sábado, 11 de janeiro de 2014

NÃO DÊ ESMOLA, DÊ CIDADANIA

            Foto: Chico Miguel (está no meio)

Francisco Miguel de Moura*

Em vários lugares de Teresina estão pregadas placas (os americanos chamam de “out doors”) com duas mensagens opostas que resumem uma filosofia. Quem mandou colocá-las tão expostas assim? Com quê intenção? Como será que o povo está recebendo? 

Nenhum comentarista dos nossos jornais e da tevê quis comentá-las, nem explicitá-las. Parece que tudo está dito ali. Mas não é bem verdade. Eu me intrometo e quero tecer considerações. Não importa quem as mandou expor, se o poder público federal, estadual ou municipal. Ou se obra da iniciativa privada: uma instituição de caridade, uma “ong”, outra associação. Porém, que intenções boas há. E que pode haver interpretações distorcidas diferentes, sim. Não estou aqui para aceitar tudo, acreditar em tudo. Quando leio o colóquio de Jorge Bergólio (hoje Papa Francisco) com o rabino Abraham Skorka, editado no livro “Sobre o Céu e a Terra”, vejo palavras que vão de encontro ao meu pensamento, por isto sinto-me obrigado a repeti-los para que meu leitor me reconheça: “A fé requer a dúvida. A fé em si deve manifestar-se de certo sentimento de dúvida. Posso ter quase 100% da certeza a cerca Dele, mas nunca 100%, porque vivemos buscando-o”, escreveu o primeiro. O segundo disse: “Depois do Holocausto, nós nos perguntamos como é que Deus nos deixou, como é que não interveio, se ele é pura justiça, se sempre está perto do justo, do sofredor”.  

Então, começo com perguntas e dúvidas. Com respostas não 100%, mas respostas mais ou menos 100%.  Por exemplo: No sentido comum, o que é esmola? O que é dar esmola? Esmola é aquilo que se dá com pena do pobrezinho, sabendo que a dádiva não vai mudar em nada a vida dele. Ele jamais deixará de pedir nas ruas e, segundo o filósofo Saint Exupéry, seria uma maldade obrigá-lo a ir para um abrigo, impedindo de fazer a única coisa que aprendeu a fazer (e gosta): pedir esmolas.
Numa extensão política, apontando o que acontece em nosso país, essas bolsas-famílias, bolsas-escola, bolsas-prisioneiro, bolsas mulher-solteira, bolsas-cultura e outras nada mais são do que esmolas. Não digo que no início, os promotores Fernando Henrique/Lula e, na continuação, Dilma, carecessem de boas intenções. Porém, sou obrigado a citar novamente um dito popular, como é do meu estilo: “De boas intenções o inferno está cheio”.  Já contribuir com instituições sérias, aquelas que lutam em favor dos menos favorecidos, especialmente doentes, velhos e crianças abandonas, também são esmolas, porém esmolas que se convertem na maioria das vezes em cidadania. Por isto é que chamamos de contribuições. O pagamento de impostos que nos cobram a Nação, os Estados e Municípios, sejam justos ou não, é ao mesmo tempo ato de cidadania e também contribuição (segundo queremos e possamos fiscalizar e avaliar) que se reverte em melhor saúde, melhor educação, melhor criação de empregos através de concursos honestos e justos. A boa gestão da receita melhora a distribuição de renda através de transferências e incentivos a empresas privadas que, de acordo com leis especificas, giram a riqueza do país: comércio, agricultura, indústria, e construção de obras estruturais que o governo é obrigado a fazer, sob pena de o país crescer para baixo.

A outra questão é a cidadania. Quem consegue estudar, trabalhar, constituir família, ter bens como casa de residência e meios de locomoção, este é um cidadão digamos que pleno. Mas quem vive de esmolas não chegou à cidadania, quem é analfabeto não chegou a cidadão, quem é prisioneiro perdeu parte dela, sem falar nos traficantes, drogados e drogadores, assaltantes à mão armada, seqüestradores e gente desse tipo, que só atrapalha a vida do cidadão. Ser cidadão é usar dos seus direitos e cumprir os seus deveres, uma boa parte deles estabelecidos por leis, outra pela sociedade, os bons costumes. Quem compra ou vende votos, quem troca favores no exercício de cargo publico seja, eleito nomeado, concursado, burocrata, militar ou de outras profissões – esses são os maus cidadãos, merecem ser castigados pela sociedade. Ladrões e falsários da coisa pública também merecem ir pra cadeia.

Não falamos nos pobres, que sempre os há em qualquer país. Num país democrático eles são cidadãos, sim: vão andar de ônibus e morar de aluguel ou em casas financiadas pelo governo, coitados! Mas têm dignidade, trabalham, tem família e educação, precisam ser bem tratados, ou seja, que o país lhes ofereça condições de ascenção social do mesmo jeito que à população mais aquinhoada. Isto é cidadania.

 Dar cidadania significa, para os governos: oferecer educação, saúde, segurança, estradas, pontes, meios de transportes, energia, água e tudo mais que torna possível a vida nas cidades civilizadas. Está longe o tempo em que vivíamos no interior, onde as necessidades, quase todas, eram satisfeitas por aquisição na natureza e/ou modificações apenas manuais. 

Todos, em suma, somos o povo, precisamos da cidadania. Por isto é preciso colaborar com as boas intenções dos governos e fazer a nossa parte, especialmente com relação ao pagamento de impostos e o cumprimento das leis, de modo geral. E não só isto: observar os costumes e ajudar a construir uma sociedade dentro da moralidade: – para mim, os bons costumes, o respeito às instituições sociais, civis e governamentais, além das religiosas, sem preconceitos de nenhum tipo.  Será que nós estamos cooperando, colaborando de modo consciente, no sentido de que cada vez mais um número maior de pessoas usufrua de todos os direitos?  Ou estamos apenas com pena dos coitadinhos e decaímos para o primitivismo da esmola e do favoritismo de classes, o corporativismo de grupos e de facções políticas, entre outras?
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 Francisco Miguel de Moura - Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras e de outras instituições brasileiras; no exterior,membro da IWA-International Writers and Artists Association, Toledo, OH, Estados Unidos.

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