quarta-feira, 22 de abril de 2015

HARDI FILHO - HOMEM SIMPLES, POETA PROFUNDO

Francisco Miguel de Moura, escritor,
membro da Academia Piauiense de Letras.   



          A mim ainda estou me perguntando: Por que é tão difícil falar das pessoas mais amigas, mais íntimas, logo após a sua morte? Para mim e para os que o conheceram Hardi Filho, sobretudo os que com ele conviveram, quer literariamente, quer amigavelmente, quer de ambas as formas, é difícil. Estou quase empacado, quando lembro de uma viagem a Luzilândia, a mais recente, para um daqueles agradáveis encontros literários. Ninguém conversava muito, nossos diálogos eram de poucas palavras. Ganhei dele um presente, naquela viagem, que ainda guardo como recordação. Assim, acredito que seu espírito irá com a gente, em todas as viagens literárias que fizermos. Grandes amigos, a amizade juntou também nossas famílias, desde os primeiro contatos. Os piauienses, daqui para o norte (até Parnaíba), daqui para o leste (até Picos), daqui para o oeste (até Oeiras), ou onde estivéssemos, muitos o conheceram.  E em mais lugares estaríamos se fôssemos convidados. Em Picos, com o nosso conhecimento e nosso trabalho, ajudamos os escritores locais fundarem a Academia de Letras da Região de Picos. Noutras cidades fizemos movimentos junto à juventude estudantil interessada e discursos que eram aulas nas quais ensinávamos o que sabíamos ensinar: a entender o mundo e a sociedade, ler e pensar. Publicou mais de duas dezenas de livros. Poderia ter publicado muito mais, se corresse atrás das entidades culturais. Achava que era obrigação dos setores culturais e educacionais divulgarem os artistas, da pena ou do pincel, de todas as áreas, pois os artistas são uns servidores permanentes do povo, da sociedade.  Penso que ele não morreu, embora o tenha visto estirado num esquive, esperando a hora do sepultamento, para a última viagem. Na minha memória e na minha saudade ele estava de viagem, mas voltaria. Amigo tão calado quanto pensativo, com a sabedoria de vida que tinha aprendido a duras penas, tornara-se um ser desprendido das coisas materiais. Era o poeta do amor e das coisas simples. O livro “Teoria do Simples” não tem nada de poesia simples. O simples duraria a vida inteira e mais ainda, certamente, a outra vida.  Mas muitas vezes, sem entender o mundo e os homens (quem os entenderá?), bradava contra situações críticas como a dor física e as dores da alma. É bom registrar que foi o único poeta que escreveu um livro exclusivamente de amor, para Adélia, sua mulher, a cujo livro acertadamente deu o nome de “Adélia”.  Por falar em último, nós dois, somos os últimos poetas a escrever um livro em parceria: “Tempo contra tempo”, nos finais do século XX, publicado a nossa custa, por insistência minha, para marcar a entrada do novo milênio. A escritora Rejane Machado, do Rio, escreveu um excelente ensaio sobre o “Tempo contra tempo”, que vai sair numa reunião dos seus melhores artigos, por editora de lá, noticiou-me há poucos dias. A Academia fez vista grossa sobre o trabalho, sequer fizemos lançamento, também a edição foi de 300 exemplares apenas.
           Francisco Hardi Filho estudou, interpretou e poetizou exaustivamente o sofrimento humano. E assim se tornou o poeta, um poeta maior logo no seu primeiro livro “Cinzas e Orvalhos”, premiado em concurso da Prefeitura Municipal de Teresina. Procurou alinhar-se ao coro dos que observavam e sentiam as dores do mundo, aos grandes sonhadores como Celso Pinheiro e Da Costa Silva. Nas horas de revolta, como Augusto dos Anjos, bradava qual o mar violento. Sempre foi poeta, mais que prosador. Mas são crônicas do jornal são impecáveis. Sua vocação de poeta veio das entranhas. ”Somos assim predestinados”, dizia o poeta J. G. de Araújo Jorge.
           Porém, morrer? Hardi Filho é um daqueles que, na minha concepção simplista, não morrem. Afirmei na chave de ouro de um soneto que “o que existiu há sempre de existir”. É minha crença na eternidade O que foi, é. Hardi não morreu, ao contrário, são daqueles que vivem como Da Costa e Silva. E justamente era sua a cadeira do Príncipe dos Poetas do Piauí, na Academia Piauiense de Letras. Andamos por aí, semeando e divulgando poesia.  O prof. Luiz Romero Lima, que nos conduzia a várias cidades deste Piauí, sabe disto. Ele tem que ser divulgado, agora mais do que nunca, agora e sempre, para compensar o seu desprendimento. Hardi Filho não vendia poesia, ele dava, achando acertadamente que o maior presente e o maior bem que poderia acontecer na vida de relação das pessoas era ler, e ler poesia. Andando sempre juntos, desde o começo, as famílias nos acompanhavam nos almoços, nos clubes, nos banhos de cachoeira, nas praias... Fundamos o CLIP, revigoramos a UBE-PI (eu lhe pedia que me acompanhasse, me ajudasse, pois sabia que ele não faltava e que a sua ajuda era valiosa). Viemos para a Academia, onde já se encontrava Herculano Morais, estávamos os três contentes, contando vitória, que o CLIP estava ali reunido. Requisitados, vínhamos receber os colégios que visitam a Academia. Era uma festa falar à juventude estudiosa, aos professores tão dedicados e mal pagos.  O CLIP estava e está na Academia. Nada se acaba. Hardi terminou sua tarefa aqui na terra, mas continuará onde estiver – no céu, acreditamos – pois o outro lado da vida é também vida: A morte é apenas um episódio sem graça, mas tão rápido quanto o nascimento. Creio, como Aléxis Carrel, o sábio francês, que “Deus não iria criar-nos tão inteligentes e perfeitos como criaturas, para depois transformar-nos em cinzas e nada mais”. Como o tempo, produto dele, não morreremos nunca, totalmente. Nossa alma sabe disto. Que o poeta Francisco Hardi Filho, amigo certo, escritor limpo na língua e no pensamento, bom pai de família, benemérito da sociedade, descanse em paz dos sofrimentos deste mundo.
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Francisco Hardi Filho nasceu 05-07-1934 (Fortaleza) e faleceu em 27-03-2015 (Teresina). Membro da Academia Piauiense de Letras, cadeira n°21, que teve como primeiro ocupante o Príncipe dos Poetas Piauiense, Antônio Francisco da Costa e Silva.
                        

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