quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

SECAS E ENCHENTES: CIVILIZAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS

 Francisco Miguel de Moura*            

           Podemos falar de secas no Nordeste, onde são cíclicas e endêmicas. Mas falar em secas noutras partes do Brasil já está quase ficando o óbvio. Essas não têm origem no “El Ninho” ou em outro qualquer fenômeno que aconteça nos oceanos, mas por causa de poluição e do desmatamento exagerado nas nacentes e nas margens dos rios.  Os lençóis d’água secam,  as floresta morrem, o fogo devora o que resta, então como vamos querer chuvas decentes, reservatórios  cheios, turbinas funcionando? Impossível. Como é que queremos ver a terra sadia, se cavamos buracos enormes em busca de minérios, sem as devidas caustelas (reflorestamento) e realinhamento dos terrenos? Por que não mudamos esta história de que o único meio de transporte seja o carro que consome gasolina vinda do petróleo? Por que não pensam no transporte elétrico (carro movido à eletricaidade) e nos meios transportes coletivos? Por que não usam as fontes alternativas, álcool de canas e de outros vegetais? Por que não se usa a eletricidade do sol e dos ventos. O Rio Grande do Norte está dando o exemplo. Vi numa das edições do Jornal Nacional.
Os fenômenos atmosféricos que atrapalham a vida do homem seriam bem simples e saudáveis. Por outro lado, como remendar a camada de onzônio da atmosfera que já furamos por todos os lados?
As secas do Nordeste também seriam aliviadas, sim, sim.Mas vamos falar do que conhecemos bem, daquilo que nos castiga de anos em anos, mas que agora vêm aimiúde: as secas e as enchentes depois que as cidades incharam sem esgotos, sem tratamento do lixo, etc. Precisamente vou tratar das mais duras secas do nordeste, no século XX, ou sejam, 1915 e 1932.  Anterior a 1915, houve outra, mas já no século anterior, em 1877 – a chamada seca dos dois setes. Mas o pior é que as seccas não vês, os dois anos anterior são secos,vão secando tudo,  até chegar o máximo. Assim que os anos de 1913 e 1914 foram de arrasar.
Registrada na minha memória, por tradição dos bisavós aos avós e aos pais, em 1877 encontro meu bisavô Francisco Fernandes Rodrigues casado com minha bisavó Ana Isabel Rodrigues (conhecida por Mãe Ana). Eles criavam muito gado solto, como era comum naqueles, animais semi-selvagens, que vinham só à noite beber água no rio. Animais que, às vezes, o próprio dono não conhecia. Mas novilha das que ele, meu bisavô conhecia bem, desapareceu e estava amojada, em tempo de botar o bezerro pra ver o mundo. Ele resolveu ir caçá-la, buscá-la onde estivesse, fosse na chapada mais distantes. Saiu no seus cavalo veste perneiras e gibão, acompanhado pelo cachorro. Não deu outro, o alforje secou, o cantil já não tinha água, e nada de encontrá-la. Foi assim, ele morreu na caçada daquela novilha, perdida no mato, de repente, ataque do coração como chamavam naquele tempo. O certo é que a seca já os fizera ficar pobres. Minha bisavó Mãe Ana, assim conhecida em toda a redondeza por sua bondade com os pobres e desvalidos, deu, enquanto tinha de seu, esmolas farinha e de feijão aos pobres que passavam do Ceará, da Paraíba, do Rio  Grande do Norte,  em busca de comida e água, querendo chegar ao Maranhão, onde dizia que fartura. Viúva e pobre, só restava ser boa. E continuou a vida inteira, deixando seu nome gravado no coração do povo: Mãe Ana. Esta é a triste história que sei de 1877. Criaram até uma cantiguinha popular assim: “Setenta e cinco pingou /setenta e seis neblinou /setenta  e  setenta e sete matou tudo  o que os dois criou”.
A seca de 1915  foi igual ou pior do que a de 1877. Meu pai tinha apenas 5 anos e minha mãe seis. Mas eles contam que as pessoas disputavam macambira com o gado que tentava encontrar comida. A macambira era arrancada na mata, trazida para as roças do gado e deixavam secar as folhas. Aí tocavam fogo nas folhas secas ef ficava somente, o tronco, a batata de onde os animais tiravam o seu sustento seco e amargo. Havia uma outra forma de arranjar uma farinha para substituir a de mandioca, de que não ficar um pé pra semente: Era a massa de mucanã, uma frutinha braba e dura. Minha dizia que precisava se posta de molha em sete águas, depois que ela amolecia e se desmanchava: era amarga e começou a inchar os pés das pessoas. Naquele tempo ainda, o povo de alguns lugares, não conheciam a palma, que nas secas posteriores tem acudido o gado. Meu avô materno, Francisco de Sousa Rodrigues, estava na roça, trabalhando preparando o terreno para quando viesse chuva, e também morreu de colapso cardíaco.
Em 1932, a terceira grande seca de que ouvi falar, foi mais ou menos igual às outras. Minha mãe dizia que chovera um pouquinho que deu pra nascer rama nas árvores e arbustos maiores. Tendo folha o gado emagrecia mas não morreu. Desse gado magro e do pirão da massa  de macambira e mucunã é que fui gerado, pois meu pai (Miguel Borges de Moura – que ficou mais conhecido como Miguel Guarani) e minha mãe, José Maria de Souza (Zefa de Chico Ana, depois Zefa de Miguel) comiam aqueles comidas brabas. Mesmo assim, casaram-se grande seca de 1932. Eu nasceria em junho de 1933. Acho que, por isto saí magro, pequeno, doente e feio. Mas contudo resisti a todas as secas posteriores que vieram – não vou citar os anos – pois as condições civilizatórias (estradas, ajuda do governo etc.) eram outras. Anos depois, tomando conhecimento do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra  as Secas), que nada revolveu, se não de forma emergencial, ouvir dizer que os políticos do Nordeste se beneficiam das secas para obter votos, o que em parte é verdade. Tanto é assim que, com toda ciência e engenharia existente, nunca baniram o mal do nosso meio. O homem do interior sofre demais. Como forma de melhor a situação, o campo se mudou para as cidades, inchando, produzindo favelas, vícios, drogas, criminosos e doenças contagiosas.
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Francisco Miguel de Moura, poeta e prosador, com mais de 30 livros publicados, nasceu no Piauí, mora em Teresina. Endereço eletrônico: franciscomigueldemoura@gmail.com

2 comentários:

Odali Bezerra disse...

Histórico verdadeiro . Essas histórias eu ouvi de minha avó materna, D.Cândida. Mas em 1951, houve outra seca grande , talvez menos braba , e foi o ano em que nasci.

Nas secas de 15 3 32, as pessoas sugavam as batatas de umbuzeiro, para mitigar a sede, e aferventavam couros de malas para amolecerem e assim saciar a fome. Hoje, não fosse a má vontade dos políticos poderia ser resolvido o problema de água . Já se sabe das riquezas dos lençóis subterrâneos
do PI, que também é possível a irrigação, os aviões que podem trazer as nuvens de chuvas fizeram esquecer. Só o que há nos mandatários do governo é uma obsessão infantil e vergonhosa pelo dinheiro. É o mal do egoísmo.

CHIICO MIGUEL disse...

Odali,
Muito obrigado pelos adendos que pretendo inluir noutros artigos.
Abraços
francisco miguel de moura

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