TRANSCRIÇÃO DE
ENTREVISTA REALIZADA NO DIA 19/01/2024 COM O ESCRITOR, POETA E CRÍTICO
LITERÁRIO PIAUIENSE FRANCISCO MIGUEL DE MOURA, PELA DOUTORANDA NATÁLIA FERREIRA
DE SOUSA.
Natália Ferreira de
Sousa – Professor bom dia.
Francisco Miguel de
Moura – Bom dia.
Natália Ferreira de
Sousa – Eu gostaria de começar, desta vez, perguntando a sua trajetória
acadêmica, a sua formação de estudo, professor?
Francisco Miguel de
Moura – A minha? Porque, outro dia, você me perguntou sobre Herculano Morais...
Natália Ferreira de
Sousa – Sim, a sua, não a do Herculano.
Francisco Miguel de
Moura – A minha trajetória acadêmica é meio longa, porque não é somente
acadêmica. Meu pai era mestre-escola, conhecido por Miguel Guarani. Escrevi até
um livro, a biografia dele, “Miguel
Guarani, Mestre e Violeiro”. Ele era cantador de viola, de repente. Mas era
muito mais mestre do que violeiro. E aí, eu aprendi o que se chama hoje, o
primário, as primeiras letras... O curso fundamental. Não é? Eu aprendi com ele
os quatro primeiros anos de escola e o restante fui aprendendo por mim mesmo. Lá onde eu morava, Jenipapeiro, do
município de Picos. Em Jenipapeiro
(leia-se hoje Francisco Santos-PI), não havia o curso ginasial. Depois do
ginásio, era o científico, ou seja, o terceiro grau, por isto eu fiz o Curso de
Contabilidade. Voltando um pouco, para o
ginasial. Lá, passei em primeiro lugar.
O ginásio era público, o “Marcos Parente”
, só no nome, o governo do Estado não pagava nada. Então, os alunos, tinham que
pagar para estudar. Eu fui aprovado ao ginásio em primeiro lugar, por isto não pagava nada...
Nos anos seguintes, sempre eu conseguia ser o melhor, continuava sem pagar. Fiz
os quatro anos de ginásio, e quando eu terminei o ginásio, casei com Maria
Mécia Morais Araújo Moura, com quem convivo até agora. Ela, além de ser a moça
mais bela da cidade (na minha concepção), era inteligente e dinâmica. Por isto
me tem ajudado muito. Sem ela, não sei quem eu seria de mim. Nesse intermédio apareceu a oportunidade do
concurso, e fui aprovado também. Funcionário do Banco do Brasil, aí, minha vida
toda foi mais ou menos no Banco. Fui para o interior da Bahia, lá morando 3
anos. Cheguei em Teresina, em outubro de 1964. Antes eu já tinha tentado umas
escolinhas à noite para dar aulas de graça à população pobre do interior da
Bahia. Mas quando eu cheguei em Teresina, fiz o Curso de Admissão à Faculdade
Católica do Piauí, fiz minha Licenciatura em Letras, em língua, em literatura
brasileira e portuguesa, na FAFI. Depois, aí, eu passei uns tempos lecionando a
noite, que eu trabalhava de dia no banco, a noite lá no Colégio Anísio de
Abreu, que era um Anexo do Liceu Piauiense.
Natália Ferreira de
Sousa – Uma Fundação?
Francisco Miguel de
Moura - Não, não era uma fundação, ele era, um adendo, um anexo do Liceu.
Passei dois anos e aí terminei minha carreira... De professor. Eu era bancário, já estava acostumado com a
vida bancária. Aí, então, foi essa minha vida de bancário também, porque logo
aposentei-me, mas fiquei, sempre, ligado ao Banco do Brasil, através da
Associação dos Aposentados, com sede no Rio, aqui eu sendo o representante.
Acrescento que, depois de aposentado, depois de algun tempo, eu voltei a morar
na Bahia. Agora, não ao interior, mas em Salvador, onde fiz minha pós-graduação
em Crítica de Arte.
Natália Ferreira de
Sousa – Professor, eu gostaria também de perguntar, nessa sua trajetória, em
que momento o senhor teve contato, começou a ter contato com o Hardi Filho, o
Herculano Moraes, o Osvaldo Lemos...
Francisco Miguel de
Moura – Logo que eu cheguei a Teresina, havia deixado meu posto de Chefe da
Carteira Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, em Itambé, no interior da
Bahia, como lhe falei, fui assumir aquela função. Quando eu voltei para o
Piauí, de Itambé-BA, eu vim para Teresina, como simples funcionário do Banco do
Brasil, onde, com pouco tempo, assumi a função de Chefe de Carteira, não de
simples funcionário.
Natália
Ferreira de Sousa – Certo, e isso foi na década de sessenta, cinquenta...?
Francisco Miguel de
Moura – Sim, sim. Mas para lembrar datas, agora, vai ser difícil. Eu cheguei
aqui em outubro de 1964, em Teresina, aí o tempo já está mais ou menos marcado.
Pois é, em 1964, quando eu cheguei em Teresina, aí eu tive a sorte de encontrar
vários colegas do Banco do Brasil que eram artistas... O primeiro, O. G. Rego
de Carvalho, romancista e contista, que havia chegado do Rio de Janeiro. Depois
conheci outro de nome Tarciso Prado, de teatro, teatrólogo, ator e autor de peças
de teatro. Ele era um dos meus colegas do Banco do Brasil, também íntimo. O. G.
Rego adoeceu, no Rio, e voltou para cá. Então, esses dois, foram assim me
chamando pra realidade: “Olha, Chico
Miguel, a literatura não está morrendo no Piauí, alguns dos melhores escritores
saíram de Teresina, estão morando distante”. Nesse ínterim, eu fui apresentado pelo
Tarciso Prado, ao poeta Francisco Hardi Filho, isso lá no Banco do Brasil mesmo.
O Hardi Filho estava lá, acho que tinha ido receber um dinheiro, não sei, lá no
banco. Depois fui apresentado ao Herculano Morais, pelo Hardi Filho. Este já
tinha publicado um livro, de poesias, aprovado pela Academia Piauiense de
Letras, isto é, com o prefácio ou qualquer coisa assim. O Herculano Morais
também já tinha publicado um livro de poemas, e eu estava com meu livro debaixo
do braço, esperando poder publicá-lo: “Areias”,
Você conhece “Areias”?.
Natália Ferreira de
Sousa – Sim, conheço.
Francisco Miguel de
Moura – Conhece, não é? Pois é, aquele livro, eu publiquei em 1966. Na verdade, foi escrito e composto em 1965,
quer dizer, em dezembro de 1965 já estava pronto. Em 1966, foi que eu saí com
ele pra vender, pra. distribuir. Aí eu vendi tudo, quinhentos exemplares, vendi
todos. Recebendo em dinheiro. Então essa é minha história de poeta. Mas eu era poeta desde lá de Jenipapeiro (hoje
Francisco Santos), Lá, eu já escrevia poemas. Poemas que fui rasgando. Os
melhores eu ia deixando e os piores eu fui melhorando, melhorando, até que cheguei
em “Areias”, certo?
Natália Ferreira de
Sousa – E como é que o senhor se articulou junto com o Herculano Morais e com o
Hardi Filho para... ?
Francisco Miguel de
Moura – O Herculano Morais era uma pessoa muito boa... Digamos assim... Eu me
tornei muito amigo do Hardi Filho primeiro. Ele me deu o livro dele, eu ainda
não tinha publicado o meu. Mas o Herculano depois veio, em segundo lugar. Ele
me deu o livro dele também, e aí... O Herculano era jornalista e era um
articulador de amigos e amizades. Assim como para formar entidades culturais. E
sugeriu-se uma... Nós nos juntarmos e fundarmos uma entidade. Entidade que não
tinha nada, era só nós e nossos livros. Aí, fundamos o Círculo Literário Piauiense,
o CLIP. Consta naquele livro de história da “Literatura
do Piauí”, de minha autoria. Há muito sobre a nossa entidade literária.
Natália Ferreira de
Sousa – Sim.
Francisco Miguel de
Moura - Lá tem a parte do CLIP. Pode ler lá, interessante. Herculano fazia
também um jornal, fazia uma espécie de jornal, da emissora Rádio Pioneira, a
grande emissora da época... Aliás nós começávamos trabalhar e fazer
entrevistas: Primeiro, Hardi Filho, na Rádio Clube. Nessa mesma emissora, um
pouco mais tarde, eu fiz um programa cultural em conjunto com o Tarciso Prado.
Nália Ferreira
de Sousa - Rádio Pioneira? Sim, Herculano Morais, num horário
muito especial, assim das l1 às 12 horas da manhã
Francisco Miguel de
Moura – Que era do Arcebispado de Teresina, na época dirigida por dom Avelar
Brandão Vilela, que era muito dinâmico, pois chegou ao Piauí e fez muitas
coisas boas, inclusive a Fundação Cultural Monsenhor Chaves (se não me engano)
e a Faculdade Católica de Filosofia do Piauí (a famosa FAFI). E o Herculano chamou-me à radio Pioneira, para uma
entrevista. Eu fui. Ele me fez umas poucas perguntas e umas poucas não, várias
perguntas sobre mim, sobre e letras. Artes e livros. Aí, depois. Ele me entregou a matéria que havia escrito
pra basear a entrevista. Está lá no livro “Literatura
do Piauí”.
Natália Ferreira de
Sousa – Na Academia?
Francisco Miguel de
Moura – Não, no livro “Literatura do Piauí”, história da literatura do Piauí.
Sim, e aí nossas amizades continuaram, nós éramos do Círculo Literário Piauiense.m
Mais tarde, nós, viajávamos pra outros lugares, pra estender, dizer o que era
literatura, pois que era preciso a gente recitar poesia, ler romances, essas
coisas todas. E não nos largamos mais.
Natália Ferreira de
Sousa – E, professor, o senhor poderia falar um pouco sobre Osvaldo Lemos? Que
eu não achei muita coisa dele.
Francisco Miguel de
Moura - Não, ele não era ainda escritor ele, ele... Depois que nós já
estávamos reunidos há alguns meses, ele chegou, veio da Bahia, jornalista e
pesquisador da história também, como Herculano. Não me lembro se veio do Rio ou
da Bahia. Isto era na época da “Revolução”
dos militares. E estava tudo muito complicado, nós tínhamos muito cuidado ao
falar nas coisas políticas, ideias. Podia ser chamada a Polícia. Eu fui chamado
duas vezes à Polícia. Outros foram também. Estava na época da ditadura dos
militares. E aí... Ele chegou, mais tarde um pouco, do que nós, aí juntou-se a
nós. Íamos nos juntando a outras pessoas
que nos procuravam. Eram dezessete ou dezoito membros, talvez chegasse a vinte
os membros do Círculo Literário Piauiense (CLIP). Osvaldo Lemos chegou depois, e aí, quando nós
fomos formar a Diretoria, ele ficou como Vice-Presidente. Eu era Tesoureiro, o Hardi Filho. o Secretário,
e o Herculano, Presidente. Herculano era muito aglutinador. Era uma pessoa
muito “dada”, muito agradável,
entendeu? Ele não ofendia ninguém, era sempre acolhedor e simpático, aquela
coisa toda. E era muito estimado. Esse modo de ser dele continuou quando ele atendia
na Academia Piauiense de Letras, até morrer.
Natália Ferreira de
Sousa - Então, professor, o Osvaldo Lemos não era da patota inicial?
Francisco Miguel de
Moura – Inicialmente, não, mas ele chegou depois e foi incluído no CLIP. Inicialmente, só éramos nós três: eu, Hardi e
o Herculano. Aí, depois, ele chegou. E, aí, foram chegando também outros e
outros dos quais eu não me lembro os nomes, mas eram vinte ou maia, talvez, os
sócios entre o quais havia escritores de livros publicados e outros que eram
iniciantes. Não sei para que Tesouro, se
aos sócios não era cobrado dinheiro, mas apenas atuação em tudo que se chamasse
cultura. Castro Aguiar publicara dois romances, era um dos que assinaram entre
os nossos sócios. Osvaldo Lemos, jornalista e historiador, escreveu e publicou,
depois, uma espécie de biografia de Petrônio Portela. Obra muito boa, editada
pela Academia Piauiense de Letras, recentemente.
Natália Ferreira de
Sousa – E, professor, o senhor pode me contar como é que o prefeito Jofre, que
eu pesquisei...
Francisco Miguel de
Moura – Coronel Jofre do Rego Castelo
Branco, Preito de Teresina, na época da Ditadura dos Militares, de 1964. Mais,
não sei.
Natália Ferreira de
Sousa – Jofre?
Francisco Miguel de
Moura – Jofre Castelo Branco nos franqueou o Teatro de Arena, para nossas
reuniões “clipianas”.
Natália Ferreira de
Sousa – Isso. Ele concedeu a praça... o Teatro de Arena pra vocês? Como vocês
tiveram contato com ele?
Francisco Miguel de
Moura – O prefeito concedeu à gente o Teatro de Arena, não a praça Marechal
Deodoro, para nossas reuniões. A gente fazia nossas reuniões aos domingos pela
manhã.
Natália Ferreira de
Sousa – Ah, sim. E, avançando um pouco...
Francisco Miguel de
Moura – Na noite da instalação do CLIP, oficialmente, foi lá, realmente. Mas o Círculo
Literário Piauiense (CLIP) já existia
entre nós, foi lá no Teatro de Arena, como reunião pública. E o prefeito estava
lá, e tinha a Nerina Castelo Branco, que era da Academia de Letras, e muitos
representantes de várias entidades civis, artistas do “Teatro, 4 de Setembro”...
E mais várias outas pessoas. Na verdade, a bancada do teatro estava cheia.
Natália Ferreira de
Sousa – Os senhores...
Francisco
Miguel de Moura – Fizemos a reunião publica, para que a
entidade ficasse reconhecida publicamente, OK?
Natália Ferreira de
Sousa – Ah, sim. Os senhores chamaram ou eles...
Francisco Miguel de
Moura – A gente convidava, não é? Entendeu? Aí, acontecia. A gente convidou
pessoas representativas da sociedade.
Mas tinha muita gente, outros, principalmente estudantes, o espaço
estava cheio... Foi uma solenidade máxima. Nós recitamos poesias, o Hardi
recitou, o Herculano recitou, eu recitei, fizemos discurso, e o Tarcíso Prado
também falou. Teatrólogo, montou uma pequena peça e foi lá com seu grupo de atores e mostrou que estava
integrado ao nosso grupo.
Natália Ferreira de
Sousa – E eu vi que houve também o lançamento do jornal.
Francisco Miguel de
Moura – Sim, também... Foi nessa noite que nós lançamos um jornal, o primeiro
número do “Jornal do CLIP”. Depois, não
tivemos mais como tirar outros números. Apesar dos nossos esforços. O “Jornal
do CLIP” contava toda a história da fundação da entidade e mais matérias
diversas, em artigos e poemas.
Natália Ferreira de
Sousa – Ah sim, e que depois o senhor, já avançando um pouco, o senhor fez a “Revista
Cirandinha”, certo?
Francisco Miguel de
Moura – Sim. Ah, mais lá bem na frente!
Aí eu fiz a “Revista Cirandinha”. Tirei dez números da revista... Eu, contando
com os meus amigos assinantes e mais meus filhos, durante três a quatro anos. Eu
era o editor e conseguia que as firmas locais ajudasse com propagandas. Seriam duas
revistas por ano, mas o plano inicial não pôde ser realizado. Mais uns três ou
quatro anos ela se manteve viva, funcionando... Recebia tudo que era poeta que se
apresentava como poeta, e também artigos e crítica, matérias que eu publicava.
Só se fosse ruim demais para não ser acolhida... Além do mais, a gente recebia muitos colaboradores
e propagadores de outros estados. Aquele tempo foi chamada época do “desbunde” da Literatura do Brasil.
Parece que todos queriam ser escritores. Então, eu publicava matéria de vários
cantos do Brasil e tinha a chance de que os interessados fizessem a divulgação.
“Revista Cirandinha” foi um sucesso É isso, eu e a “Cirandinha” ficamos conhecidos, porque eu
mandava para essas pessoas que publicavam, mandava e pedia que elas divulgarem
e isto foi feito. Então, a “Revista Cirandinha” foi um acontecimento nacional.
Até em um livro da “Poesia Jovem”, ela foi citada, cuja obra foi
publicada pela Editora Abril, São Paulo, no começo dos anos 1980, se não me
engano. Na época, eu estava em Salvador, fazendo minha pós-graduação em
Crítica de Arte.
Natália Ferreira de
Sousa – E o senhor pode me citar alguns colaboradores dela?
Francisco Miguel de
Moura – Colaboradores? Ah... Eu meus filhos, que estudavam na Bahia, o Paulo
Machado, o Rubervam Du Nascimento, o Elmar Carvalho, Herculano, Hardi, citando apenas
essas pessoas que estavam aqui e são mais conhecidas. Nós próprios, o Hardi, o Herculano, eu, e
outras pessoas que vinham de fora e queriam conhecer a revista e o editor.
Neste caso cito o poeta Luiz Ayrton Santos Jr. que era estudante de Medicina em
Recife-PE que foi a minha casa pegar um revista e se tornou, além colaborador, também divulgador de “Cirandinha”. Outros vinham
comprar um livro, aqui, ou estavam lançando alguma obra... Gente que oferecia um livro, que trazia
notícias, sabe? Assim, ela se tornou conhecida nacionalmente, Da “Cirandinha-PI”,
foram só dez números... Mas tenho um blog com o título onde se encontrará
mais matérias e informações: www.revista
cirandinha.blogspot.com.
Natália Ferreira de
Sousa – E como o senhor vê essa relação da “Revista Cirandinha” com a geração do
CLIP? O senhor pensa que o movimento CLIP influenciou na feitura dela, nos
movimentos que vieram depois?
Francisco Miguel de
Moura - Não, eu não entendi bem a sua pergunta.
Natália Ferreira de
Sousa - Não, assim, a geração do CLIP teve influência na “Cirandinha”, no
lançamento da revista “Cirandinha” ou foi algo que não é associado, ao
movimento?
Francisco Miguel de
Moura - Não, não era associado, mas teve muita influência. Lembro-me bem que,
no primeiro número, estavam Paulo Machado, Hardi Filho, Herculano e também do
teatro. gente daquela época, muitos poetas que hoje já não se falam mais, mas
estavam lá, junto com a gente. Lembro-me bem que no final eu publicava gente de
fora. E no primeiro número publiquei um depoimento do grande poeta Ferreira Gullar,
muito importante porque foi perseguido e exilado pelo Regime Militar.
Natália
Ferreira de Sousa – Ah, sim!
Francisco Miguel de
Moura – Da época, não é? E de depois, até os últimos números.
Natália Ferreira de
Sousa – E por que o senhor diz que eles estão esquecidos, hoje?
Francisco Miguel de
Moura – É, alguns estão esquecidos, porque não prosseguiram com a ideia de fazer
poesia, de fazer livro, de fazer essas coisas. Os que prosseguiram estão aí,
uns mais, outro menos, são poucos, muitos já morreram, outros foram embora, e
tal. É assim, não é? Se não me engano, Elmar Carvalho foi publicado na “Revista
Cirandinha” e ele está aí vivinho da silva. Ok?
Natália Ferreira de
Sousa – Ah! Certo.
Francisco Miguel de
Moura – Essa é a história dos movimentos, a vida é sempre história, presente ou
passado, a projetar-se no futuro.
Natália Ferreira de
Sousa – Com certeza.
Francisco Miguel de
Moura – Por pedaços, e aí depois a gente tem que estudar a história... Assim é a
vida, assim é a história.
Natália Ferreira de
Sousa – Certamente, professor. E a criaçãoda da Secretaria de Cultura?... Da
Fundação Cultural do Piauí?
Francisco Miguel de
Moura - Nós tivemos muita influência porque reclamávamos
dos poderes públicos muitas, a principal era a volta dos Concursos Literários.
Muita força por que no nosso movimento propunha isto, a gente fazia discursos
em vários lugares, no jornal, eu escrevia, dizendo que era preciso ter uma Secretaria
de Cultura e também que foi criados concursos literários, nós íamos pedindo que
os governos deviam fazer concursos literários para as novas gerações. Assim, estariam
contribuindo para a educação e, entendeu, E isso foi, sem dúvida, um dos
motivos da existência e persistência do CLIP.
Realmente, nós passamos a gritar, falar e escrever. As pessoas de
cultura saíram do Piauí, cumprindo necessidade histórica. Quando chegamos aqui
era só o Prof. Arimatéa Tito na Academia de Letras. Os Professores Raimundo
Santana e Paulo Nunes tinham ido morar em Brasília, essas eram as pessoas mais
importantes culturalmente. Aí tinha os novos
e os velhos, aquela história. Dentro
desses novos, houve uma, uma espécie de cisão, digamos assim, por que o Cineas Santos nunca foi do CLIP
não, mas o Cineas Santos, depois de nós, depois que ele chegou, nos procurou e
publicou até uma antologia, com os poetas em que figuravam Francisco Miguel de
Moura, Hardi Filho, Paulo Machado e outras duas pessoas também, que depois não
prosseguiram, na poesia. Nós três, fomos publicados em mimeógrafo.
Francisco Miguel de
Moura – A verdade é essa, e depois o Cineas passava a ser editor. Mas eu já
estava com a Revista “Cirandinha” e o Cineas criou o jornal “Chapada do Corisco.”
O que prolongou mais foi o nosso movimento. Mas não houve nenhuma cisão entre a
juventude. A trincheira era uma só, as armas é que eram diferentes, assim como
os combatentes. Todos queriam a mesma
coisa: O desenvolvimento cultural de Teresina, principalmente, assim também do
Estado. Pulando um pouco para trás,
Teresina, teve um jornal chamado “O Estado do Piauí”, do Josípio Lustosa. Eu
sei que era um pequeno jornal, mas um bom jornal. Mais tarde um pouco apareceu o
jornal “O Dia” e outros foram aparecendo e circulando. Quando eu cheguei em
Teresina, a primeira coisa que eu fiz foi escrever para “O Estado do Piauí”,
fui lá, o Josípio Lustosa me concedeu espaço, aí toda semana lhe entregava
artigos. O jornal era contra o
governador Petrônio Portela, e aí caiu a sopa no mel: Nós éramos oposição. Depois
passei para “O Dia”, sempre publicando. Eu fui uma das criaturas que mais
publicou matérias, artigos, crônicas, contos, poemas, em tudo alguém me encontrará...
Se alguém estava organizando uma antologia, eu lá entrava. Chegou um jornal
novo, eu ia lá, entendeu? Eu fui uma das pessoas mais batalhadoras que houve na
época. E, às vezes, as pessoas diziam: “Ah por que o Cineas...” Eu digo, que não
tinha nem tenho nada contra ele, não. Lembro mais: O contista Magalhães da Costa também fazia
parte do nosso grupo e criou uma página literária em “O DI”. Ele, porque era
juiz, morava fora. Mas quando chegou para cá, incorporou-se ao nosso movimento
e nós fundamos depois a União Brasileira dos Escritores do Piauí (UBEPI), da
qual ele foi o primeiro presidente, passou para mim e eu para o Elmar Carvalho, e para outros a gente
ia passando, passando.... Enquanto isto, a gente batalhava por diversas formas.
Depois, eu fui convidado pelo Prefeito Wall para ser membro da Fundação
Cultural Mons. Chaves. Eu fui diretor de produções culturais, depois o Elmar
Carvalho. A entidade publicava a Revista “Cadernos de Teresina”. Eu fui um
editor durante dois anos, depois foi o Elmar Carvalho. E os “Cadernos
de Teresina” publicavam muita coisa boa de literatura e outras mais artes.
Nália Ferreira de
Sousa – Sim.
Francisco Miguel de
Moura – Continuando...O primeiro número da revista” Presença” teve minha assinatura. Eu trabalhava no Banco do
Brasil, era chefe de uma carteira, lá de
um setor. Aí, um dia, chegou lá o doutor Wilson Brandão, atual e o
primeiro presidente da entidade, a Secretaria de Cultura. Ele foi pedir que eu escrevesse o primeiro artigo, e
disse que a matéria tinha que ser
histórica, sobre a, história do Piauí, sobre a literatura do Piauí, etc. E
também do Nordeste.... Eu escrevi o primeiro artigo para a revista “Presença.” Isso é histórico, embora ninguém tenha dito. Mas
eu estou dizendo aqui e agora. Se eu não
disser, ninguém vai saber. Não é não?
Natália Ferreira de
Sousa – Com certeza, professor. E eu também gostaria de perguntar, na esteira do
que o senhor falou, sobre a Secretaria de Cultura. Eu li um artigo, no blog do
senhor, dizendo que esteve presente, dentro da Secretaria, participantes do
CLIP, o senhor pode me dizer quem foi, que eu não achei.
Francisco Miguel de
Moura - Participantes do CLIP?
Natália Ferreira de
Sousa – Sim.
Francisco Miguel de
Moura - Não, ninguém. Eu, o Hardi, o Herculano, nós éramos participantes do
CLIP. Herculano, Hardi e eu, em diferentes épocas, chegamos a ser eleitos para
Academia de Letras, mas não para a Secretaria da Cultura, porque os cargos lá
eram de nomeação.
Natália Ferreira de
Sousa – Quem ocupou cargos na Secretaria de Cultura?
Francisco Miguel de
Moura – Ninguém.... Como eu, deve ter acontecido com o Herculano alguma outra
coisa parecida, e com o Hardi Filho, que ele fez um programa na Rádio Clube de
Teresina, naquele tempo só tinha rádio. Deve ter acontecido a mesma coisa que
aconteceu comigo, eu... A Secretaria de Cultura é de Cultura, a gente fazia
movimentos, pedia a ela que nos apoiasse, fomos a Picos, uma vez, fomos a
outros lugares, apoiados pela Academia ou pela Secretaria de Cultura, nada mais
do que isso. Mas será´justo dizer que o Jesualdo Cavalcante, mais velho do que
nós, foi o melhor dirigente da época. Aliado da aos principais membros do
Círculo Literário, foi também para a Academia.
Eu, o Herculano e o Hardi já éramos e entramos em épocas diferentes:
Herculano, depois o Hardi e finalmente, eu, o Francisco Miguel de Moura (também
conhecido como Chico Miguel.
Natália Ferreira de
Sousa – Ah! Sim, eu gostaria que o senhor falasse sobre isso também, sobre como
foi o seu ingresso na Academia de Letras.
Francisco Miguel de
Moura – Eu concorri três vezes. Na primeira, eu desisti, por que mão pude ir para
segundo turno. Na segunda vez que eu concorri, meu concorrente era o J. Romão
da Silva. O J. Romão da Silva tinha sido colega do Prof. Arimathéa, lá no Rio
de Janeiro. Ele era uma pessoa de grande cultura, foi até vereador lá em Rio de
Janeiro. Então, eu concorri com ele, nós não fizemos o número de votos para
entrar. Aí tinha, o segundo turno. O
professor Arimathéa me chamou lá e disse: “Olhe, Chico Miguel, você pode concorrer
no segundo turno”. Mas eu disse:
“Professor, com toda sinceridade, eu sempre fui assim. Eu não vou concorrer, sabe por quê?” Ele
disse: “Diga”, “É por que pra ir concorrer ao segundo turno, vou ter que pedir às
mesmas pessoas que votaram no Romão, para votarem em mim, no segundo turno, e
elas não vão fazer isso, então é?... Não adianta. Não, não vou”. Essa foi a
segunda vez que eu concorri pra Academia. Já na terceira, foi diferente. O
próprio Prof. Arimathéa já me havia dito que eu era o Drummond do Piauí,
elogiado meus poemas. Era uma coisa meio dúbia, eu pensava. Mas ele já tinha
escrito artigos a meu respeito, elogiando.
Aí, eu já entrava, lá na Academia, antes de eu ser a Acadêmico. Eu
entrava lá a toda hora, um lugar onde a gente se sentia bem, encontrava muita
gente de cultura. Um dia, eu estrei lá, acho que ele me chamou, não lembro. Aí
ele disse: “Olha, Chico Miguel, tem duas vagas aqui, na Academia. Faleceram dois
acadêmicos, quase que no mesmo dia”. No
mesmo instante ele me perguntou:. “Você quer candidatar-se a uma dessas vagas?”
E eu disse: “Quero, sim”, “E aí, você quer essa, ou esta outra cadeira?” Eu disse-lhe: “Quero essa”. Aí ele disse-me: “Pra essa, você não se
candidate, pois não vai ganhar, aqui não tem isto de só candidatar-se na vaga
de alguém, por isto ou aquilo.” E completou”. Já o candidato da segunda vaga,
praticamente, estará eleito”. Ele mandava, ele escolhia a pessoa a ser eleita.
E e ele já sabia tudo da Academia, sabia quem era e quem iria eleito. “Mas,
candidate-se à outra,” Você vai ser
eleito, embora tenha que pedir votos. É a regra”. Aí, me candidatei na outra
vaga. Pronto, fui eleito. A minha vaga era do professor Francisco Cunha e
Silva, os filhos do falecido eram meus amigos, lembro aqui o Francisco Cunha e
Silva Filho, grande, professor e grande crítico
literário, que hoje mora no Rio. O poeta Hardi Filho foi quem me recebeu na Academia. O Herculano Morais, foi eleito
antes de nós. Assim, o CLIP estava na Academia Letras, como merecia. Mas fomos
para a Academia Piauiense de Letras.
Natália Ferreira de
Sousa – E a atuação da Academia professor, como o senhor via, naquele tempo,
quando o senhor entrou, o senhor achava que ela atuava muito bem, ou o senhor
achava que ela estava parada?
Francisco Miguel de
Moura – Estava um pouco parada. Quando veio a mudança política no Estado... Não
sei se demorou muito, ou um pouco, veio pelo governador Alberto Silva, que era
dinâmico e tinha, lá em Brasília, na época da revolução, além do Petrônio Portela,
também um parnaibano como Ministros. Só não me lembro o nome. Dois piauienses
importantíssimos. E eles arranjaram muita verba para a Academia. E o Prof. Arimathéa
queria isso. Então veio aquele plano de produção, depois disso, chamaram o “Projeto
Petrônio Portela.” E o Projeto Petrônio Portela foi abraçado inteiramente pela
Academia, pelo Arimathéa Tito Filho. Assim veio o famoso “Plano Editorial Petrônio Portela”. Ele fez edições de muitos livros. Muito importante, muitos livros
inéditos e muito mais reedições que já não existiam, só o bagaço. O Projeto
Petrônio Portela foi um avanço, um grande avanço e a Academia estava a frente
com o Prof. Arimatéia Tito Filho.
Natália
Ferreira de Sousa – E como o senhor enxerga a atuação do Arimathéa Tito
Filho na Academia?
Francisco Miguel de
Moura – Foi boa, foi muito boa. Ele era
fechado nos seus propósitos, mas era aberto na conversa, no acolhimento, na
cultura. Uma grande intelectualidade. Mas, na hora de deixar o negócio correr,
ele era quem mandava mesmo, na Academia. Normalmente, todos os presidentes o
seguem nas eleições e nos projetos.
Natália Ferreira de
Sousa – Professor, e a produção do escritor, do senhor... Assim, o senhor
tinha muitas dificuldades para a editoração dos seus livros aqui?
Francisco Miguel de
Moura – Olha, eu venci a primeira, a primeira dificuldade foi lançar meu
primeiro livro Areias, 1966.
Eu cheguei, como já foi dito, vindo da Bahia, em outubro de 1964 e estava aqui
num momento muito conturbado da minha vida, porque eu virei meu carro, na
estrada de Picos. Muitas crianças e outras pessoas íam no carro, mas ninguém
sofreu nada. Só meu filho machucou a mão e perdeu um dedo. E eu não tinha casa
para morar em Teresina, fui morar em Timon-MA. Foi logo, em 1965, ano do qual
eu estou falando... Em1965, as casas em Teresina eram poucas e muito
caro o aluguel, e quando eram baratas ficavam muito distantes do centro. Eu
trabalhava no Banco do Brasil, não tinha mais transporte, o qual pois vendi
depois do desastre, Aí, finalmente, encontrei uma casa em construção em Teresina,
comprei e me passei pra ela.. A casa em construção só tinha a porta da frente, Lá
em Timon, eu fiz o meu livro “Areias”, uma parte dele eu já havia colocado na gráfica do Padre Delfino,
lá de Timon. Sim, aí eu fui morar em Timon, mas logo depois eu
comprei essa casa em construção e vim morar em Teresina e quando eu publiquei “Areias”,
ninguém tinha publicado livro aqui, só o Hardi Filho, que eu conhecia. E o
Herculano, logo depois também. Era muito difícil, as gráficas de Teresina eram
caras, não tinha condição. Lá tinha a gráfica do padre..., Era uma vida muito
agitada, Muito complicada a minha vida e da minha família. Muitos livros
naquela época eram publicados lá pelo padre Delfino, que era a tipografia que
fazia mais barato. E até melhor. Nesse intermédio, levei meu filho para o Rio
de Janeiro, para fazer um tratamento da mão. Você verá que alguns poemas do Areis” têm motivos do Rio de Janeiro,
Ficou, assim, mais amplo, mais brasileiro. Aí, quando eu publiquei “Areias”, saí
vendendo e rapidamente esgotou. Uma novidade, eu fui o primeiro escritor
piauiense que colocou livro numa banca de jornal, a qual vendia jornais e
revistas e me dispus a colocar meu livro “Areias”. Era na praça Rio Branco. são essas coisas que
a gente não esquece. Aí, depois eu demorei muito a publicar. Em 1972, O. G.
Rego de Carvalho tinha chegado, já estava no Banco do Brasil, nós trabalhávamos
muito próximos um do outro. E aí eu, lendo os romances dele e conversando com
ele sobre literatura e outras coisas, então resolvi a fazer o meu segundo livro
que foi “Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho”.
Antes de conhecer o escritor O. G. Rego, eu já havia lido “Ulisses entre o A mor e a
Morte”. “Linguagem e Comunicação,
O.G.Rego de Carvalho” foi muito difícil. Naquela época, eu estudava (à
noite) e trabalhava no Banco do Brasil, visto que eu fazia o Curso de Letras,
na Faculdade Católica de Filosofia (FAFI). Lá eu tive acesso a muitos livros
importantíssimos que eu não teria noutro lugar, naquela época... Mesmo, porque
as bibliotecas eram muito fechadas aqui, era diferente. Então, lá eu escrevi
esse livro, um livro que me custou muito.
Terminei com uma forte depressão, tirei licença, cansado de trabalhar no
banco durante o dia, e de noite eu ia para a Faculdade (FAFI). Voltando pra
casa já cerca de meia noite, continuava a escrever o livro. Foi publicado no
Rio... Porque O. G. Rego de Carvalho e o H. Dobal, eram
amigos do editor Álvaro Pacheco, do Rio de Janeiro. A Editora Artenova fez a
distribuição pelo Brasil inteiro. Assim, fiquei conhecido até no exterior. O
livro foi um sucesso. Aí, houve até uma ciumeira, um alarme muito grande.
Diziam barbaridades: “Vai ver que o livro foi escirto peio próprio O. G. Rego de
Carvalho, para se elogiar”. Quem é esse O. G. Rego? Quem é Francisco Miguel de
Moura?... Quem são eles”. Mas, lá dentro da Faculdade de Filosofia, saiu documento,
uma espécie de “Manifesto” assinado por professores e por todos os escritores importantes da época, cujo
documento foi publicado no jornal “O Dia”, esclarecendo que o livro era realmente de minha autoria e não do O. G. Rego de Carvalho. Foi descoberta a briga
entre Prof. A, Tito Filho e J. Miguel de Matos, a confusão, pois este queria
entrar, por força, para a Academia Piauiense de Letras. Nerina Castelo Branco,
Fontes Ibiapina, Celso Barros Coelho e outros professores assinaram o “Manifesto”.
Foram cerca trinta assinaturas. E eu
continuei escrevendo crítica literária, todo mundo aceitando, e escrevendo no
jornal... Já fui publicado em Portugal,
na Espanha, nos Estados Unidos, na França, na Itália, tanto em prosa quanto em
poesia. Em vários lugares. Eu furava mesmo, era um furão e tal. Eu pegava o endereço, mandava, tititi, tal e
tal... Eu era atinado, não era de
brincadeira, não. Algumas pessoas tinham ciúmes de mim, porque eu progredia
mais do que eles, e aí ficavam assim, as vezes aprontavam coisas ruins, idiotas,
mas... “Não, não mexa com Chico Miguel”,
como dizendo: “Vocês vão arrepender-se”. Isso acontecia como acontece em todo
lugar, Não só aqui. Mas a vida .é assim, a vida humana!... Considero-me, sim,
um escritor de sucesso.
Natália Ferreira de
Sousa - E como o senhor vê essa questão professor, de ser um escritor, mas
ser, como o senhor mesmo colocou, um escritor piauiense? O senhor gostaria de
ser classificado como um escritor nacional ou como um escritor piauiense?
Francisco Miguel de
Moura - Eu acho que eu sou um escritor nacional. Francisco Miguel de Moura que
sou um escritor brasileiro, não é? Aí é porque as vezes as pessoas dizem que
sou escritor piauiense. Ora, ora, ser piauiense é ser brasileiro. Que é isto, meu Deus?”. Também fui citado na
obra de Afrânio Coutinho, denominada “A
Literatura no Brasil”. Pelo que
sei é a mais nova e mais completa História da Literatura Brasileira. Na
internet a pessoa não sabe quem é quem. Por isso, às vezes, eu digo que sou um escritor brasileiro. Porque eu acho que o escritor piauiense é
brasileiro também, não existe essa... “Literatura
brasileira de expressão piauiense”?
Odeio esse pleonasmo criado por alguém
que quer sobressair-se apenas com uma palavra a mais, desnecessária. “Literatura do Piauí” é o título do meu
livro e da matéria que contém, feito com muito estudo e critério. Porque quem
nasce no Piauí e escreve literatura sobre o Piauí, observando o nosso falar, a
nossa paisagem, os nossos costumes, etc. , é piauiense. E quem nasceu noutro
estado, mas vive ou viveu em nosso estado, passa a ser piauiense adotivo, ora,
ora!... É escritor piauiense, por que não? Ah, porque, o fulano de tal, J.
Coriolano, que é meu patrono na Academia, José Coriolano de Sousa Lima.., Ah! Ele
nasceu em Crateús-PI (e hoje é Crateús (CE)). Não entra na “literatura brasileira de expressão piauiense”! É triste isso, essas interpretações tão sem
sentido. Porque J. Coriolano foi deputado estadual aqui, foi juiz aqui, era
poeta, o nosso maior poeta da sua época. Pois, para mim, ele é citado e
estudado na história da “Literatura do
Piauí”, e também sei que, antes, foi citada na “História da Literatura
Brasileira”, 1888, de autoria do escritor Sílvio Romero, ao lado de Juvenal Galeno.
Natália Ferreira de
Sousa – E também é o caso do Hardi Filho não é professor, que nasceu no Ceará...
Francisco Miguel de
Moura - É, o Hardi Filho também. Nasceu
no Ceará, e daí? Mas ele morou aqui, fez poesia aqui, é poeta piauiense, por
que não? A nossa dificuldade dos
escritores é não ter leitores... Nós somos leitores de nós mesmos, entendeu?
Essa é que é a grande dificuldade. E hoje principalmente que a gente só quer
ver a imagem. Se tiver um texto no whatsapp ou noutos aplicativos sem figuras,
ele passa. Se tiver mais que duas linhas de texto, o consulente diz: “Ah!...” E passa... Ninguém lê. Agora, se bota
imagem, aí todo mundo “Aaahh”. Nós estamos chegando a um antiguíssimo tempo, o
tempo da caverna. Hà uma lenda da caverna. Sobre ela, dizem os filósofos e
historiadores, que os ... primitivos ficavam lá dentro, e não queria sair, não
saíam com medo, ficavam vendo as pessoas passarem, as sombras das pessoas, mas
tinham medo de sair. Só era a imagem, só viam as imagens só. É triste, mas nós
estamos voltando.
Natália Ferreira de
Sousa – Bom professor e também, junto com tudo isso, eu queria que o senhor
falasse exatamente dessa questão, de como o senhor vê a literatura, a produção
da literatura do Piauí, produzida no Piauí, hoje em dia.
Francisco Miguel de
Moura – Eu vejo que está, tá meio numa fase de queda. No meu tempo, no nosso
tempo, nos anos 1980, em todo final do século passado houve uma efervescência
muito grande. Aí foi diminuindo, diminuindo... Agora, a tendência é diminuir
mais ainda. Mas, com esse projeto da Academia de Letras, de distribuir-se livros
de graça, livros publicados de autores piauienses... E com esse projeto de literatura piauiense
nas escolas... É, assim, uma espécie de sustentáculo do que já foi.
Natália Ferreira de
Sousa – Eh, eu não sabia desse projeto professor.
Francisco Miguel de
Moura – Qual?
Natália Ferreira de
Sousa – Esse projeto de distribuição?
Francisco Miguel de
Moura – Na verdade, não tem distribuição,
a Academia publica, mas não distribui, o problema é esse, distribuição.
Livraria não existe mais, acabaram,
banca de revista acabou, não tem mais nada. Hoje só temos celular e
aquelas figurinhas... Figurinhas que eu chamo “memes” e, não sei o que é, coloca-se
ali como resposta, para você não escrever nada. você não quer escrever, só quer
a figura. Não pode, desse jeito não vai. É muito difícil! Assim, é tá certo. E
porque você não diz assim, “muito bem, obrigado, tudo bem, bom dia, como vai,
achei, gostei? Assim é verdade, vão terminar não sabendo ler nem escrever mais.
É triste.
Natália Ferreira de
Sousa – Professor, eu também gostaria de perguntar sobre essa questão de
intelectuais, o senhor se vê como um intelectual e via também os seus
contemporâneos como intelectuais ou como homens de letras?
Francisco Miguel de
Moura – Sou um homem de letras, essencialmente, e, em primeiro lugar, como
poeta. Essencialmente poeta, e um literato, porque escrevo crítica
literária Sou as duas coisas. Mas não
sou homem de discursos, não sou. Eu falo aqui para nós dois, por que nós dois,
não tem problema. Mas, se tiver mais uma segunda pessoa, já sinto dificuldades
e três e quatro, aí já é multidão, não adianta, entendeu? E normalmente os
grandes poetas são assim. Drummond era assim... Todos eles, João Cabral de Melo
Neto, Goulart, é assim, Manoel Bandeira. Os grandes poetas não gostam de fazer
discursos, por quê? Por que não escreve,
por que não recita? Lê a poesia que escreveu, não é literatura. Até a
literatura que é mais um discurso e está se acabando, é a literatura popular,
Ah! Os versos populares de rima, sem métrica correta, somente com rimas fracas,
que as pessoas recebem e não lêem! Ninguém compra. Querem ouvi-los recitados pelos próprio
autores, ou outras pessoas, através dos canais populares da internete.. Também
ninguém lê muito mais, nem aquele não se lê mais, quer ouví-los pelos watsapps
da vida. Outrora a gente chama isto de cultura de almanaque. Agora, é a cultura
de internet.
Natália Ferreira de
Sousa – E professor, nessa questão também, como o senhor classificaria a sua
obra? O senhor classificaria a sua obra como literatura piauiense, ou o senhor diria que é crítica literária...
Francisco Miguel de
Moura - Não entendi a pergunta.
Natália Ferreira de
Sousa – Como o senhor classificaria a própria obra, do senhor, o senhor diria
que é mais para o lado da questão da literatura ficcional, ou mais para o lado
da crítica literária, da poesia...
Francisco Miguel de
Moura – Eu sou essencialmente, como eu já disse, poeta... Digamos assim, o
último livro de poesias que eu publiquei, há uns três ou quatro anos, pela
Academia Piauiense de Letras. E sou crítico literário por que eu separo as duas
coisas, a crítica é uma forma intelectual de literatura, já a poesia é o sumo
da literatura..
Natália Ferreira de
Sousa - Pois professor eu acho que eu já tenho tudo...
Francisco Miguel de
Moura - Já sabe de tudo, não é? E sobre o Herculano, não quis mais nada não?
Natália Ferreira de
Sousa - Não professor, essa é uma entrevista mais para falar do senhor
mesmo...
(Gravação finalizada e
retomada depois a pedido do entrevistado)
Natália Ferreira de
Sousa – Pode falar professor.
Francisco Miguel de
Moura (continuação) - Eu não sei se eu sou um grande poeta brasileiro,
crítico literário, eu posso dizer que sou, Já provei que sou, porque, pelo
menos, em parte, Wilson Martins, grande crítico literário brasileiro, já falecido,
escreveu a “História da Crítica Literária
no Brasil” e me colocou lá, como crítico literário. Então, eu sou crítico
literário, Sou poeta também, Disseram-me isso nos seus artigos arrolados na
minha “Fortuna Critica”, Edições
Cirandinha. PI, 2008. Antes também houve a reunião de ensaios do livro “Um Canto de Amor à Terra e a Gente”. 2007,
publicado pela EDUF, com apresentação da Profa. Teresinha Queiroz. tudo de
importante que escreveram sobre mim... Então sou, sou um poeta brasileiro.
Segundo Carlos Drummond de Andrade,
escreveu-me: “Muito me agradou a leitura
de sua poesia sugestiva e variada”. Um
dia, o Pe. Raimundo José, que depois também se tornaria acadêmico da APL, me
dizia que eu era “um grande poeta”. E
aí, eu, em tom de modéstia, respondi-lhe:
Padre Raimundo José, eu lhe disse: “Grande, o senhor está dizendo, mas eu não sei. Sei que sou poeta sim”, “Grande só
Deus”, eu digo “É, grande só Deus”., ele confirmou. Crítico literário e poeta, eu sei que sou, Conhecido em Portugal, na América do Norte, na Espanha, então, sou
conhecido, não tão conhecido... Eu gostaria de ganhar o Prêmio Nobel. Pode? Não
pode, do Piauí? Não pode, isto não existe. Mas eu, numa época, num
ímpeto, propus o prêmio literário, o Nobel para O. G. Rego de Carvalho, Mandei para
lá o pedido e documentos, mas não andou para frente de jeito nenhum. Mandei lá
para a Academia, sei lá, para o Rio de Janeiro, uma embaixada, sei lá o que
era, não me lembro
Natália Ferreira de
Sousa – Pois professor, me surgiu só mais uma pergunta, que é a respeito da Revista
Cirandinha. O senhor se lembra de que o Zeferino Alves da Costa colaboru? Acho
que era esse o nome dele.
Francisco Miguel de
Moura – Zeferino Alves da Costa?
Natália Ferreira de
Sousa – Que é de, de Campo Maior.
Francisco Miguel de
Moura - Conheço, ele ele fez parte do primeiro número da Revista Cirandinha,
foi uma das pessoas que... Começamos juntos, na Cirandinha.
Natália Ferreira de
Sousa – O senhor pode me falar um pouco dele? Que eu também tenho dificuldade...
Francisco Miguel de
Moura – Pouco, porque ele era uma pessoa assim meio introspectivo...
Ensimesmada, sabe, não era muito comunicativo. Então pouco, mas sei. Ele era
uma pessoa muito inteligente e que procurava a vida, as coisas... Ele era mais ator
ou autor de teatro do que poeta. Eu, pelo menos, percebia isto. Eu não sei se ele ainda hoje é
vivo.
Natália Ferreira de
Sousa - Não, ele já, já faleceu.
Francisco Miguel de
Moura – Eu sabia que ele estava lá para Campo Maior, mas nunca mais vi, É uma
pena né! Agora, o Rubervam, por exemplo, mora em São Paulo, de vez em quando
vem por aqui. Ele e também e um camarada aí chamado... Ivanildo de Deus, que era poeta também, cooperou com a Cirandinha, era de Luzilândia. Um dia desses,
eu encontrei com ele, mas ele está morando em São Paulo também. Olha, naquele
tempo da Cirandinha, qualquer poeta que vinha ao Piauí, poeta ou literato, de
modo geral, procurava a minha casa, era
ali na rua 13 de Maio... Perto do Liceu, sabe? Todos eles, os mais famosos e os
menos famosos, passavam por lá.
Natália Ferreira de
Sousa – Então, o senhor tem orgulho de ter contribuído para aquela época...
Francisco
Miguel de Moura – Ah, mas é muito mesmo. Lembro agora do João Pinto,
contista que trabalhou comigo, na Cirandinha. Hoje ele mora em São Paulo.
Francisco Miguel de
Moura – Pois nesses livros (“Fortuna
Crítica” e o outro “Um Canto de Amor à Terra e ao Homem) têm mais,
muitos artigos que saíram depois. Eu
recebi muitos outros, importantes matérias críticas de gente que me manda.
Escritores, escritoras, aí de modo geral as escritoras são muito mais sensíveis
a minha literatura do que os escritores: Teresinha Queiroz por exemplo é uma delas,
as grandes escritoras Lígia Fagundes Telles e Olga Savary escreveram sobre mim,
a maioria das matérias é de escritoras. Não
digo que os escritores não têm escrito muito bem não, inclusive um depoimento
do O. G. Rego de Carvalho sobre a minha poesia,
Quando eu estava publicando o meu segundo livro. “Pedras em Sobressalto”, você pode ver aí nesse... Matérias de O.
G. Rego de Carvalho, que publicou no jornal “O Dia”. Então, eu considero que
venci em tudo, no estudo, a literatura, na família... Minha família é uma
família bem-organizada. Eu tive muita sorte, porque arranjei um primeiro
emprego muito bom, que foi do Banco do Brasil, na época era o melhor emprego
que tinha. Depois de médico, só quem ganhava igual o bancário do Banco do
Brasil, e eu entrei no Banco do Brasil muito cedo, e lá a gente se fez, lá era
uma escola, a gente dizia que lá era um quartel, era uma escola, era tudo isto.
E então, eu me casei com Maria Mécia
Morais Araújo Moura, uma menina, ela tinha 16 anos, que também foi meu sustentáculo e continua
sendo, porque nós nos amamos. E ela era
uma das mais bonitas de Picos na época. E deu tudo certo. Então dizem que
quando a gente nasce, quando a gente arranja um emprego e quando a gente casa,
são três momentos importantíssimos. Eu nasci numa família, pobre, mas
bem-conceituada, de gente católica, gente trabalhadora. Eu arranjei meu
primeiro bom emprego porque eu tinha sido empregado de muitas outras coisas até
chegar ao Banco do Brasil. Fui comerciário, escrivão de delegacia de
polícia, trabalhei em cartório... Mas,
meu melhor emprego foi o do Banco do Brasil, foi uma grande vitória que Deus me
concedeu e que ainda hoje vivo da aposentadoria dele.
Natália Ferreira de
Sousa – Pois pronto. Pois professor, eu agradeço, pela paciência, muito
obrigada por ter me recebido.
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