sábado, 8 de junho de 2024

 


CARTA DE FRANCISCO MIGUEL DE MOURA

 

Teresina, PI, Brasil, 07 de junho de 2024.

 

Carta aberta ao escritor

Douglas Nunes

 

            Porque não sou mais aquele crítico que comentava os livros recebidos, em forma de artigos, publicando nos jornais, reporto-me por esta missiva. 

          Agora, eu sou apenas um leitor daquilo que gosto. Foi o caso de seu livro “O Vale das Falenas”, que acabo de ler com muita satisfação, por tratar-se de uma espécie de biografia de Alberto de Deus Nunes, justamente seu próprio pai.

            A obra mencionada acima começa com uma frase que faço questão de destacar, porque abrange a generalidade do que acontece no mundo, desde muito tempo e parece que se perpetua:

            “O poeta, esse desconhecido.”

             Mas não é especialmente do poeta que tratamos aqui. Refiro-me me que isto aconteceu, há tempos, quando escrevi um artigo e publiquei no jornal, Foi quando saiu a edição do livro “Manifestações Poéticas”, de autoria de seu pai, Alberto de Deus Nunes. O qual me foi enviado, na época, pelo poeta Ozildo Batista de Barros.

            Agora, agradeço a bondade de me haver remetido sua tão importante obra, cuja oferta recebi na Academia Piauiense de Letras, por mão do historiador Antônio Fonseca dos Santos Neto, fazendo constar, naquela ocasião, da ata da reunião da Academia Piauiense de Letras, com a leitura da primeira frase de seu livro - que, enfim, diz a mim também, porque prefiro que me chamem de poeta, embora tenha escrito muitos livros em prosa.

            Que posso mais dizer?

A vida de Alberto de Deus Nunes não poderia ser eternizada tão bem senão por sua inteligência e coração, caro escritor e cineasta Douglas Nunes. Seu livro é uma saga que retrata bem e artisticamente o valoroso cidadão, professor e jornalista, tudo isto, aliado ao bom caráter, à honestidade de seu pai, reconhecido por muitos que com ele trabalharam e viveram em Picos daquela época. Por contrariar algumas pessoas, quando recusou-se a assinar papeis e notas em branco, a respeito de alunos que cursavam o Ginásio de Picos, naquela época, Alberto de Deus Nunes, desterrou-se do seu torrão natal (admita-me o pleonasmo), com toda a família, indo para São Paulo e lá ficando até falecer.  Seu amor pela terra e pelos parentes era forte, porém muito maior, era o seu caráter.

Seu livro, caro amigo Douglas, desperta os bons sentimentos em alto grau, portanto deveria ser adotado em escolas como essencial e insubstituível. Apenas recomentaria, para isto, uma reedição retificando de alguns senões e enganos que ocorreram nesta primeira edição.

Além da vida atribulada do pai, Alberto de Deus Nunes, o autor de “O Vale das Falenas”, coloca contribuições literárias e jornalísticas dele, seu pai, comprovando o seu valor intelectual à altura de um sábio.

Peço perdão por não ter “Minha História de Picos”, informado muito mais sobre a vida e a obra do poeta Alberto de Deus Nunes, seu pai. Assim como sobre Enoe, sua prima, a qual previu a própria morte, tendo tido uma vida de santa, embora a Igreja Católica, não tenha mostrado interesse em santificá-la, ou beatificá-la, como seria natural e justo.  Disto os novos historiadores de Picos não podem se queixa, pois, com o seu livro, agora têm muito mais o que estudar e colocar.

Por fim, creia-me que foi o melhor livro do gênero memórias que li nos últimos tempos. Elogio, sim, sua importância, por tratar de família e de pai de família, assuntos que estão caindo no esquecimento dos estudiosos e literatos, por causa dos excessos de tecnologia, computador e celular.  E mais: Pensando que não sou tão importante para a terra natal, muito almejaria que um dos meus filhos ou parentes, tentasse preserva minha memória como você acaba de fazer com a memória do poeta Alberto de Deus Nunes.

                            Abraço afetuoso do seu amigo

 

 

                            As)  Francisco Miguel de Moura

                                             (Chico Miguel)

Anexo: 1

Artigo sobre Manifestações Poéticas,

Publicado na época da edição:

 

MANIFESTAÇÕES POÉTICAS - ADN

 

       Francisco Miguel de Moura*

           

 

            Salvo Oeiras e Parnaíba, o interior do nosso Estado tem pouca tradição literária. Não quer dizer que obras de escritores isolados não tenham sido perdidas para sempre nas malas ou comidas pelos cupins. Ou alguns manuscritos ainda estejam a salvo, esperando os pesquisadores. De Picos, entre os mais antigos, salva-se agora ADN: - Alberto de Deus Nunes. “MANIFESTAÇÕES POÉTICAS” é o título de seu livro póstumo, publicado em 2006, pela viúva, D. Almerinda B. Moura Nunes, ambos picoenses.  Ele nasceu em 25 de abril de 1913 e faleceu em 19 de abril de 1969, em São Paulo, onde residia, com a família, desde 1953. Com a fundação do Ginásio Estadual Picoense, no início da década de 1950, ainda morando em sua cidade, Alberto de Deus Nunes animava a moçada que tinha fundado o jornal “Flâmula” (1952), saudando-a em artigo onde se prontificava a colaborar, e afirmava:

“De Miguel Lidiano a Vidal de Freitas tivemos uma estagnação educacional e moral sobremodo sensível na estrutura da nossa sociedade. Agora, abrem-se novos horizontes e é bem prometedora a mentalidade que surge.”

Já o Pe. David Ângelo Leal faz uma apresentação moral e intelectual do homem Alberto de Deus Nunes, completada pelas palavras da viúva e promotora da edição do livro, D. Almerinda Moura Nunes, num gesto de gratidão e homenagem ao poeta. Sem ter estudo regular, preparou sua poesia ao longo da vida, deixando-a inédita por falta de condição financeira. É que sustentava família numerosa, de dois casamentos, com um salário nada alentador, de funcionário publico. Suas “manifestações poéticas” têm o condão de mostrar que Picos tinha poeta antes de Lourenço Campos dos anos 1950). Este último, sem dúvida, recebeu influência de Alberto Nunes, como acredita o poeta Ozildo Batista de Barros, sobrinho de D. Almerinda.

            É evidentemente um poeta de muito peso, levando-se em conta a época em que viveu e o isolamento dos poucos intelectuais daquele tempo. Seu parente, Absolon de Deus Nunes, fundaria o jornal “A Ordem”, em 1950, mais voltado para a política partidária. Vivendo a solidão familiar, longe da terra, dos amigos, numa sociedade ainda bastante rural e com forte influência de Casimiro de Abreu e dos ultra-românticos brasileiros, fez uma poesia que se põe em pé, pela qualidade, pelo vigor, pela certeza de que perduraria. Fez sonetos admiráveis, tecnicamente sem defeito e de boa inspiração, como “Mais Bela”, que vem na segunda orelha da publicação, e aqui o transcrevo:   

               Tenho sonhado, tendo em minhas mãos

                As mãos macias de feliz beldade.

      Meu sonho vai a todos os desvãos,

      Até tocá-la com suavidade...

 

      E sempre com entretenimentos sãos

      Me fico junto dela, sem maldade. 

      Até que, fatalmente, meus irmãos

      Acordam-me, cruéis, sem caridade...

 

                Às vezes acordado estou sonhando,

      Absorto fico só pensando nela,

      Pelo formoso busto passeando...

 

      Se um dia o mundo inteiro fosse vê-la

      Entre as mais lindas misses desfilando,

       Dar-lhe-ia, certo, o título de mais bela!”

           

“Poderíamos ter citado “A Profissão de professor”, “Picos”, “14 Filhos”, “Crepúsculo”, “Teus olhos”, “A meretriz” e outros tantos, que têm a mesma força lírica, as filigranas da invenção que lhe brotavam da alma, a tristeza e a saudade das boas coisas da vida, dos parentes, dos seus amigos, da paisagem da terra natal, dos tempos de criança, de tudo aquilo que faz bem aos olhos e ao coração do poeta. Mas, se a vontade de voltar nunca foi realizada, o sonho do livro, embora que muito depois, sua querida esposa (a segunda) teve a grandeza de editá-lo, para glória de Picos, do Piauí e da literatura.

        

 Obs.: Este artigo foi publicado no jornal “O Dia”, de Teresina, PI,, mas não consegui saber exatamente a data.

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*Francisco Miguel de Moura, poeta, cronista, contista, romancista e historiador. Nasceu em Francisco Santos-PI, em 16-06-1933.

 

Um comentário:

DOUGLAS NUNES disse...

Meu nobre amigo poeta Francisco Miguel de Moura,
Com imensa alegria e profunda gratidão, recebi sua carta aberta repleta de palavras gentis e elogios sinceros. Fiquei profundamente comovido com seus comentários tão positivos sobre o livro "O Vale das Falenas.
Sua generosidade em reconhecer meu trabalho me encheu de imensa satisfação. Saber que meus esforços e dedicação têm um impacto positivo na vida das pessoas me motiva a continuar buscando sempre o meu melhor.
Suas palavras de incentivo foi um verdadeiro presente na semana em que completei 73 anos de vida e que me impulsiona, sem dúvida alguma, a seguir sempre em frente com muito mais entusiasmo e compromisso.
Foi justamente no dia 05 o meu aniversário que pretendia passar com a minha mãe que tem a idade de 99 anos, na sua casa no Povoado Saco das Tabas, município de Sussuapara, mas não pude atingir esse compromisso... Impedimentos contrários sufocaram-me o dia. No próximo dia 12 de novembro ela completará 100 anos, se assim o nosso Deus Misericordioso permitir.
Entristecido por isso, aceitei a vontade de Deus. No entanto, na quarta-feira, dia 07, recebi a mensagem da minha amiga psicóloga Graça Moura com o link da "Carta Aberta ao escritor Douglas Nunes". Fiquei pasmo, confesso. Foi uma surpresa extraordinária.
Não é todo dia que se recebe uma Carta Aberta e principalmente com elogios sinceros frases e palavras sobre o meu livro "O Vale das Falenas" lançado em 2018.
Não esperava que, depois de 06 anos do lançamento do livro, eu teria, ainda, a sorte de receber de alguém, tamanho enaltecimento e consideração. E esse alguém não nada mais, nada menos que o grande poeta Chico Miguel.
Eu não soube o que dizer naquela hora.
Apenas que isso é Reconhecimento. Valorização e elogios de uma obra literário vinda do poeta Chico Miguel é simplesmente fantástico!
Concordo plenamente com você que a escrita é uma ferramenta poderosa para explorar as profundezas da alma humana, para contar histórias que tocam o coração e para dar voz àquilo que muitas vezes não encontra palavras. É através da escrita que podemos conectar com o outro, transcender barreiras e construir pontes entre diferentes culturas e realidades.
Agradeço imensamente a sua Carta Aberta, compartilhando comigo suas reflexões sobre o livro "O Vale das Falenas". Sua carta me serve como um farol que ilumina meu caminho e me guia na busca incessante por novas formas de expressão literária.
Espero que um dia tenhamos a oportunidade de nos encontrar pessoalmente e compartilharmos mais sobre literatura, poesia e suas obras e as do Piauí. Acredito que o diálogo entre escritores é fundamental para o nosso crescimento individual e para o desenvolvimento da própria arte literária.
Com os mais sinceros agradecimentos e votos de admiração,

Douglas Nunes
Picos PI., 10.06.2024

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