quinta-feira, 1 de maio de 2008

OS CHATOS EVENTUAIS

Francisco Miguel de Moura*

O chato é um animal de todos os tempos e está em todos os lugares, inclusive onde não deve estar: é inconveniente.

O escritor Guilherme Figueiredo, no seu “Tratado Geral dos Chatos”, logo no início diz que não vale fazer piadas com o livro dele. Por exemplo, dizer que é um livro chato. Mas o livro é chato mesmo e, por via de conseqüência, seu autor também.

Assim, não me incomoda se o leitor, ao por os olhos nesta crônica, disser:

– Ih! Não vou ler nada sobre os chatos, é muita chatice!

E ele tem toda razão. Porque todos somos chatos, inclusive eu e você. Mas nem todos são chatos em todos os lugares e todos os dias. E esses são os chatos eventuais. É deles principalmente que tratamos aqui. Chato eventual não é aquele que comparece a todos os eventos. Eles o são porque não se inscreveram entre os definitivos. Assim, que nos conformemos em ser excluídos do rol dos eternos chatos – os vitalícios.

Numa dessas revistas “Veja” (cuja data não me lembro nem tenho paciência de pesquisar, porque é muito chato) li entrevista com Roldo Goi Júnior, persona que ninguém conhece, cuja primeira frase – do entrevistador, naturalmente – é a seguinte:

– “Você já parou em frente do espelho e se perguntou se a imagem ali refletida é a de um chato?”

Pronto, não vou responder à pergunta, mas já encontrei o primeiro chato da entrevista, além do entrevistador – é o espelho.

O chato-mor é o chefe, “porque as pessoas são obrigadas a ouvi-lo” – diz Goi Júnior. Sendo treinador de executivos, Goi Júnior tinha que ser assim: um chato (ele mesmo se declara e acrescenta que não gosta de sua própria voz).

Lembro que o entrevistado refere-se a muitos outros tipos de chatos e chatices: locutor esportivo, chofer de táxi quando insiste em puxar conversa com o passageiro, o engraçadinho que fala alto durante o filme todo no cinema, a sogra, a “perua”, o play-boy, os filmes franceses, os artigos publicados nos suplementos de jornais brasileiros, falta de educação, excesso de informações durante uma conversa. Já reparou o leitor na enorme carga de informações que o Jô Soares exibe? Quem viu o programa d“o gordo” sobre cinema tem um exemplo. E os chatos culinários, os especialistas em vinho, os que nos telefonam sem nada pra dizer ou comunicar, aqueles que nunca erram, não têm defeito e sabem como fazer tudo (mas não fazem nada), os dogmáticos (especialmente de seitas evangélicas)? Outros tantos são o vidente, o desconfiado, o ressentido, o fofoqueiro, etc. Guilherme de Figueiredo disse que “todo chato é bonzinho”, mas eu não acho. Todo chato é chato mesmo e não pode ser bonzinho de jeito nenhum. São maus, mesmo que inconscientemente. É possível que eu tenha exagerado nessa nominação dos chatos e escapulido do propósito inicial: listar os principais do grupo de chatos “eventuais”.

Em alguma parte já ouvi que o americano comum é um chato. Todo americano (do Norte) é um especialista em alguma coisa. E só fala naquilo. Mas esse não se enquadra no “eventual”. Ele é sempre, sempre que fala. Agora penso em mais outros: o intelectual porque só fala difícil, ninguém anda com o dicionário debaixo do braço; o apaixonado porque está sempre apaixonado pela mesma pessoa, objeto ou assunto; o torcedor (falo no de futebol); o escritor (só fala no que escreveu ou está escrevendo); o poeta recitador; aquelas pessoas que contam sempre a mesma anedota antiga/surrada como se fosse a última novidade – conhece a do?... – e não adianta você dizer que conhece, pois contará assim mesmo; todos os parentes (amigos, a gente escolhe; parentes, não); os que forçam para que você os reconheça e lembre-se de fatos ou os testemunhe; os que escrevem humor negro como Nelson Rodrigues (“pra lá de Copacabana tudo é mato”); os velhos, estes muitas vezes são chatos divinais ou ressentidos; os feios e os “gostosos” também (alguém já disse esta frase: “é chato ser gostoso”); o cachorro e o dono, etc.etc. Não vou esticar a lista pra não “encher” mais do que já enchi.

O filosofo e romancista Jean-Paul Sartre escreveu que “o inferno é o outro”, mas a tradução real do seu pensamento é esta: “chato é o outro”.

Enfim, se você não leu esta crônica, pode sair por aí se vangloriando: “não li e não gostei”, o que é uma chatisse sem limite, desde que inventaram a leitura dinâmica, pela qual você pode posar de sabedor de tudo e ignorante em tudo, o que é providencial para libertar-se daqueles chatos que vão perguntar-lhe: “você leu, que tal? gostou?”

Por aí você vai notando que o mundo é chato mesmo. E Deus, onipotente, onipresente, onisciente, ao criá-lo deveria estar num momento de “chatura”. Senão tê-lo-ia moldado em forma menos chata, por exemplo, que cada pessoa fosse realmente diferente e não todos iguais, todos uns chatos.

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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, mora no Piauí.

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