cuidar dos seus amores: esposa, filhos que iam nascendo, e o trabalho no Banco do Brasil. Continua lendo muito, sem escrever. Por causa do emprego de bancário, viaja pelo mundo, indo parar em Itambé-BA – onde nasceu meu apresentador, nesta solenidade – Miguel de Moura Jr. Dois anos depois estava de volta para o Piauí. E pronto. Fixa residência em Teresina. Logo que chega conhece Hardi Filho, Herculano Morais e Tarciso Prado, depois O. G. Rego de Carvalho, Fontes Ibiapina, Assis Brasil... Chico Miguel e os três primeiros citados fundam o CLIP, que por sinal, fará 50 anos juntamente com os 100 anos desta Academia. Era poeta inveterado, já em Itambé-BA, voltara a fazer poesia. Chega em Teresina, continua. Dentro de um ano consegue juntar e selecionar seus poemas para publicação, saindo “Areias”. Era início de 1966. Chico queria coisa melhor. Ainda assim, achava que seu primeiro livro tinha valor, valor alcançado pelo censo crítico de Fontes Ibiapina, que fez o prefácio. Depois, outros leitores e críticos o apreciaram e escreveram artigos.
Estava se fazendo um poeta, o poeta que criou asas, voou, voou, e hoje estamos com este volumoso livro “Poesia in Completa”, 2a. edição comemorativa do cinquentenário de poeta e de sua poesia. Muitos vôos, muitos pousos e pausas, muito sofrimento e também muita alegria – como esta que estou me dando agora, extensiva à minha família, aqui reunida, a meus parentes, a meus amigos, a meus confrades desta Academia. Um agradecimento especial vai para o Presidente, Dr. Nelson Nery, que me tornou possível a empresa. Outro, é para a Fundação Mons. Chaves e seus gestores, por que fez gratuitamente a primeira edição do livro “Poesia in completa” , em 1997, a qual está toda aqui, neste volume, ao qual juntei os poemas inéditos, além de uma seleção dos livros publicados depois da 1a. edição.
Uma das orelhas é um artigo que escreveu o escritor Roosevelt Silveira, tão simples quanto ele, que escreve pouco mas lê muito, uma pessoa boníssima como não conheço igual, residente no interior do Espírito Santo, Guaçuí, uma linda cidade onde eu gostaria de morar, se ainda me fosse possível mudar de residência, nessa idade. Obrigado, Rosevelt, meu colega de banco e Acadêmico das Academias de lá do Espírito Santo, que não sei nem quantas são. Em Guaçuí, na companhia da família Roosevel Silveira, eu e Mécia passamos uma das semanas mais agradáveis de nossa vida. Brevemente voltaremos lá, com esta obra que ele colocará em sua biblioteca, onde guarda todos os meus livros com muito carinho, e livros do Brasil inteiro. Bendito bibliófilo! 
Mais histórias minhas, só se eu fosse entrar para a autocrítica, já feita tantas vezes. Não vale a pena, o que está feito não está por fazer. Com minha idade, 83 anos, certamente não verei, se acontecer, a aprovação e de minha obra, com o relevo dos grandes que quero ser. O que me importa é estar com vocês, “caminhando e cantndo, e seguindo a cação”, canção que é a vida. Segundo o filósofo Augusto Cury, “fomos feitos para viver”. Por que não procurar viver bem, sem preconceitos, sem dogmatismos? Fazemos parte da humanidade. E esta, desde o começo, ouviu, produziu e cantou poesia. Poesia e música são enfeites que fazemos para viver melhor, são formas de comunicação para uma vida saudável.
Gostaria de poder dizer o quanto trabalhei para reunir estes poemas que foram feitos durante toda a minha vida até agora, porque acho que o poeta já nasce poeta, só precisar aperfeiçoar-se. Não consegui aprender música, para juntar às letras de meus poemas. Mas tive a sorte de conviver com amigos e apreciadores dos meus poemas, entre quais cito Rosângela Santos, Odorico Carvalho, Franci Monte e Dionísia Neri, que musicaram alguns dos meus poemas. A eles, meus agradecimentos. Infelizmente, não tive tempo nem condição financeira de juntar essas músicas num “cedê”, para ofertar-lhes. Poesia e música ainda estão na moda. O Prêmio Nobel deste ano, Bob Dylan, é cantor e poeta. Acredito até, aqui para nós, que lhe foi conferido o Prêmio Nobel de Literatura por causa de suas letras (seus poemas). A revista “Veja” mostrou alguns versos seus, os mais destacados foram: “Não entre sem resistência pela noite da boa morte / A velhice tem de arder e imprecar quando o fim estiver próximo / Fúria, fúria contra a luz que se apaga”. Lindo, lindo, não coloquei em inglês por que não sei pronunciá-lo bem, nem teria muita vantagem. O inglês não é uma língua mais poética do que a nossa.
Lutei com o Presidente Nelson Nery, e finalmente consegui que, fugindo um pouco o padrão, aceitasse meus desejos, inclusive o retrato da capa pintado por Marcus Carocas, um dos mais esforçados artistas plásticos do nosso Piauí.
 
Na primeira orelha está minha biobibliografia resumidíssima, como se faz comercialmente, embora poesia não seja um produto que se bote na prateleira e venda. Considero a poesia a forma artística mais apurada, mais importante, no sentido da luta com a palavra, como escreveu o maravilhoso Drummond. Pois não é aquilo que os escritores fazem todos os dias?
E se fiz tudo isto em literatura, poesia principalmente, e romances e contos e crônicas, é porque tive a colaboração de minha mulher, D. Mécia, na sua paciência e prática sabedoria. Teve sobretudo a paciência, a compreensão do tempo que lhe roubei nos sábados, domingos, feriados, dias santos e nas férias, todo esse tempo junto para entregar-me a esta outra consorte – a poesia. 
Não esqueçam, meus amigos e amigas, confrades e confreiras, o prefácio de “Poesia in Completa”, de Rosidelma Fraga: - É uma jóia da arquitetura crítica de uma professora e poeta jovem, porém de muita força e fôlego na construção de seus poemas. Matogrossense, Rosidelma Fraga, lecionou na Universidade de Goiânia e depois foi transferida para Boa Vista, em Roraima, estuda também os costumes e línguas indígenas, de quem se diz descendente. Que belas páginas me escreveste, amiga Rosidelma Fraga!
Se não disse tudo a vocês, vai aqui o principal. O tempo passa e todos nós temos um tempo para os passeios, um tempo para o descanso, um outro para orar e agradecer a Deus. Peço que despensemos também um tempinho à poesia, que não faz mal a ninguém. Ela é sempre um recado, uma carta de amor, romântica, amarga ou simples, por mais complexo que seja o poeta. Toda obra de arte é amor, e o amor é quem move o mundo. 
Salve, pois, a poesia. Obrigado por esta convivência tão simples, espontânea como a verdade, para quem se dispõe a conhecê-la. 

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(Discurso pronunciado por Francisco Miguel de Moura, no Auditório da Academia Piauiense de Letras, no lançamento do livro "Poesia in Completa", no dia 12 de novembro de 2016).
 
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