domingo, 9 de outubro de 2016

A NECESSIDADE DO SILÊNCIO NA ORAÇÃO

*Francisco Miguel de Moura

Membro da Academia Piauiense de Letras.

Há algum tempo, eu escrevi que Deus é silencioso. Eis aqui minha crônica sobre o silêncio, sua falta ou seu excesso na sociedade, tem sentido. Em boa parte do dia e na maior parte da noite, que ele venha: desejamos, pedimos, amamos. Se todos falassem de uma só vez, já imaginaram, quem ouviria?

Ninguém me venha tirar ilações maliciosas dessa ideia inicial. Deus é silêncio, mas no Universo não há silêncio, pois está sempre em movimento, é a lei da vida. Mesmo quando estamos dormindo, nosso universo (nosso cérebro) passeia.

Calculo eu, com muita simplesa e humildade, que os movimentos e a rolagem dos planetas, cometas, estrelas, constelações e suas órbitas, tudo isto e tudo quando existe obedece a uma entidade superior que jamais a entenderemos. Essa rolagem do Universo é feita em música, se o nosso pequeno ouvido prestar bem atenção. O meu, de poeta, consola-se com essa santa música universal. Não será de lá que tiramos nossas canções, nossas alegrias, nossas danças e nosso amor? O cérebro humano é uma célula infinitesimal do grande Universo. E jamais vamos conhecer o grande Universo. Jamais! Aliás, quem disse que nos conhecemos a nós mesmos pelo menos?  E nossa mente, nosso espírito, nossa alma?

Depois deste introito, podemos sair da parte subjetiva da crônica e entrar no fato, um caso que observei hoje, pela manhã.

Uma senhora sem atavios – pareceu-me de classe média - entra na igreja de sua paróquia. Vinha muito aflita. Pela expressão do olhar, pelo apressado passo, levando um rosário na mão. Como de comum, ao entrar fez uma genuflexão e o “pelo sinal”. A igreja vazia. Mas preferiu não ficar no corpo geral e procurou a sala do Santíssimo, reservada para guardar as hóstias consagradas que sobraram da missa.  Escolhia um lugar bem à frente. Ajoelha-se e começa a rezar.

De repente entra um cachorro
.
“Ora, ora, eu não tenho cachorro”!

Olhou um pouco para trás e lá estava sentada uma jovem, de boa aparência... “O animal deve ser dela”, pensa. Mas nada perguntou. Os movimentos do cachorro atrapalhavam sua reza, de forma que demorou o dobro de tempo que tinha pra rezar todo o seu terço, pedir graças a Deus e a sua mãe, a Virgem Maria. Pedir-lhes perdão de suas culpas e solicitar uma grande graça, e paz.

- Mas, e aquele cachorro, meu Deus!

Ao fim das orações, a mulher levanta-se, já se persignando, olha e vê o sacerdote que entrava. Este falou com ela, deu-lhe as boas vindas, desejando que voltasse sempre. A senhora teve vontade, durante toda a reza, de levantar-se e falar com a moça, Mas... A timidez, a dúvida... Deveria ou não?... Agora a vontade era de falar com o padre sobre aquele animal tão buliçoso.
Olhando e apontando o cachorro, o padre pergunta à senhora:

- É seu!

- Não, senhor!

O padre é daqueles que não têm “papa” na língua. Voltou-se para a moça, apontou o bicho e perguntou:

- É seu?

- É – respondeu secamente.

- Mas, diga-me uma coisa, menina, cachorro reza?

- Não. Por quê?

- Se ele não reza, por que o trouxe para a igreja, uma casa de oração?

- Seu padre, ele é tão meu amigo que não me larga, a gente dorme junto, come junto e anda junto...

- Sim, ele, ele é seu amigo. Mas será também amigo daquela senhora que se distraiu com seus movimentos e quase não se concentrou na reza?

- Não sei.

Então, leve o seu cachorro pra casa e nunca mais deixe que ele entre aqui. Até ele aprender a rezar com você, pois, pelo que eu vi, você não rezou nada, apenas atrapalhou. Aqui não é lugar de cachorro, tá, minha filha.

- Tá, seu padre! – E saiu resmungando que ele era muito chato.

A mulher, assistindo tudo aquilo, tentou não se intrometer e dizia consigo mesmo que, se não fosse o bom padre que ele é, eu nunca mais voltaria a esta igreja. Não existe só uma paróquia, nesta cidade
- Hei de encontrar outra.

E ela tinha razão.

A dificuldade de sua concentração foi aguçada pelo saracoteado do animal, juntamente com uns poucos latidinhos desagradáveis.

Neste final, aproveito e aviso aos navegantes: Minha crônica não tem nada de antiecológica. Os animais são nossos irmãos, precisam ser tratados como são: criaturas de Deus, mas diferente do ser humana. Animal doméstico fica em casa. Ou pode acompanhar o dono pelas ruas. Mas isto não chega a ser aconselhável. Cachorros costumam ir, por onde vão, deixando sujeiras como defecando no passeio – caminho dos cidadãos – e mijando nos postes, e até nas pernas de cavalheiros. Atesto que isto eu já vi. Se for pecado, que Deus me perdoe e que os cachorros também me perdoem, mas eu não gosto deles.

Cachorros! “Considerados os melhores amigos do homem”, sabemos que eles não amam a liberdade, são uns incondicionais aduladores nossos.  E só este defeito já é bastante para produzirem minha ojeriza.

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*Francisco Miguel de Moura, responsável pela postagem. Email - fanciscomigueldemoura@gmail.com

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