quinta-feira, 30 de maio de 2013

MEMÓRIAS DE VIAGEM, O QUE SÃO?

Francisco Miguel de Moura - Escritor*

Memórias, autobiografias e cartas são gêneros literários menores quando comparados com a poesia, o conto, a crônica, a novela e o romance, os gêneros maiores da Literatura. Memórias valiosas, escritas com criatividade são as “Memórias” e “Memórias Inacabadas”, de Humberto de Campos, e as “Memórias do Cárcere”, de Graciliano Ramos. “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Memorial de Aires”, não obstante o nome, são dois dos melhores romances do mestre Machado de Assis. E até onde eu sei, Machado não escreveu nenhum livro de memórias. Ao citar essas obras importantes, eu quis chegar justamente ao nome “memorial” dado, hodiernamente, a um tipo de memórias que não chega a ser simplesmente um relato colado a fatos “reais”, por ser também um trabalho da imaginação mais do que arrancado da memória, quando haja realmente o distanciamento da crua realidade, ou o que se poderia chamar de “real”. Mas real mesmo, na Literatura, é a própria ficção, a mentira que o escritor imagina, cria e escreve. Quem mais mente na vida são os escritores e poetas. Como na poesia normalmente não há personagens, dá-se o fenômeno de tomar-se o autor como o personagem de tudo, pensando que o que o poeta escreve se refere a si mesmo e a sua vida, o que não é verdade, nem poderia ser. Se assim fora, transformar-se-ia num simples memorialista. O poeta Luiz Ayrton Santos, no lançamento de seu livro de poesias, “Objeto-Presença”, faz um aviso muito interessante: “Os poetas escrevem para todos, para o mundo, por isto em meu livro não coloquei nenhum poema com oferecimento a ninguém”.

Para poetas e poetisas, agora faço uma observação, que pode vir a ser contestada, como qualquer outra: O homem é mais livre, trabalha com o cérebro e as emoções. Com a mulher-poeta dá-se o contrário: ela faz-se descritiva, esmiúça, é menos filosófica. Cecília Meireles superou esta contradição, fenômeno que não sei explicar. E também não há como torcer a verdade: - As musas da poesia são as mulheres e os homens entre si, o sexo exerce uma influência extraordinária no corpo e na alma, mais a natureza, o céu e a terra, os pecados da carne e a força do espírito, a verdade. Filosofia, amores e amizades são conteúdos quase sempre presentes. Mas, “antes de tudo, o verbo, a palavra”, a forma, o trabalho que também sua e merece ser pago. E para não deixar em mim recolhida a tentação referencial da infância, cometi a loucura, a santa loucura de juntar algumas crônicas escritas há mais de dez anos com outras recentes, ao que acrescentei contos especiais para a obra e dentro do propósito de reconstituir a infância perdida. Construí o livro “O menino quase perdido” arrumando-o ao jeito de o leitor chegar a um final de transfiguração romântico-poética, mesmo que avançando até a primeira fase da adolescência do menino. Assim, o transformei em um memorial. Recebi críticas reconhecendo-o como um ótimo livro de “memória da infância”, mas que ia, além disto, pela qualidade do estilo e pela perfeita transcriação poética do texto. Confesso que escrevi mais sobre o que vi, não vi e/ou não lembrava: o reinventando.  Há uma peça em que converso com minha bisavó Mãe Ana, morta há quase cem anos. Eu não cheguei a conhecer nem minha avó materna. 

Numa peregrinação recente que fizemos, eu e minha mulher, a Jerusalém, visitamos os lugares sagrados (para mim, uma aprendizagem inigualável) e pisamos por onde Jesus andou e sofreu até a morte na cruz, Jesus, o maior sábio que veio ao mundo como Filho de Deus para nos salvar. A viagem também me foi muito divertida. Alguns companheiros propuseram, não sei se seriamente, que eu escrevesse um livro de memórias da viagem. “Desculpem-me, mas não sou escritor de memórias, relatos de viagem, essa coisa toda”, respondi.  E pensei em apontar o Pe. Tony, que também escreve ótimas crônicas na imprensa, mas calei. De qualquer forma, o que ele escreveu, leu, distribuiu e falou em seus belos sermões, tudo isto já vale como memória da viagem (sem a pretensão de que estava escrevendo memórias). Memórias e biografias são escritas por e para os narcisistas. Memórias, nunca mais. De viagem? Deus me livre e guarde. Queria ver tudo e sentir as coisas belas que visitamos, as pessoas, os modos, os costumes. E recomendo a quem está entrando para a bela e “charmosa” área das Letras, que não se meta a começar pela poesia e/ou entrar para as biografias e memórias. Caminho errado. Poesia é o sumo, a súmula de uma das mais belas criações do espírito, na busca de conhecer-se a si mesmo e conhecer o outro, da compreensão do mundo e do eterno. Enquanto existir poesia, a humanidade continuará humana e com possibilidades de crescimento. Somente os tolos fazem “gozação” da poesia e das artes em geral. Para os que a entendem, na viagem recitei o soneto “Contraste”, do Pe. Antônio Tomaz, a pedido do Dr. Tupinambá e do Pe.Tony Batista.
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 *Francisco Miguel de Moura - Escritor brasileiro,  membro da Academia Piauiense de Letras, sócio da International Writers and Artists Association, Toledo, OH, Esados Unidos.

2 comentários:

regina ragazzi disse...

Oi Chico!!!Saudade de te ler poeta amigo.Vou passar um tempo por aqui atualizando minhas leituras.
Abraço grandão!!!!

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Pesquisando sobre "jenipapeiro" cheguei aqui, nas suas formidáveis páginas...Hei de voltar, Moura!
Um abraço,
da Lúcia

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