quinta-feira, 6 de março de 2008

POESIA: TEMPO E ESPAÇO



Francisco Miguel de Moura*

Não tenho vergonha de dizer que faço versos nem como os faço. Todo dia minha antena funciona: a emoção diante da vida ou dos próprios pensamentos, a cota de anos, de dias, de sacrifícios, de prazeres e virtudes, enganos e erros. E ainda topamos com a perplexidade diante das variações do Imposto de Renda e da situação financeira, ou da política – esta porcaria que nos procura diariamente, desde o nosso próprio emprego até o nosso salário e o dos filhos. E estes continuam sempre nossos filhos, pelo amor e pela pior situação econômico-financeira do que nós, uma prova de que o mundo vem piorando e, com ele, nosso Brasil. É aqui que se faz crítica a poesia. Entram em ação as paródias e os epigramas, a sátira a permear as imagens de nossa linguagem. É preciso ter cuidado, para que o dia-a-dia não se banalize na nossa letra poética.

Não posso ficar com a “frescurite” de dizer que sou um bom poeta, daqueles que o verso/poema/canto salta do canto da cuca na pauta do papel pela ponta da esferográfica como criança que nasce de parto normal e de mãe sadia. Tenho minhas pequenas e grandes dificuldades. Elejo temas que continuo a glosar em todos as poesias de uma fase. Começo poemas que nunca termino, por medo ou incapacidade, não importa.

Acompanho os passos dos meus poemas, monto-os e desmonto-os ao bel-prazer de minha brincadeira intelectual com as palavras. É assim que se ama: uma brincadeira. É assim que se faz poesia também: brincando.

Certa vez, e foi ontem, brinquei de trabalhar um poema e consegui cerca de 10 diferentes formas, evocando o mesmo tema.

Goza de mim, leitor?

Pois foi. E não faço bazófia. Se for riqueza, é apenas de autocrítica. Talvez defesa. Não tenho grande memória, por isto supro-a com a imaginação, com o trabalho, com o suor do rosto. Anotações.

Depois, o poema lírico sai das comportas do eu, como sabemos, e a forma é que deve universalizar-se por metáforas-surpresa, não aquelas já velhas e surradas, catacréticas e cheias de cataratas que obstruem a visão do leitor.

Sofrer? O poeta é sofrimento e alegria. Compreen­são. A inteligência pode ser a comum, a que tenho. Depois que o homem inventou a Enciclopédia, o Dicionário, o Compu­tador, sem falar no disco, gravação, papel e tinta e caneta, a cabeça e o coração devem ficar disponíveis para o amor e o balanço da rede, para que a inspiração corra livre e desim­pedida, durante o dia. A noite é insondável como a poesia. Se uma coisa puxa outra, digo que meu trabalho artesanal segue noite a dentro em busca da melhor forma, na intenção de fixar a melhor imagem na companhia de um bom conteúdo, vivo e palpitante, pois não.

Falta dizer o que entendo por poesia, a propósito do inicial: captar a alma das coisas (ruas, paisagens, pedras, chuva, areia, carvão, nuvens e objetos como automóveis, por exemplo, já que não se consegue alcançar a alma das pessoas). Para testemunhar tudo, temos a nossa pobre alma, sozinha, desamparada e virgem.

Mas, se somos irmãos, algo de nós permanece igual ou parecido com os outros, além do próprio rosto, das pontas digitais, dos dentes, do DNA. O que seria? Melhor parar por aqui, não é desta vez que vamos encontrar Deus em nosso caminho. Melhor é que ele vá andando e melhorando de jeito, se tornando mais democrático, não sendo o todo poderoso Senhor.

Indo finalmente ao que interessa, verso é a roupagem com que vestimos a poesia, pode ser a capricho ou apenas um camisolão de dormir, um chambre que não descreve sequer a curva menos sensual do corpo, não indica as saliências mais protuberantes nem as depressões mais profundas.

Poesia e verso se casam, quer seja na obra poé­tica, quer seja na obra ficcional. A prosa tem poesia que a própria poesia desconhece, parafraseando a frase célebre de que “o coração tem razões que a própria razão desconhece.” Digo - que o próprio verso com ritmo e métrica desconhece.

Ler poesia não é fácil. Fazer poesia muito menos. “É como amordaçar um lobo”, no bem dizer de Paulo Machado. Dizer como se faz poesia - impossível. Mas aqui eu tentei.

Tempo e espaço da poesia são quase tudo, somos nós poetas, são as coisas poetizáveis, todas, se há amor. Só ele (o amor) é maior do que a beleza. Ambos reunidos são a verdade, que reúne o bom e o mau, o feio e o bonito, o rico e o pobre, o preto e o branco, todas as contradições. A verdade é Deus.

_______________________ *Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, mora em Teresina, PI. franciscomigueldemoura.blogspot.com cirandinhapiaui.blogs.com

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