(TEMPO E
FANTASMAS)
Diego Mendes Sousa*
Venho proclamar louvores aos tesouros sentimentais oriundos
do interior do Piauí. Refiro-me aos escritores da minha predileção: Álvaro
Pacheco e Francisco Miguel de Moura.
Ambos nasceram no ano de 1933 e são membros efetivos da
centenária Academia Piauiense de Letras (APL), sendo Álvaro, um filho ilustre
da cidade de Jaicós-PI, e Francisco, nascido em Francisco Santos-PI, que no seu nascimento ainda era município de Picos.
São dois brilhantes intelectuais que fizeram história e
literatura. Estão vivos e consagrados. São os maiores nomes da poesia
piauiense. Donos de obras literárias valiosas e elogiadas por gente de proa
deste Brasil.
Álvaro Pacheco foi Senador da República e
Jornalista, participante da reformulação do Jornal do Brasil em 1956, ao lado
de Reynaldo Jardim (1926-2011), Ferreira Gullar (1930-2016), Carlos Castelo Branco
(1920-1993) e Mário Faustino (1930-1962). Era Editor e proprietário da
Artenova, que publicou livros seminais e em primeira edição, de autores
excepcionais como Clarice Lispector (1920-1977) e João Ubaldo Ribeiro
(1941-2014).
Francisco Miguel de Moura faz parte de uma geração
que repensou o Piauí das letras dos anos 60 do século passado, composta por
Herculano Moraes (1945-2018), Hardi Filho (1934-2015) e Tarciso Prado
(1938-2018). Escritor completo, Chico Miguel, como é carinhosamente conhecido,
é romancista, contista, cronista e crítico literário.
A poesia de Álvaro Pacheco e de Francisco Miguel
de Moura está mergulhada no despedaçamento da dor humana. Os poetas
trabalham com temas caros à essencialidade da existência: tempo, memória, morte
e o esvaziamento da eternidade. Além disso, impressionam pela impecável riqueza
da linguagem.
Álvaro Pacheco é daqueles artistas que fascinam pela
terrível pulsação da sensibilidade. É um predestinado que oferta a sangria das
suas experiências e a força da sua alma evoluída: “Guardei muitas lembranças
para o meu manuscrito / e inumeráveis eventos gravaram nele seus autógrafos: /
talvez seja esse / meu único legado.”.
O ritmo lírico de Álvaro Pacheco intensifica os instantes,
os gestos, a solidão, os sonhos, a geometria dos ventos, a epifania das
estrelas e os itinerários da própria vida. Poeta de energia selvagem, que faz
do seu dom, uma mística do encantamento: “A dor da alma conheci demais e meu
corpo / poupou-se pelos medos incontáveis.”.
Francisco Miguel de Moura é um ser admirável. Homem simples
e generoso, que tenho o privilégio de conhecer de perto.
Os tons da poesia de Chico Miguel têm uma fluidez peculiar
e muito inteligente, que agregam um universo mágico e passional: “Sou
perfume de mim e odor do mundo/ para que a terra me cuspa.”.
Íntimo dos sonetos, as imagens e as águas do seu discurso
são uma busca incessante pela beleza: “Tu brincavas na areia, ondas salgadas
/ vinham quebrar-se nos teus pés sem pejo.”.
Destaco que Álvaro Pacheco e Francisco Miguel de
Moura estão presentes em uma clássica coleção da poesia brasileira
intitulada 50 Poemas Escolhidos Pelo Autor, das Edições Galo Branco, do Rio de
Janeiro, que contempla nomes importantes como Anderson Braga Horta, Gilberto
Mendonça Teles, Lêdo Ivo, Carlos Nejar, Antonio Olinto, Antonio Carlos Secchin,
A.B. Mendes Cadaxa, Astrid Cabral, Emil de Castro, Gabriel Nascente, Afonso
Henriques Neto, Ives Gandra Martins, Lina Tâmega Peixoto, Lourdes Sarmento,
Darcy França Denófrio, Diego Mendes Sousa, Marcus Vinicius Quiroga, José Inácio
Vieira de Melo, dentre outros notáveis.
Álvaro Pacheco apareceu no volume 17 (no ano de 2006),
enquanto Chico Miguel de Moura, no volume 65 (no ano de 2013).
Álvaro Pacheco e Francisco Miguel de Moura são valores da
poesia da atualidade que merecem aclamação pela qualidade e quantidade da
produção e, sobretudo, pela inestimável elevação da cultura literária em nosso
país.
ANTOLOGIA
Álvaro
Pacheco – Poemas
OS
FANTASMAS
Abro a gaveta
onde se esconderam uns
fantasmas
e eu guardei outros,
disfarçados de palavras,
camisas limpas que não
pude vestir
e papel em branco,
envoltos
em ninhos de sombras
e pedaços de luz
da lamparina de azeite
do oratório de minha mãe
–
abro a gaveta
vagarosamente, assustado
para que não me assustem
como quando era menino
e os temia
mas conversava com eles
na escuridão do quarto.
Tenho medo da gaveta
e desses seus conteúdos
que poderão trazer de
volta os fantasmas,
os que guardei e os que
se esconderam
apenas esperando o tempo
de se apresentarem à
minha solidão
e desesperança
para cobrar a vida que
não tivemos
eu e os meus
predecessores, eu
e os meus perseguidores,
eu
e os que não me amaram,
eu
e os que não pude amar –
esses fantasmas todos
perdidos e escondidos
nestas gavetas de ventos
e de fantasias
entreabertas pelos vácuos
de minha vida
e depositárias, como
fantasmas,
dos anseios do tempo
inteiro,
e do que restou de minha inocência
dos anos de luz, esses
curtos anos
de mitos e fantasias
realizados no cristal da
infância.
OS MORTOS
Nem sempre
se podem evitar os mortos
e lamentar seu convívio
com as flores
que pretendem
cultivá-los,
como os asfódelos, os
jacintos
os lírios e as camélias,
mas lhe deformam a
palavra
e os afastam
do pudor dos vivos.
Os mortos são mais
íntimos
dos ciprestes e dos
plátanos
- que representam a
eternidade vegetal –
e talvez dos girassóis
que inspiram a luz,
que neles já se extingue
quando são colhidos.
Os mortos jamais ficam
nos cemitérios:
por causa das flores,
perambulam pelos jardins
à procura das que ainda
estão vivas
e podem perceber suas
presenças
como não acontece
com as que os viram
morrer.
A MEMÓRIA
A memória
não é apenas um retrato
revelado
como o funeral de um
menino triste
ou um imperador do fogo
ou do gelo
voltando dos confins do
espaço – a memória
é um prólogo – um mastro
solitário
esperando a bandeira e o
vento
para as solenidades que
passaram,
um processo elaborado do
sono
no início de sua geração,
o começo
e também o fim do
registro, mesmo
que não se percebam estes
caminhos.
A memória
é um inimigo insaciável
que abre suas velas
vagarosamente
para levar-nos à agonia
mostrando que a morte
está em seus registros
desde o prólogo,
mostrando
o destino
e como podem se
o que quer que
representem –
e como se passaram
no palco giratório
os nossos dias.
AS ESCADAS
A casa está silente:
nenhum ruído, exceto
o das escadas
que sobem e descem
incansáveis
sem nenhum passo
sem nenhum alvoroço.
A DOR
A mão se fecha
você se crispa
em dor.
Você se crispa
a dor se abre
em flor:
e você não sabe
na terceira pessoa do singular
porque realmente sofrer
essa dor plural.
ANTOLOGIA
Francisco Miguel de Moura -
Poemas
CHEGA O TEMPO
chega o tempo de dizer-se
o que não se ouviu.
mas as palavras são
mistérios
nem mais soam
como sinos
nos nossos ouvidos
sonolentos
chega um tempo de dizer-se o impossível
e o impossível já foi
dito
chega um tempo de calar
e a gente inventa uma
maneira triste
de dizer numa língua
estranha
um silêncio amordaçado
ERA O TEMPO DE PINTAR
era o tempo de pintar
o que se não pintou na
liberdade
e o rosto sumiu da
moldura
por trás dos meus óculos
escuros
era o tempo de não
perguntar
pelo outro passado
era o tempo de esquecer
todos os nomes e fatos
era o tempo de dizer
adeus
à memória
ganhar as estradas
incultas
e abraçar novos sentidos
e todas as cores ficaram
vazias.
TROVANDO O TEMPO
O tempo é meu grande
apelo:
Não tem começo nem fim:
Enquanto eu passo sem
vê-lo,
Ele me vê sempre a mim.
Posso fazer o que é dele
E ele vai passando assim:
Enquanto não penso nele,
Ele só pensa em meu fim.
A vida é morte, mas ele
Não tem começo nem fim.
Sem o meio – meu e dele,
O que seria de mim?
Tudo isto é muito belo,
Vivendo tim por tintim
Portanto, perder seu elo,
Seria muito ruim.
Porém se perco este
anelo,
Faço o crime de Caim:
Enquanto o mato, ele é
belo,
Mas, se me mata, ai de
mim!
Vou terminar por aqui,
Pois que isto não tem
fim:
Eu só vou até ali,
Mas ele diz: Sou assim!
Se és assim ou assado,
Tempo, faz algo por mim:
Sem presente nem passado,
Dá-me a lâmpada, Aladim!
A ÚLTIMA VIAGEM
Quando eu me for embora
não voltarei à terra.
Não deixarei saudades.
Os amores todos morrem
quando a gente se
enterra.
Não vou errar o caminho
que dá no grande
infinito.
Se alguém quiser
seguir-me
basta um sussurro
em vez de grito.
Talvez o último, talvez,
pois lá o silêncio é voz
e a natureza é o nada.
E Deus estará em nós
a derradeira vez.
O TEMPO EXISTE
Existe um tempo que
sequer sentimos,
existe um tempo que
sequer pensou-se,
existe um tempo que o
tempo não trouxe,
existe um tempo que
sequer medimos.
Existe mais: um tempo em
que sorrimos,
diferente do tempo em que
chorou-se,
e um tempo neutro: nem
amaro ou doce.
Tempos alheios, nem
sequer são primos!
Existe um tempo pior do
que ruim
e um tempo amado e um
tempo de canção,
existe um tempo de pensar
que é o fim.
Tempo é o que bate em nosso coração:
um tempo acumulado em
tempo-sim,
e um tempo esvaziado em
tempo-não.
CONCLUSÃO
BIOGRAFICA
Venho proclamar louvores aos tesouros sentimentais oriundos
do interior do Piauí. Refiro-me aos escritores da minha predileção: Álvaro
Pacheco e Francisco Miguel de Moura.
Ambos nasceram no ano de 1933 e são membros efetivos da
centenária Academia Piauiense de Letras (APL), sendo Álvaro, um filho ilustre
da cidade de Jaicós, e Francisco, de Picos.
São dois brilhantes intelectuais que fizeram história e
literatura. Estão vivos e consagrados. São os maiores nomes da poesia
piauiense. Donos de obras literárias valiosas e elogiadas por gente de proa
deste Brasil.
***
Álvaro Pacheco foi Senador da República e Jornalista,
participante da reformulação do Jornal do Brasil, em 1956, ao lado de Reynaldo
Jardim (1926-2011), Ferreira Gullar (1930-2016), Carlos Castelo Branco
(1920-1993) e Mário Faustino (1930-1962). Era Editor e proprietário da
Artenova, que publicou livros seminais e em primeira edição, de autores
excepcionais como Clarice Lispector (1920-1977) e João Ubaldo Ribeiro
(1941-2014).
Francisco Miguel de Moura faz parte de uma geração que
repensou o Piauí das letras, nos anos 60 do século passado, composta por
Herculano Moraes (1945-2018), Hardi Filho (1934-2015) e Tarciso Prado
(1938-2018). Escritor completo, Chico Miguel, como é carinhosamente conhecido,
é romancista, contista, cronista e crítico literário. Como crítico, participou
do obra “História da Crítica Literária no Brasil”, de Wilson Martins e
de “A Dictionary of Contemporary Brazillian Authors”, bay David William
Foster and Roberto Reis, Ed. Centro para Estudos Latinoamericanos, Temple, EUA,
1981.
RESUMO
CRÍTICO
A poesia de Álvaro Pacheco e de Francisco Miguel
de Moura está mergulhada no despedaçamento da dor humana. Os poetas
trabalham com temas caros à essencialidade da existência: tempo, memória, morte
e o esvaziamento da eternidade. Além disso, impressionam pela impecável riqueza
da linguagem.
Álvaro Pacheco é daqueles artistas que fascinam pela
terrível pulsação da sensibilidade. É um predestinado que oferta a sangria das
suas experiências e a força da sua alma evoluída: “Guardei muitas lembranças
para o meu manuscrito / e inumeráveis eventos gravaram nele seus autógrafos: /
talvez seja esse / meu único legado.”.
O ritmo lírico de Álvaro Pacheco intensifica os
instantes, os gestos, a solidão, os sonhos, a geometria dos ventos, a epifania
das estrelas e os itinerários da própria vida. Poeta de energia selvagem, que
faz do seu dom, uma mística do encantamento: “A dor da alma conheci demais e
meu corpo / poupou-se pelos medos incontáveis.”.
Francisco Miguel de Moura é um ser admirável. Homem
simples e generoso, que tenho o privilégio de conhecer de perto.
Os tons da poesia de Chico Miguel têm uma fluidez
peculiar e muito inteligente, que agregam um universo mágico e passional:
“Sou perfume de mim e odor do mundo/ para que a terra me cuspa.”.
Íntimo dos sonetos, as imagens e as águas do seu discurso
são uma busca incessante pela beleza: “Tu brincavas na areia, ondas salgadas
/ vinham quebrar-se nos teus pés sem pejo.”.
Destaco que Álvaro Pacheco e Francisco Miguel de
Moura estão presentes em uma clássica coleção da poesia brasileira
intitulada 50 Poemas Escolhidos Pelo Autor, das Edições Galo Branco, do Rio de
Janeiro, que contempla nomes importantes como Anderson Braga Horta, Gilberto
Mendonça Teles, Lêdo Ivo, Carlos Nejar, Antonio Olinto, Antonio Carlos Secchin,
A.B. Mendes Cadaxa, Astrid Cabral, Emil de Castro, Gabriel Nascente, Afonso
Henriques Neto, Ives Gandra Martins, Lina Tâmega Peixoto, Lourdes Sarmento,
Darcy França Denófrio, Diego Mendes Sousa, Marcus Vinicius Quiroga, José Inácio
Vieira de Melo, dentre outros notáveis.
Álvaro Pacheco apareceu no volume 17 (no ano de
2006), de “POEMAS ESCOLHIDOS”, enquanto Chico Miguel de Moura, no volume
65 (no ano de 2013). Refiro-me a uma importante coleção de poemas de poetas
publicados pelas Edições Galo Branco, de Waldir Ribeiro do Val, Rio de Janeiro
– Editora que publicou os melhores poetas brasileiros da nova geração.
Álvaro Pacheco e Francisco Miguel de Moura
são valores da poesia da atualidade que merecem aclamação pela qualidade e
quantidade da produção e, sobretudo, pela inestimável elevação da cultura
literária em nosso país.
___________________
*Diego Mendes Sousa é um
moço poeta piauiense, nascida em Parnaíba-PI, e por enquanto corre mundo
distribuindo poesia de ótima qualidade, amizades, simpatia e sensibilidade. É a
Autor de “50 Poemas Escolhidos pelo Autor” (Edições Galo Branco, 2010, volume
53) e de muitos outras obras, entre as quais “Fanais dos Verdes Luzeiros”(2019)
e “O Viajor de Altaíba” (2019), que me muito me agradaram em sua leitura e
sobre as quais pretendo tecer comentários mais alongados em outra ocasião.
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