segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

POESIA: LEITURA E VIDA


Francisco Miguel de Moura
– Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras


Falta dizer o que entendo por poesia: captar a alma das coisas (ruas, paisagens, pedras, chuva, areia, carvão, nuvens...) E também objetos como automóveis, estátuas, por exemplo, já que não se consegue alcançar a alma das pessoas. Para testemunhar tudo temos a nossa pobre alma sozinha, desamparada e virgem.

Não tenho certeza se nossa pobre alma está sozinha. Temos também o mundo em nós e, à nossa frente, nossos irmãos. Então, algo em nós permanece igual ou parecido com os outros, além do próprio rosto, das pontas digitais, dos dentes, do DNA. Melhor parar por aqui, não é desta vez que vamos encontrar Deus. A ciência não consegue. Melhor que ele vá andando e melhorando o jeito de ser: – menos poderoso, mais democrático.

Indo finalmente ao que interessa, verso é a roupagem com que vestimos a poesia, pode ser a capricho ou apenas um camisolão de dormir, um chambre que não descreve sequer a curva menos sensual do corpo, não indica as saliências mais protuberantes nem as depressões mais profundas.

Poesia e verso se casam, quer seja na obra poética, quer seja na obra ficcional. A boa prosa tem poesia que a própria poesia desconhece, parafraseando a frase célebre, já popular, de que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Digo: – que o próprio verso com métrica e ritmo desconhece.

Ler poesia não é fácil. Fazer poesia, verdadeiramente, muito menos. “É como amordaçar um lobo”, no bem dizer de Paulo Machado. Dizer como se faz poesia: – impossível. Mas aqui estou tentando e repetindo o que os grandes já disseram. “Poesia se faz com palavras”. Sim, mas com palavras que casem perfeitamente no verso e na composição – o poema. A poesia também tem que ser sintética, dizer o máximo com o mínimo de palavras. As palavras e os versos são música, as notas devem ser ajustadas ao que se quer transmitir, ao melhor que se possa expressar. Porque, na realidade, ninguém transmite nada: o poeta expressa. E quem lê, como o próprio verbo diz, deve esforçar-se o máximo para ler o poeta como ele expressou-se. Declarar, como as pessoas declaram em conversas ou numa crítica, que “o poeta quis dizer isto ou aquilo”, é barbaridade. Bem ou mal, o poeta expressou realmente o que queria, naquele momento. Aliás, o que vale é o que foi escrito, não outra coisa que ele pensou, sentiu, não colocou por não ser necessário nem coerente. E o que ficou para trás não interessa ao crítico nem ao leitor comum.

Sabe-se que a ficção, forma literária da prosa, trabalha com personagem, tempo e espaço. A poesia também os possui, mas de maneira diferente. O tempo é normal que seja o tempo da ação, do verbo. O espaço é o papel onde os versos com suas linhas quebradas são escritos, assim como as variações que possam ser feitas. O personagem é quase sempre o próprio poeta (na maioria das vezes, de forma impessoal). A matéria são as coisas poetizáveis (quase tudo). Ou todas, se há amor. Só ele (o amor) é maior do que a beleza procurada. Ambos juntos são a verdade que reúne o bom e o mau, o feio e o bonito, o rico e o pobre, o preto e o branco, todas as cores, todos os sons, todas as contradições – além da palavra.

Poesia é a leitura da vida.


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