Francisco
Miguel de Moura, membro da Academia de Letras do Piauí
Tomei-me de espanto quando soube do falecimento da Professora
Nelly Novais Coelho, em 29-11-2017, em São Paulo, já perto de completar 95 anos
de trabalho intenso em literatura como ensino e prática, visto que nascera aos
17 de maio de 1922, ano emblemática a Semana de Arte Moderna, em São Paulo.
Esta matéria já sei tarde, pois nem sabia que Nelly Novaes Coelho falecera.
Pessoas como ela não deviam morrer.
Quando terminei a organização da primeira edição de “Poesia (in) Completa”, no finalzinho
do século XX, posteriormente publicada pela Fundação Mons. Chaves, nem sei como
enviei uma cópia do trabalho para a Professora Nelly Novaes Coelho, na
Universidade de São Paulo. Naturalmente eu já havia lido um livro de crítica de
sua autoria, só não recordo qual deles. Talvez fosse o “Ensino da Literatura”, publicado em 1966, por conta de ter eu entrando
para a Faculdade de Letras da Universidade Federal do Piauí. Era escassa a distribuição
no Piauí, especialmente de autores como Nelly Novaes Coelho, com uma crítica independente,
longe dos patrões publicitários dos grandes jornais e revista.
Encantei-me, desde então, por sua crítica, sua sapiência
e organização. E, diante disto, tive a coragem de pedir-lhe um prefácio para o
livro que acabava de organizar. Junto com o pedido, enviei-lhe outros livros
meus, inclusive o romance “Laços de Poder”,
1971. Não demorou muito chegou-me a apreciação de meus poemas e também do meu
romance.
Foi para mim uma grande vitória. Certamente, quem lê todo
o texto de “Poesia (in) Completa”, 1ª
edição, verá, no final, o que chamei de pós-fácio, pois de fato era um
posfácio, encontrará também algumas linhas sobre o romance: matéria de quem leu
todo o livro e opinou com segurança. Dentro desse posfácio ela incluiu uma
frase incomum, sobre Laços de Poder,
meu romance publicado pela Fundação Cultural do Piauí: “A realidade em carne viva, que a poesia – e principalmente o romance “Laços
de Poder”, de Francisco Miguel de Moura, nos mostram em terras piauienses, é
apenas um índice (e doloroso, de certo) do que acontece em todos os quadrantes
de Brasil – presa fácil de poderes arbitrários, despóticos e desumanos...”
É claro que a obra
de Nelliy Novaes Coelho precisa de ensaios e mais ensaios para que o público
venha a conhecer a mais importante escritora brasileira dedicada à crítica,
especialmente, porque é, sem dúvida, também dedicada professora de artes e
praticante de várias delas. Logo no início de sua vida quis ser música, pois tinha
o desejo inicialmente era ser pianista, como uma tia sua, de nome Guiomar
Novaes. Para tanto, frequentou o Conservatório Dramático e Musical de São
Paulo, onde obteve, por prêmio, em l942, estudos ilustrativos na Itália, tendo,
infelizmente, sido impedida por causa Grande Guerra (1939-1945). Logo depois
abraçaria a literatura. Na Universidade de São Paulo foi uma das mais dedicadas
leitoras e críticas. Gostava tanto de ler que, no curso secundário, durante as
aulas de bordado (naquele tempo havia trabalhos manuais), enquanto as colegas
bordavam, ela lia histórias – tarefa que assumia com muito prazer, sempre. Quando
a professora advertia de que precisava bordar também, a futura grande escritora
dizia: “Eu bordo em casa, para poder ler
na aula, pois gosto de ler muito, muito mais”.
Na Universidade, leu todos os grande críticos e filósofos
que lhe caíam aos olhos. Seria difícil citar todos, mas entre os filósofos
mais festados estavam Kant, Nietzsche, Heidegger,
Spengler, pelos quais tinha a maior afeição.
Desde o início de sua vida escolar aprendeu bem o inglês,
tornou-se, assim, doutora e lecionou na Universidade da Califórnia (USA), além
de em Portugal (Lisboa), onde realizou um trabalho singular, com o título de “Jardim das Tormentas: “Gênese da Ficção de
Aquilino Ribeiro”, publicado pelas Edições Quiron, em 1973, obra com que
finalizou seu curso de Doutorado. E olhem que doutorado! De quem conhecia muito
das teorias literárias e filosóficas até então estudas e lidas, incluindo as
sobre literatura infantil, que conhecia em profundidade.
Num pequeno artigo como este, seria difícil relacionar
todas as obras de Nelly Novaes Coelho, visto que ela, em grande parte, dedicou-se
também à literatura infantil, organizando obras e editando dicionários a
respeito. Mas passemos ao leitor um pouco do que já foi arrolado pelos
estudiosos da escritora Nelly Novaes Coelho: “Tempo, Solidão e Morte” (1964),
“Literatura e Linguagem” (1974), “Literatura
Infantil – teoria, análise e didática”
(1981), “Dicionário da Literatura
Infanto/juvenil” (1983), “Panorama
Histórico da Literatura Infanto/juvenil
(1984); “O Conto de Fadas – Símbolos, Mitos,
Arquétipos” (1987); “A Literatura Feminina no Brasil Contemporâneo (1993); “Literatura;
Arte, Conhecimento e Vida” (2000); “Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras” (2002/2011);
“Escritores Brasileiros do Século XX”- Testamento Crítico (2013) e “Tecendo
Literatura entre Vozes e Olhares” (2015) entre outros. Mas certamente deve
ter deixado inéditos, pois era trabalhadora incansável. Fica conhecida mais
pelo seu trabalho em favor da literatura infanto/juvenil, tanto quanto da
crítica geral: um sintoma disto é silêncio que pesa sobre sua grandiosa obra.
Finalizando, lembremos
o criador de grandes personagens, Guimarães Rosa: “A vida é também para ser lida. Não literalmente, mas em seu
supra-senso. E a gente, por enquanto, só a lê por linhas tortas”. Eis a luta
de Guimarães Rosa, a mesma luta Nelly Novaes Coelho.
Esperamos que este silêncio não se perpetue, pois vale a
pena conhecer e reconhecer o trabalho crítico como um ato de cúpula: sem ele, a
literatura e as ciências não cresceriam.
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