quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

ENCONTROS: MEMÓRIA DE VIAGEM

Francisco Miguel de Moura e Teresinka Pereira*

Viajando adquirem-se conhecimentos, fazem-se amigos, e aprende-se a história de muitos lugares e personagens. Eu gosto, é delicioso, mas não sou dado a anotações, minúcias. Prefiro aproveitar a visão dos lugares, das pessoas; o encontro com criaturas singulares e, no geral, conseguir tirar o melhor ou pior, o triste ou alegre, ou mesmo o desencanto. Enfim, tudo é para uso da minha ficção e poesia. Exceto a memória duma viagem de 7 dias a Cuba, no ano 2000, nada fiz com relação a esse tipo de relato.
Já minha amiga Teresinka Pereira, uma grande viajadora em virtude de sua atividade de dirigente e representante de entidades internacionais de cultura, conta-me suas viagens em interessantes crônicas. Por isto, resolvi transcrever, embora que não verbo ad verbum, dois encontros em sua andança pela Croácia, Bósnia e Hungria, Alemanha e Itália, entre 19/10 e 28/10/2007, saindo de Detroit, nos Estados Unidos.
Sarajevo, Capital da Bósnia e Herzegovina: “No aeroporto recebi um recado de minha anfitriã, Ajsa Zahirovic, velha amiga poeta que havia participado do Congresso da IWA, no Rio, agosto/1998. Já me esperava no Hotel Bósnia, onde eu me hospedaria. E lá estava lindamente vestida em vermelho e parecia que os quase dez anos passados desde o congresso lhe trouxeram mais elegância e charme. Trazia presentes de livros, CDs e outras coisas para mim, e eu entreguei-lhe os livros de membros da IWA, para os escritores e bibliotecas. Era 24-10-2007. Ajsa, havendo escrito um livro sobre Sarajevo, possuía a cidade na palma da mão. Escritora, ex-Ministra da Cultura, me apresentou a muita gente e me convidou para jantar no restaurante onde se encontrava com os amigos, para tomar café ou escrever. Conheci Jovan Divjak, Diretor Executivo da Associação de Construção de Edifícios Educativos e Escolas. (...) Contou-me sobre a guerra instigada pelos Estados Unidos, que dividiu a velha e poderosa Yugoslávia em seis países independentes (hoje, sete, contando com Kosovo, que se tornou independente na semana passada), cada um com sua preferência religiosa. Zagreb ficou com uma maioria de católicos, a Sérvia com os ortodoxos, a Bósnia com os islamitas. (...) Contando sua vida durante a guerra e como sobrevivera me fez chorar. Os habitantes de Sarajevo ficaram sem água e sem comida durante muito tempo. Tinham de ir buscá-los muito distante de onde moravam, carregando latas d’água e sacos ao ombro e andar agachados pelas ruas e pontes porque as balas cruzavam por todos os lados”.
De Sarajevo a Budapest: “Viagens podem ficar cansativas e aborrecidas, pois as pessoas têm que ficar sentadas horas e horas, tanto nos aeroportos quanto nos aviões. Mas, nesses lugares só entra quem já vem selecionado pelos critérios de viajantes: gosta de viajar, fala mais de uma língua, tem dinheiro para a compra da passagem ou trabalha para alguma organização importante. Gente educada, civilizada, intelectualmente curiosa. Se alguém viaja sozinho, quer comunicar-se com outro. Mais compatibilidade que isso somente com signos do zodíaco similar ou química simpatizante.”
Foi em tais circunstâncias que Teresinka encontrou Igal Sarna, um escritor erudito de Tel-Aviv, Israel. Quando a aeromoça perguntou o que queria tomar, respondeu: “coffee”, naturalmente com sotaque americano. Ela não entendeu. O cavalheiro ao lado tentou ajudá-la, dizendo o mesmo “coffee” com sotaque da Inglaterra e advertindo-a: “Acho que ela não gostou de você”. Foi o início de uma conversa longa, durante a viagem, quando Igal lhe disse que escrevia também para o Daily Newspaper of Israel, ia a Budapest para falar com o seu editor e depois a New York para encontrar-se com outro editor. Livro no prelo. Ajudou-lhe a carregar sua maleta de mão, despachá-la no aeroporto. Hospedaram-se no mesmo hotel, compartilharam o táxi. A viagem se fez curta para festejar o encontro. Na despedida lhe deu um beijo e disse que continuariam o diálogo por e-mail.
Para mim, o caso mais significativo que me ficou foi, numa viagem ao sul do Brasil, o contato com um guia (espanhol, que morava no Brasil). Era uma dessas pessoas que acham que sabem tudo. Falando sobre o Brasil, Portugal e Espanha, com referência às guerras e lutas ­– os feito de cada um desses povos, nos séculos de conquista e colônia – ele disse:
- “Nosso problema, como dizia minha avó, é Portugal.”
Calei-me. Não discuti sobre o seu preconceito, mas fiquei chocado e pensando comigo mesmo, depois perguntei:
­
- “Por que nós, brasileiros e portugueses, assimilamos bem a língua castelhana e vocês não entendem patavina da nossa?”
Hoje, responder-lhe-ia assim: - Quem ama um povo tem meio caminho andado para aprender sua língua, creio que não há outra explicação.
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*Francisco Miguel de Moura e Teresinka Pereira são poetas e amigos. Ela mora nos Estados Unidos, ele, em Teresina, PI, Brasil.

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